quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Pílulas - sexo, mentiras e videotape

(sex, lies and videotape, 1989. EUA. Dir.: Steven Soderbergh Com James Spader, Andie MacDowell, Peter Gallagher).



              
     
            A história de um casamento afogado em aparência, traições e monotonia é contada pelo diretor americano em seu primeiro filme. Um dos precursores da cena independente, Soderbergh soube criar uma narrativa enxuta e de atuações marcantes na qual o relacionamento de um casal preso em uma rotina sem atração mútua e marcado por desconfianças é modificado quando a liberdade feminina sobrepõe a imposição egoísta e machista do marido bígamo. A liberdade através do sexo, que não precisa ser visto como algo sujo, é vista como único caminho para o autoconhecimento dos personagens. Com a perda do puritanismo, vem o conhecimento dos próprios medos e aflições. E, conseqüentemente, a superação dos traumas que foram auto infligidos. É somente quando essa percepção é alcançada que a postura de vítima que Ann (McDowell) adota como perfil é deixada de lado em prol da própria satisfação. Falar sobre sexo em frente a câmera de Graham   (Spader), o então impotente amigo do marido a faz exorcizar os próprios demônios.  O roteiro apresenta uma proposta pertinente de que a base para qualquer relacionamento é o diálogo e a confiança mútua. Soa como clichê, mas a abordagem do diretor passa longe disso.   Nota: 9,0

Pílulas - Zodíaco



               
               (Zodiac, 2007. EUA.  Dir.:  David Fincher. Com   Jake Gyllenhaal, Marc Ruffalo e Robert Downey Jr)


                               Aula de cinema. Fincher demonstra um domínio impressionante para executar um complexo roteiro. O filme narra a história do notório assassino que aterrorizou São Francisco nos anos 1970 através da óptica de seus perseguidores: um policial viciado em cream cracker (?!) vivido por Ruffalo; um jornalista tabagista e alcoólatra vivido por Downey Jr. com seu habitual cinismo e talento e um cartunista vivido de forma discreta por Gillenhall, que decifra as pistas enviadas pelo assassino e se torna o mais perturbado pela busca ao psicopata. A película apresenta um estudo de personagens que assusta pela forma como os mesmos se tornam obcecados pelos crimes. Com uma história em que seria fácil se perder pelas sub tramas narradas, o filme consegue manter a linha cronológica através dos quase trinta anos que a busca incessante por respostas tirou da vida dos investigadores sem que a atenção do espectador seja perdida, apesar da longa duração da obra. A construção da época quando as mortes aconteceram é extremamente precisa e rima perfeitamente com o apuro técnico da direção de Fincher. Após firmar seu nome como o diretor de dois dos mais importantes filmes dos anos 1990, Se7en e Clube da Luta, David Fincher volta a surpreender.
    Nota: 10

Conduzindo Miss Daisy

   (Driving Miss Daisy, EUA, 1989). Direção: Bruce Beresford.   Com Morgan Freeman, Jessica Tandy e      Dan Aykroyd




     O filme de Bruce Beresford utiliza a amizade entre dois idosos como metáfora para a discussão inter-racial nos Estados Unidos da primeira metade do século passado. Daisy Werthan (Jessica Tandy, no papel que lhe rendeu um Oscar) é uma bem sucedida professora aposentada que, apesar da idade, ainda mantém certo grau de independência ao dispensar a necessidade de um chofer para seus afazeres diários. Após um pequeno acidente ao deixar a garagem de sua casa, Miss Daisy perde a cobertura da seguradora de veículos e passa a contar com a presença de Hoke Colburn (Freeman) para levá-la aos lugares que ela freqüenta. O contrato do motorista é feito com o dedicado filho da senhora, Boolie Werthan (Aykroyd), o simpático dono de uma tecelagem local. Apesar do já previsível conflito-seguido-de-amizade do roteiro, a história da relação entre Daisy e Hoke encanta justamente por fugir das armadilhas dramáticas que o filme poderia cair.

Aikroyd e Tandy atencioso e paciente com a mãe,
Boolie contrata um motorista que acaba se tornando o único amigo dela

       De forma inteligente, o roteirista Alfred Uhry, a partir de uma peça de sua própria autoria, une a evolução da amizade dos dois protagonistas com os sentimentos de exclusão social que ambos sentem. Daisy é judia, e apesar de notoriamente bem sucedida na vida, faz questão de afirmar não ser rica. De que não gosta de esbanjar dinheiro. Hoke, além de idoso, pobre e analfabeto, não tem a cor de sua pele a seu favor no período político-social em que seu país vive. Em uma cena, dois policiais brancos o abordam. Chamando-o pejorativamente de garoto, eles perguntam o que ele faz com um carro daqueles. Ao checar os documentos de Miss Daisy e de Hoke, liberam os dois sob comentários do tipo “era só o que faltava. Um crioulo velho e uma judia velha na estrada”. O que poderia ser levado de forma maniqueísta pelo filme, é inserido de modo coerente.  

Amor fraterno não tarda a sobrepor o orgulho de Miss Daisy

       O contexto histórico do filme colabora para um melhor entendimento das relações entre brancos e negros que o roteiro apresenta. Observa-se durante vários momentos uma demonstração da autoridade dos patrões brancos sobre seus empregados domésticos negros. No entanto, o filme não se apega a isso de modo a antagonizar personagens. Ele prefere utilizar tais relações de modo a ilustrar o período em que se passa a história. Observe, logo na primeira cena, o momento em que uma senhora branca repreende dois de seus funcionários negros mandando-os parar de observar o acidente e voltarem ao trabalho. Em um período vergonhoso da história americana, quando negros eram proibidos de usar banheiros em locais públicos e de dividir o mesmo espaço que os brancos no transporte coletivo, a amizade entre Hoke e Daisy mostra que a relação entre patrão e funcionário pode evoluir para uma cumplicidade que apenas a solidão da terceira idade pode ilustrar.

A solidão da terceira idade é retratada de forma sublime
     Morgan Freeman apresenta uma atuação que, apesar de um tanto caricata, diverte com um autêntico sotaque sulista estadunidense e um riso que acaba virando uma marca do personagem. Jessica Tandy arrasa em uma atuação contida que permite ao espectador entender o que o peso da idade causa à personalidade e ao estado físico das pessoas. A última cena demonstra perfeitamente como a cumplicidade, adquirida em anos de uma amizade que se descobriu mais forte que qualquer laço familiar, pode tornar as pessoas tão unidas. Nota 9,0 

Se meu apartamento falasse

  (The Apartment, EUA, 1960) Direção: Billy Wilder. Com Jack Lemmon, Shirley MacLaine 



           A parceria entre o diretor Billy Wilder e Jack Lemmon nos trouxe marcos para a história do cinema. Os dois são os responsáveis por nada menos que a melhor comédia já feita: Quanto mais quente melhor. Com uma filmografia que não se prende a gêneros, Wilder inclui em seu currículo essa fabula urbana sobre um simpático e ingênuo contador de uma corretora de seguros que empresta seu apartamento aos seus superiores na hierarquia do escritório para que eles possam usufruir em suas aventuras sexuais. 
Maclaine e Lemmon: química perfeita

           O filme apresenta Lemmon em uma atuação sublime. Sem os (necessários) tiques e excessos de Quanto mais quente melhor, ele traz ao seu simpático Baxter uma discrição que o permite passear a vontade entre o drama e o riso que esta comédia romântica pede. Fazendo graça desde a primeira cena, quando acompanha, como em um compasso musical, o som de sua máquina contábil, Jack Lemmon está soberbo. Apaixonado por Fran, (MacLaine, linda) a ascensorista do prédio onde trabalha, ele a convida para um musical após finalmente conseguir sua promoção devido aos benefícios que o apartamento traz, inclusive, para seu chefe. Mal sabe ele que a garota está de caso justamente com seu empregador e que o ap. servirá como local onde a mulher de seus sonhos vai passar a noite.

Baxter (Lemmon) perde a paciência com a TV
no único momento de paz em seu apartamento
        Em um filme repleto de cenas inesquecíveis, o talento da dupla Lemmon/Wilder pode ser evidenciado em vários momentos. Observe a cena em que Baxter, tomado por um resfriado, precisa organizar a agenda de empréstimos do seu apartamento para poder, pasmem, dormir uma noite em seu próprio lar. Ou, ainda mais engraçado, o momento em que ele se empolga com a exibição de Grand Hotel na TV, mas desiste por conta do excesso de patrocinadores. Hilário! Nota 10,0

Pílulas - A Fortuna de Cookie




      (Cookie´s Fortune, EUA, 1999) Direção: Robert Altman. Com Glenn Close , Julianne Moore, Liv Tyler, Chris O´Donnell, Charles S. Button, Patricia Neal.


          Altman nos apresenta a uma pequena cidade do Mississippi, onde a crença católica do período da Páscoa move boa parte dos cidadãos em uma peça teatral sobre a saga de Salomé, responsável pela morte de João Batista. A Cookie do título é uma viúva que passa os dias se lembrando do tempo que passou com o marido, Buck. Seu amigo Willis a ajuda a manter a ordem na imensa casa onde ela mora sozinha, resolvendo os problemas na propriedade, como, por exemplo, ao limpar a vasta coleção de armas que Buck mantinha com todo zelo. Melancólica pela saudade, Cookie aproveita a Páscoa para se divertir escondendo ovos coloridos para que Willis possa encontrá-los. No entanto, a vontade de rever seu antigo amor lhe leva ao suicídio, tornando o inocente Willis o principal suspeito, uma vez que o “local do crime” foi sabotado pela sobrinha de Cookie, Camille (Close), que acredita que a idéia de ter um membro suicida vai "desgraçar" a família. No entanto, a existência de um testamento feito por Cookie e de segredos sobre seus parentes, transformará a sua morte apenas em um mero detalhe diante das revelações que ela provocou com sua partida. Em uma trama que faz graça dos costumes interioranos dos estadunidenses, o veterano Altman, ao som de Blues, apresenta uma interessante análise social sobre amizade, família e confiança. Em que outro filme um policial poderia afirmar, com toda convicção, que o suspeito é inocente, pois costuma pescar com ele? Só o diretor de M.A.S.H e Nashville seria capaz.   Nota 9,0.