sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Homem do Prego

 (The Pawnbroker, EUA, 1964) Direção: Sidney Lumet. Com Rod Steiger, Geraldine Fitzgerald, Brock Peters, Jaime Sánchez, Thelma Oliver. 


A lembrança de um sobrevivente do Holocausto o persegue e o impede do convívio social tornando-o um recluso agressivo que se esconde atrás da frieza que seu trabalho exige e do talento e tino comercial que sua origem judaica o lega. Sol Nazerman (Rod Steiger em atuação indicada ao Oscar) é o dono de uma casa de penhores em Nova York. Um lugar repleto de objetos dispensados por pessoas que vendem as próprias lembranças por meros dólares. Nazerman é totalmente imparcial com o apego sentimental que seus clientes demonstram ter pelas peças. Sejam elas troféus que um dia foram exibidos com orgulho, candelabros que devem ter ornado jantares românticos ou cortadores de grama de origem suspeita. Tudo é avaliado por ele de forma fria e calculista visando, obviamente, o seu lucro. O lugar é triste, frio e representa perfeitamente o estado de espírito de seu proprietário: um homem preso a lembranças que não consegue descartar e que se apega a elas de um modo catártico.

Em seu próprio mundo, Sol vive preso a uma inércia devido aos traumas do passado
O diretor Sidney Lumet utiliza o mínimo espaço da loja de modo a salientar o quão sufocante é aquele ambiente. Nas poucas cenas que se passam fora dalí, vemos uma Nova York violenta, suja e nada atrativa. O reflexo da cidade é encarado na população local, formada basicamente por trabalhadores imigrantes latinos, cafetões e apostadores que tentam sobreviver mais um dia naquela selva. Um deles, Jesus Ortiz tenta se endireitar numa vida honesta, longe do passado de jogatina e golpes. Trabalhando como auxiliar de Nazerman, Jesus é influenciado pela própria ganância a tentar abarcar um lucro maior do que seu trabalho pode lhe trazer. Apenas mais um que procurar sobressair-se daquele mundo.


De fato, todos os personagens são sobreviventes que tentam escapar de uma vida que os deprimem. Desde a prostituta apaixonada por Jesus, Thelma, até o cliente que insiste em manter conversas filosóficas com o proprietário. Todos se incomodam com suas rotinas, mas estão presos a uma inércia que os impede de escapar.

Os clientes de Nazerman apresentam uma característica peculiar. Cada um deles se apresenta de um modo totalmente dependente da loja de penhores. Seja para adquirir algum troco ou para em busca de alguém para conversar. E o comerciante é visto como alguém ideal na função. A solidão do homem é incômoda. E forma como ele tenta sair dela sem sucesso, desesperadora. Sem traquejo social por conta de seus traumas, ele não consegue reconhecer as oportunidades que podem recolocá-lo nos trilhos de uma vida afetiva. Em determinado momento, uma simpática mulher que aparece à loja solicitando uma doação para uma campanha de caridade, o convida para um almoço, mas no dia e local marcado, encontra um alterado e inóspito homem que a manda ficar fora da vida dele.

Sol não percebe as boas intenções de quem o cerca

O filme demonstra perfeitamente como os traumas de um passado sofrido podem transformar alguém em um ser humano amargo, mas sem consciência de que está afundando a cada dia. Metódico e fiel à sua rotina, Nazerman definha do começo ao fim da história. Curioso como vemos em sua aparência física o modo como ele é atingido por sua condição psicológica. Se no começo ele está sempre alinhado em sua postura de comerciante, ao final, após ser tragado por aquela avalanche de sentimento, sua postura e vestimenta não demonstram mais a imagem que ele pretensamente demonstrava. Naquele momento, ele está de acordo com seu estado de espírito.

Como afirma uma das rotineiras clientes do lugar, penhorar coisas é como se salvar de um barco velho e cheio de buracos. “Você penhora algo para comprar algo que depois vai penhorar também. Com o tempo, o barco afunda cada vez mais.” Ao final, percebe-se que essa metáfora se encaixava perfeitamente à vida de Sol Nazerman.