quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Iluminado - Versão estendida






Promovidas pelo BFI Southbank, complexo de cinemas localizado no centro Londres, as exibições de versões restauradas e/ou estendidas de clássicos como Lawrence da Arábia, de David Lean, e O Iluminado, de Stanley Kubrick, é uma das principais razões para o salivar desse cinéfilo que vos escreve.

A sessão de ontem de O Iluminado apresentou a versão americana que ainda era inédita em solo inglês. Com 144 minutos de duração, o filme traz o mesmo impactante inicio com a imagem aérea dos lagos do Maine (terra natal de Stephen King, autor do livro original, e local onde se passam quase todos seus romances) e a ida de Jack Torrance em direção às montanhas onde está localizado o amaldiçoado hotel Overlook. A música de Krzysztof Penderecki,The Dies Irae of the Auschwitz Cantata, tem, na tela grande, seu impacto elevado  criando um ambiente cuja claustrofobia se torna inversa devido à imponência e grandiosidade   dos cenários. Observar o diminuto automóvel passar por aquela estrada em um ambiente tão exuberante e já conhecendo o horror que se acometerá sobre aquele homem e sua família, é ainda mais angustiante por conta da inserção musical que ajuda a criar uma impressão pós-apocalíptica na cena.

Remontada pelo próprio Stanley Kubrick após o original ter sido criticado por King devido à falta de fidelidade com a narrativa do seu livro, essa inédita versão traz cenas que, de fato, tornam o desenvolvimento da psicopatia de Jack Torrance mais perceptível. Nela, ficamos sabendo do comportamento violento de Jack através das palavras de Wendy (Shelley Duvall), em uma pista que tem sua recompensa na cena em que Jack é servido por Lloyd, o garçom fantasma. Após ver pela primeira vez os elevadores do hotel jorrando sangue e os cadáveres esquartejados das gêmeas, Danny desmaia e é examinado por uma médica em seu quarto. A doutora quer saber detalhes sobre a relação do garoto com os pais, no que Wendy explica sobre a ocasião em que Jack deslocou o ombro do filho em um ataque de fúria, cena que vai remeter ao momento em que o pai explica ao bartender sua inocência.

Outro momento que difere do original é a apresentação do chef Dick Hallorann (Scatman Crothers), cuja entrada em cena torna-se mais fluída devido ao desenvolvimento da relação dele com a família Torrance. E se a relação de Jack com o hotel na versão original só é revelada no decorrer do filme, nessa versão estendida já vemos desde o inicio esse estreito déjà vu que o homem parece sentir, algo comprovado pelo momento de inserção no qual ele admite ter a sensação de já ter estado no Overlook anteriormente.

Com o desenvolvimento da trama e da gradativa entrega de Jack à loucura, percebe-se a razão para Kubrick não ter mantido todas essas cenas na versão final lançada em 1980. Claro, sem elas o filme soa mais direto, algo que a proposta de um longa de horror segue à risca: trazer o espectador para seu clímax de terror de forma mais rápida. Mas inegavelmente momentos como o que Wendy encontra esqueletos no salão de festas ou os rápidos flashes sanguinolentos e somados à expressão de terror de Danny nos segundos que precedem o golpe de Wendy com um taco de beisebol, aumentam exponencialmente a tensão de uma obra que parecia já ter alcançado seu grau máximo de tormenta.

E se a atuação de Nicholson já é famosa por seu impacto, a de Shelley Duvall impressiona sempre. Ter um já prévio conhecimento das técnicas usadas pelo perfeccionista Kubrick para tornar mais intensa a interpretação da atriz (técnicas que beiravam à crueldade e o sadismo), faz com que a observação do modo visceral com que ela desenvolve seu papel se torne louvável. Lidar com Kubrick não devia ser fácil. As lágrimas de Wendy no filme se misturam com as de Duvall. E uma personagem de personalidade fraca que parece não querer enxergar nada de errado em seu frágil mundo e que finge não perceber a falsidade de seu casamento acaba por crescer em meio ao pânico e ao terror.

Os momentos de horror proporcionados por O Iluminado na tela grande não serão esquecidos tão cedo. 

Mostra Somos todos Marginais - De Udigrúdi à Pornochanchada



Excelente oportunidade para quem quer se aprofundar no movimento da Pornochanchada e do cinema produzido na Boca do Lixo, em São Paulo, durante a década de 1970. A Dimas (Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural da Bahia) em parceria com o Governo da Bahia, além do apoio do Canal Brasil, traz a partir do dia 19 de novembro, na Sala Walter da Silveira (Barris, Salvador-BA), a Mostra Somos todos Marginais - De Udigrúdi à Pornochanchada. Nela poderão ser conferidos obras como Filme demência, de Carlão Reichenbach, falecido recentemente, O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, um dos marcos da filmografia policial brasileira; Mulher Objeto, de Silvio de Abreu, além do documentário Boca do Lixo, a Bollywood Brasileira e muito mais. Entrada franca.

Confira a programação abaixo.


De 19 a 25/11
Mostra "Somos Todos Marginais: da Pornochanchada ao Udigrúdi"

Sala Walter da Silveira
Entrada franca
Rua General Labatut 27 – subsolo da Biblioteca Pública dos Barris

Realização: Diretoria de Audiovisual da Fundação Cultural do Estado da Bahia
Produção: Pinball Produções
Apoio: Canal Brasil

Programação
Dia 19/11
Às 14h30
Boca do Lixo, a Bollywood Brasileira (BRA, 2011) – Episódios 1 e 2
Documentário
Direção: Daniel Camargo
Roteiro e Pesquisa: Fábio Vellozo
Direção de Fotografia: Fernanda Riscali
Supervisão Geral: Nelson Hoineff
Duração: 52 minutos
Produção
: Canal Brasil/Comalt
Classificação: 18 anos
Sinopse - Através de depoimentos daqueles que vivenciaram a chamada “época de ouro” – como as musas Helena Ramos e Nicole Puzzi; os diretores Sílvio de Abreu, Clery Cunha, Pio Zamuner e Claúdio Cunha; e o galã David Cardoso –, a série de documentários exibida pelo Canal Brasil traça um panorama do começo, auge e decadência deste verdadeiro polo cinematográfico.

Boca do Lixo, a Bollywood Brasileira (BRA, 2011) – Episódios 3 e 4
Documentário
Direção: Daniel Camargo
Roteiro e Pesquisa: Fábio Vellozo
Direção de Fotografia: Fernanda Riscali
Supervisão Geral: Nelson Hoineff
Duração: 52 minutos
Produção
: Canal Brasil/Comalt
Classificação: 18 anos
Sinopse - Através de depoimentos daqueles que vivenciaram a chamada “época de ouro” – como as musas Helena Ramos e Nicole Puzzi; os diretores Sílvio de Abreu, Clery Cunha, Pio Zamuner e Claúdio Cunha; e o galã David Cardoso –, a série de documentários exibida pelo Canal Brasil traça um panorama do começo, auge e decadência deste verdadeiro polo cinematográfico. Os temas dos episódios 3 e 4 são respectivamente “Luz, Cama, Ação” e “Céu de Estrelas”

16h30
Uma rua chamada Triumpho 969/70 (BRA, 1971)
Direção: Ozualdo Candeias
Documentário
Duração:
10 minutos
Classificação:
16 anos

Sinopse - Através de fotografias de autoria de Ozualdo Candeias registra-se a região da Boca do Lixo paulistana e as pessoas do meio cinematográfico que por ali circulavam.

A margem (BRA, 1967)
Direção: Ozualdo Candeias
Elenco: Mário Benvenutti, Valéria Vidal, Bentinho, Lucy Rangel, Telé, Karé, Paula Ramos e Brigitte Maier.
Duração: 96 min.
Classificação: 16 anos

Sinopse -  Inspirado em acontecimentos reais publicados em jornais populares, o filme aborda o dia a dia da população pobre que vive as margens do rio Tietê através das experiências de quatro personagens. Estes observam logo de início o surgimento no rio de uma mulher numa canoa; ela como que anuncia a morte dos quatro, que ocorrerá na segunda parte do filme.

Dia 20/11

14h30
Filme demência (BRA, 1985)
Direção:
Carlos Reichenbach
Elenco:
Ênio Gonçalves, Emílio di Biase, Imara Reis, Fernando Benini, Rosa Maria Pestana e Orlando Parolini.
Duração: 90 min.

Classificação: 16 anos

Sinopse - Após assistir impotentemente a falência de sua pequena indústria de cigarros, Fausto mergulha no interior de si mesmo. Rompe com Doris, a esposa infiel, rouba o revólver do zelador do prédio onde mora, e sai pela noite de São Paulo em busca de Mira-Celi, seu paraíso imaginário. Em seu trajeto suicida encontra personagens emblemáticos de sua existência obscura : o amigo de infância e desonesto Wagner, a amante suburbana Mércia, o visionário guru Honduras, um ex-colega da faculdade de economia que vende carros de segunda mão, o cunhado salafrário Dr. Gildo Lobo e seu sócio Dr. José Carlos Barata, amante de Doris, e entre outros, e sobretudo, Mefisto, que surge transvestido de várias formas, inclusive como uma simpática velhinha. É a eterna busca do conhecimento que o conduz à descoberta de seu próprio espelho. Uma viagem onde o importante não é chegar, mas viajar ; um movimento circular permanente que leva Fausto à concluir quem nem a alma tem para oferecer à Mefisto.

16h30
A super fêmea (BRA, 1973)
Direção: Aníbal Massaini
Elenco: Vera Fischer, Perry Salles, Walter Stuart e Georgia Gomide.
Duração: 101 min.
Classificação: 18 anos
Sinopse - Um laboratório de produtos farmacêuticos vai lançar no Brasil a pílula anticoncepcional para homens. Para a publicidade de lançamento, contrata os serviços de uma agência de propaganda, que começa a fazer uma pesquisa de opinião entre os consumidores em potencial. A pesquisa revela que 83% dos homens consultados temem tomar a pílula, com receio de que o produto possa diminuir sua virilidade. Na verdade, nada há a temer, demonstra o laboratório, uma vez que, administrada experimentalmente em animais machos, a pílula nada revelou de nocivo à potência. Mas, como induzir o público a aceitar o produto?

Dia 21/11

14h30
O olho mágico do amor (BRA, 1981)

Direção: Ícaro Martins e José Antonio Garcia
Elenco: Carla Camurati, Tânia Alves, Ênio Gonçalves, Sérgio Mamberti e Cida Moreira.
Duração: 84 min.
Classificação: 18 anos.
Sinopse - Uma jovem de 17 anos que trabalha como secretária em um escritório na Boca do Lixo, região central da cidade de São Paulo. Um dia, descobre atrás de um quadro na parede um pequeno buraco que dá para um quarto de hotel. Ali vive uma prostituta que recebe seus clientes. A jovem deslumbrada e envolvida em seu voyeurismo, muda todo o seu cotidiano para poder acompanhar os casos amorosos da prostituta. Produção elogiada pela crítica cinematográfica, foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte em nove categorias, incluindo Melhor Filme, História Original, Direção e Fotografia.
16h30
A Noite desejo
(Brasil, 1973)
Direção: Fauzi Mansur.
Duração: 98 min.
Elenco: Marlene França, Roberto Bolant e Betina Viany.
Classificação: 18 anos

Sinopse - Dois jovens operários saem em busca de uma noite de prazer pela cidade. Por serem menosprezados por onde passam, eles acabam se divertindo em um bordel barato.

Dia 22/11
14h30
O Mulherengo (BRA, 1976)
Direção: Fauzi Mansur
Duração: 100 minutos.
Elenco: Edwin Luisi,
Nádia Lippi, Ambrósio Fregolente e Lisa Vieira.
Classificação: 18 anos
Sinopse -  A "Banda dos Peregrinos" instala-se numa pequena cidade do interior. Alípio, um de seus integrantes vive para duas paixões: mulheres e música. Morto pelo pai de uma das vítimas de seus caprichos donjuanescos, Alípio se vê às voltas com um anjo que só lhe permitirá a entrada no Paraíso se reparar o mal que causou a todas as donzelas, durante sua vida material, arranjando um jeito para que todas se casem e sejam felizes. Alípio, sempre sob a fiscalização do anjo, procura uma a uma suas vítimas e as faz esposas de seus colegas de banda. O anjo, encarnado para poder cumprir sua missão de fiscal, passa a ter sentimentos de mulher, apaixonando-se pelo incorrigível mulherengo.
16h30
Damas do Prazer (BRA, 1979)
Direção: Antonio Meliande
Duração: 82 min.
Elenco:  Irene Stefânia, Bárbara Fazio, Paulo Hesse e Nicole Puzzi.
Classificação: 18 anos

Sinopse - Os desejos e contradições de um grupo de prostitutas, formado por novatas e veteranas, diante da dura realidade do mercado do sexo na Boca do Lixo, em São Paulo. Segundo filme de Antonio Meliande, um dos maiores fotógrafos do cinema brasileiro. Com roteiro de Ody Fraga, “o pornógrafo dos pornógrafos”, e inspirado em Nana, romance de Émile Zola, Damas do prazer conta com desempenhos magistrais das atrizes Irene Stefânia e Bárbara Fazio.

Dia 23/11
14h30
O Bandido da Luz Vermelha (BRA, 1968)
Direção: Rogério Sganzerla
Elenco: Paulo Villaça, Luiz Linhares, Helena Ignêz, Sobrinho Pagano, Roberto Luna, José Marinho, Ezequiel Neves e Sérgio Mamberti.
Duração: 92 min.
Classificação: 16 anos
Sinopse - Marginal paulista coloca a população em polvorosa e desafia a polícia ao cometer os crimes mais requintados. Conhece a provocante Janete Jane, famosa em toda a Boca do Lixo, por quem se apaixona. Ela o delata, provocando o seu suicídio.
16h30
Sexo às avessas (Brasil, 1982)
Direção: Fauzi Mansur
Duração: 92 min.
Elenco: Serafim Gonzales, Ana Maria Kreisler e Ênio Gonçalves .
Classificação: 18 anos
Sinopse - Casal inverte seus papéis na vida conjugal: ele se dedica às tarefas domésticas e ela se torna uma executiva conquistadora. A vida de ambos é abalada pelo flagrante de adultério entre a mulher e um amigo do marido que se tornou prostituto.
Dia 24/11
14h30
Mulher objeto (BRA, 1981)
Direção: Sílvio de Abreu
Duração: 125 min.
Elenco:
Helena Ramos, Nuno Leal Maia, Kate Lyra e Maria Lúcia Dahl.
Classificação: 18 anos
Sinopse -  Regina não passa de uma submissa e reprimida ex-secretária que só alcança o prazer através de fetiches que não abandonam sua imaginação. Ela sofre com essa situação incomum, que ameaça o confortável casamento com o rico empresário Hélio e, atormentada pela intensidade dos devaneios picantes, não consegue se relacionar sexualmente com o marido.
17h
Karina, Objeto de Prazer (BRA, 1982)
Direção: Jean Garret
Duração: 84 min.
Elenco:
Angelina Muniz, Rosina Malbousian,  Luigi Picchi e Cláudio Cunha.
Classificação: 18 anos
Sinopse - Filha de um pescador, Maria do Carmo é comprada por Rufino, que a prostitui sob o nome de Karina. Lucas, outro marginal, interessa-se por ela e passa a tentar conquistar seus favores, mas em vão. Numa partida de pôquer, Rufino aposta Karina com Lucas e perde, mas ela não quer entregar-se ao vencedor e Rufino a espanca violentamente. Karina mata-o. Na prisão, tem pesadelos, recordando os tempos em que viveu com Rufino. Conhece a advogada Sheila, que se propõe a defendê-la e consegue autorização para levá-la para sua casa à beira-mar. A amizade entre as duas vai se transformando em relação sexual.

Dia 25/11

14h30
Sábado Alucinante
(BRA, 1979)
Direção: Cláudio Cunha
Duração: 106 min.
Elenco: Djenane Machado, Rogério Fróes, Simone Carvalho, Neuza Borges, Sandra Bréa, Maurício do Valle e Fernando Reski.
Classificação: 14 anos
Sinopse - Da noite de sexta-feira até a madrugada de domingo, as portas de um novo mundo se abrem no interior de uma discoteca na Zona Sul do Rio de Janeiro. São emoções e conflitos vividos por uma série de personagens, que encontram na pista de dança o palco ideal para representarem a tragédia de suas vidas.

16h30
Como Salvar Meu Casamento (S.O.S sex shop, BRA, 1984)
Direção:
Alberto Salvá
Dureção: Wilma Aguiar, Carlos Capeletti, Malu Rocha, Matilde Mastrangi e Walter Breda.
Duração: 81 min.
Classificação:
18 anos

Sinopse - Um casal vive em profunda crise conjugal. O marido é levado por amigos a uma sexshop e ganha de presente uma língua de borracha. Com o objeto, consegue fazer a esposa chegar ao orgasmo e salva seu casamento.
20h30
Boca do Lixo, a Bollywood Brasileira (BRA, 2011) – Episódio 5
Documentário
Direção: Daniel Camargo
Roteiro e Pesquisa: Fábio Vellozo
Direção de Fotografia: Fernanda Riscali
Supervisão Geral: Nelson Hoineff
Duração: 26  minutos
Produção
: Canal Brasil/Comalt
Classificação: 18 anos
Sinopse – Episódio Fuk Fuk à brasileira

*Com informações da DIMAS. 


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Fim de ano movimentado na cena cinéfila de Salvador


Por João Paulo Barreto


Oitavo Panorama Internacional Coisa de Cinema; Oitavo Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual (Cine Futuro) e a também oitava edição do Festival de Cinema de Salvador. Três importantíssimos eventos da Sétima Arte que mantêm a cultura cinematográfica ativa em Salvador nesse final de ano. O primeiro, que aconteceu entre 25 de outubro e 1º de novembro, premiou curtas e longas metragens, contou com uma homenagem à Pornochanchada e apresentou oficinas ministradas pelos críticos João Carlos Sampaio e Adolfo Gomes. Saíram vencedores nas competitivas nacionais o longa O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, um pungente retrato da sociedade excludente que compõe a classe média de Recife, e o curta metragem Dizem que os Cães Veem Coisas, de Guto Parente, que, baseado em um conto homônimo do escritor Moreira Campos, também aborda um aspecto singular da sociedade, só que de Fortaleza. No âmbito local, o impactante curta dirigido por Rodrigo Luna, Arremate, baseado no conto We Can Get Them for You Wholesale, de Neil Gaiman, levou o prêmio na Competitiva Baiana. Os outros premiados podem ser conferidos no site www.coisadecinema.com.br


O Som ao Redor: filme com Irandhir Santos foi o vencedor do VIII Panorama
Dando continuidade à movimentada cena de cinema na capital baiana, começou no dia 02 de novembro e se estende até o dia 15 a oitava edição do Festival de Cinema de Salvador. O evento, que conta com sessões únicas e realizadas sempre às 20h30min na Sala de Arte Cinema da UFBA, traz obras de cineastas como o argentino Marcos Carnevale (Viúvas), o polonês Jan Jakub Kolski (Veneza), além do documentário nacional Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now! Confira no site http://circuitosaladearte.wordpress.com/ a programação completa e os trailers da s obras exibidas.

Começando no próximo dia 09, o Cine Futuro acontecerá no Espaço Itaú de Cinema/Glauber Rocha e no Espaço Cultural da Barroquinha, ambos localizados na Praça Castro Alves. Abrindo o leque de oportunidades com ingressos a preços populares e inscrições gratuitas para as palestras, o evento terá duas oficinas: Videoativismo e Cinema como Ferramenta, ministrada pelo diretor de fotografia Alan Schvarsberg e Dramaturgia do Som no Cinema, que terá o editor de som Waldir Xavier como ministrante. Outro destaque da mostra é o diálogo acerca do filme O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, que teve recentemente uma “continuação” estrelada com vigor pelo cantor e ator Ney Matogrosso, pela filha do cineasta Djin Sganzerla e dirigida por Helena Ignez e Ícaro Martins. O longa, inclusive, é roteirizado pelo próprio Rogério Sganzerla, que faleceu em 2004 quando ainda planejava iniciar as filmagens. Estarão presentes no festival o cantor e ator Ney Matogrosso, a cineasta Helena Ignez e a atriz Djin Sganzerla.

Cidadão Kane: Retrospectiva Orson Welles é um dos destaques do Cine Futuro
O Seminário trará uma competitiva de curtas na qual filmes como Desterro, de Cláudio Marques e Marília Hughes, Orwo Forma, de Karen Black e Lia Letícia e Dois, de Thiago Ricarte, são ótimos destaques. Outro ponto positivo do Cine Futuro 2012 é a Retrospectiva Orson Welles, que contará com a exibição de longas como Cidadão Kane, Soberba, Jornada de Pavor, A Marca da Maldade, dentre outros. Oportunidade única para quem quer conferir na telona obras tão importantes desse ícone do cinema mundial.

A programação completa do festival pode ser conferida na página www.cinefuturo.com.br

Salvador com excelentes opções para os amantes da sétima arte. Fica a dica!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Panorama 2012: Menino do Cinco


(Brasil, 2012) Direção Marcelo Matos e Wallace Nogueira. Com Thomas Vinicius de Oliveira, Emanuel de Sena, Fábio Costa, Jonas Laborda.



Por João Paulo Barreto

Trabalho de extrema delicadeza e crítica mordaz à sociedade excludente, Menino do Cinco, de Marcelo Matos e Wallace Nogueira, é um filme acerca da solidão e necessidade de afeto. Claro que há outros temas envolvidos no curta metragem baiano ganhador do festival de Gramado de 2012. Porém, essas questões, juntamente com as ricas metáforas sociais e reflexões que esse tema traz, são os pontos de maior destaque da eficiente história escrita por Matos.

Ligados pela perda de um cachorro, dois garotos, um branco de classe média, Ricardo, e um negro da periferia (que não possui nome, em mais um sutil recado do roteiro), lutam para ficar com aquele animalzinho que consideram sua mais valiosa posse. Enquanto vive em uma rotina sem amigos, brincando sempre sozinho, com um olhar melancólico, Ricardo, o menino do cinco do título, encontra o filhotinho no playground do prédio onde vive com o pai.

Em um momento repleto de simbolismo, os garotos de rua ocupam seu tempo pedindo trocados para os motoristas que estacionam em frente ao prédio. Ao colocar o cãozinho por um momento próximo à grade do prédio, o animal foge e adentra no gramado do lugar. Observem como o prédio está em nível superior ao da rua. Nada representa melhor a diferença entre aqueles garotos. O que brinca no gramado do prédio, solitário, criando as próprias distrações para poder se divertir e o grupo de garotos de rua, que não têm o mesmo conforto e segurança de Ricardo, mas têm a amizade um do outro.

No cãozinho, ele encontra o sorriso perdido. Em um universo onde não há a presença feminina de uma mãe para mimá-lo, apenas seu pai sempre ocupado com o trabalho e, aparentemente irredutível quanto a não permitir animais no apartamento, Ricardo se diverte sozinho com bonecos e brincadeiras inventadas. O cachorro representa quase que seu único elo com uma infância divertida e calorosa que ele parece não conhecer. Nesse sentido, ver os meninos de rua brincarem entre si, mesmo sem o conforto que o garoto do condomínio possui, faz o espectador perceber o quão deprimente é a sua vida sem o animalzinho de estimação que pareceu surgir para lhe tirar daquela letargia.

Como percebemos no último momento do curta, abrir mão daquela única alegria será algo que ele não estará disposto a fazer de modo natural. Menino do Cinco é um filme que ecoa em sua reflexão muito tempo após você se desligar dele. 

E não é disso que é feito o bom cinema?

Entrevista: Marcelo Matos, roteirista e co-diretor de Menino do Cinco


Por João Paulo Barreto

Ter seu primeiro filme de ficção aclamado em Gramado com três prêmios de Melhor Curta Metragem, prêmio de Melhor Roteiro e um prêmio duplo de Melhor Ator não foi algo que Marcelo Matos assimilou muito bem. “Ainda bem que minha timidez me resguarda um pouco desse negócio de glamour”, diz, entre risos, o rapaz de voz calma. No entanto, não há como não perceber o êxito por trás de um roteiro tão bem resolvido como o de Menino do Cinco. Repleto de simbolismos que remetem às questões sociais que o curta ilustra de forma pertinente, o trabalho que dirigiu em parceira com Wallace Nogueira é o típico filme que não permite ao espectador deixá-lo para trás após o término da sessão. Em um crescente emocional, o filme dessa dupla talentosa te deixa preso a reflexões de um modo que poucos diretores veteranos conseguem. E tudo a partir de um argumento simples: a história de dois garotinhos, um de classe média, outro de rua, que brigam pela posse de um cãozinho. Ao observar os créditos finais, o espectador ainda vai ficar alguns segundos sentado olhando para a tela escura e refletindo acerca do que acabou de ver.



Nessa conversa, durante a oitava edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema, no qual o seu curta estava indicado na Competitiva Nacional, Marcelo falou sobre o trabalho com atores mirins, a questão social inerente ao seu roteiro e sobre esse negócio de arrebentar em Gramado logo no primeiro trabalho com cinema de ficção.

Confira o papo!

Marcelo, a ideia da discussão social presente em Menino do Cinco já começou como algo central no roteiro?

Durante toda a minha trajetória, eu trabalhei em projetos sociais. Trabalhei em ONGs e criei outras voltadas para projetos sociais. A minha formação de vida está muito ligada a esse trabalho de frente, uma vez que eu sempre estive ligado a projetos sociais. Por isso, acabou sendo algo natural que, mesmo de forma inconsciente, isso aparecesse na primeira história que eu escrevesse. Porque essa é a minha vida.

Como foi o trabalho com o elenco mirim? O processo de seleção e a ideia de trabalhar com atores não profissionais.

Nós escolhemos nove crianças de classe média e nove crianças de periferia. Foram selecionadas nove que tivessem um perfil da classe média de Salvador e outras nove que seguissem a ideia do perfil de meninos de periferia. Passamos uma semana em oficina fazendo, pela manhã, os testes com os meninos que fariam um personagem e, de tarde, os testes com aqueles que fariam o outro. Foi a Maryvonne (Coutrot, uma atriz e  preparadora de elenco francesa), quem fez o trabalho com os meninos. Ela tem uma formação em teatro e trabalhou muito com Clown (técnica artística teatral conhecida por ampliar as características físicas mais marcantes do ator e utilizá-las no espetáculo. Chaplin e Rowan Atkinson são exemplos). E como nós não tínhamos muita experiência com cinema de ficção, uma vez que eu vinha do documentário e ela do teatro, a gente adaptou esses exercícios que ela usava de clown para fazer a preparação de elenco com esses dois grupos. Na época nós tínhamos medo de ficar uma coisa exagerada, afinal, clown em cinema só Chaplin, mesmo. Mas ao decorrer da oficina, a gente foi ajustando as coisas. O importante era trabalhar como a criança acessa o sentimento que ela vai dar na cena. Quem é de teatro tem um repertório de exercícios de construção do ator que é muito interessante e que no cinema não temos. No caso da escolha do Thomas (o ator Thomas Vinicius de Oliveira, protagonista do filme) que vive o menino de classe média, eu estava apostando somente nele. Foi um garoto que eu conheci no shopping e eu estava com receio de que a oficina viesse a estragar a atuação dele. Foi o Wallace (Nogueira, co-diretor) e a Maryvonne que me aconselharam que seria legal para a construção dele como ator participar da oficina. Acabou sendo muito importante para ele essa experiência.



E ele acabou dividindo o prêmio de Melhor Ator em Gramado com o Emanuel de Sena, que interpreta o garoto de rua.

Sim. O festival alterou sua premiação. Tiraram o prêmio de ator coadjuvante e ambos ganharam na categoria Melhor Ator.

Durante o processo de gravação, você teve a preocupação de trabalhar o psicológico dos garotos para poderem lidar com a possível fama que eles teriam com o filme? E após a aclamação, como foi esse trabalho?

Para eles, foi algo bem tranquilo, uma vez que os dois não tinham essa dimensão do que é o Festival de Gramado. Eu também fiz questão de não alardear muito. Eu apenas disse que eles ganharam o prêmio porque fizeram um bom trabalho. Nada mais do que isso. E eu falava isso para eles dizendo isso para mim, também (risos). Gramado, afinal, é complicado. Há uma ilusão, um fetiche ali que se o cara comer a pilha, ele se estrebucha. Como eu tenho uma experiência na área pedagógica por ter feito mestrado em educação, tive a ideia de entregar o prêmio para eles em um ambiente escolar, pois eu imaginei que as pessoas iam saber tratar essa questão. Afinal, eles são educadores, são professores. Inclusive, antes do filme entrar em Gramado, eu queria que ele estreasse lá no campus com um grupo de professores e alunos. Eu queria o filme mais voltado para esse público das escolas, crianças de periferia, professores. Eu realmente pensei muito em usá-lo no âmbito educacional. Então, entregar o prêmio ao Thomas e ao Emanuel foi interessante porque lá estavam meus professores e também os professores deles vendo o filme. Foi, para mim, a melhor sessão onde o filme foi exibido. De todas! Foi lá que eles aprenderam a importância do Festival de Gramado para o cinema brasileiro. Isso através das palavras de um professor deles e da minha professora. Eu tinha muita preocupação com esse impacto na vida dos dois.

E para você e Wallace? A ficha de Gramado caiu como?

(risos) Foi tranquilo. Eu acho que o fato de eu ser muito tímido é algo que me preserva, me resguarda desse glamour. Eu não acredito no glamour, sabe? Eu acho legal, claro, o reconhecimento do prêmio. E a gente contou com a sorte, também. Afinal, esse era meu primeiro filme de ficção e acabou ganhando em Gramado. Isso abre as portas, claro. Porque ele poderia ter passado despercebido. Seria bem capaz, aliás. Mas esse ano, em Gramado, a curadoria dos curtas foi muito interessante. E a galera queria era provar para Gramado o que é um bom cinema. E isso eles conseguiram fazer. E é um orgulho saber que o filme da gente serviu para isso. Muito mais do que qualquer vaidade de dizer: “Ah, olha, meu filme ganhou” ou algo do tipo. Claro, a gente pensou em festivais, mas, como já disse, pensamos esse filme para passar em escolas. Ainda mais que minha experiência em cinema é passando filmes em ambientes educacionais. Três anos de minha vida foram dentro de escolas passando filmes nacionais.

Marcelo e o co-diretor Wallace Nogueira no Festival de Gramado

Uma coisa que eu acho bacana em Menino do Cinco é a discussão social que o filme insere de modo subliminar. Um detalhe curioso é o fato do playground do prédio onde vive o Ricardo  ser em um nível acima da área externa, onde brincam os meninos de rua. Foi proposital?

Aquele é um prédio onde eu vivi vinte anos de minha vida. Eu não quis rodar aquela cena em nenhum outro lugar justamente por essa desigualdade. O playground fica acima do solo. De modo que isso é quase um conto de fadas, né? O rei e os plebeus. O cara que rapta a princesa e leva para o alto da torre. E isso, claro, expressado dentro de uma metáfora social. Eu não abri mão porque eu não achei em nenhum outro prédio aquele desnível. Engraçado você citar isso, uma vez que ninguém havia comentado antes.

Menino do Cinco concorre esse ano ao prêmio de Melhor Curta na oitava edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema. Após passar por festivais em outros Estados brasileiros, como você se sente concorrendo em sua cidade?

Esse ano, eu acho que o Panorama conseguiu se firmar como um dos festivais mais interessantes do Brasil. Primeiro pela curadoria do festival, que é superselecionada. O importante aqui não é o diretor ou o glamour, mas, sim, o filme. Nós estamos aqui para ver filmes. Isso é importante. E isso acaba faltando em outros lugares do Brasil. Eu costumo brincar com o Wallace dizendo que não são os grandes festivais que estão em crise, mas, sim, os pequenos que já estão nascendo mais maduros. Nós temos aqui em Salvador o Panorama, em BH, o Festival Internacional de Curtas, que já está na 14ª edição, em Recife, o Janela Internacional de Cinema, que já está na quinta edição. Esses são festivais que apostam em outro cinema e em outra maneira de se fazer festivais. Aqui, você tem um espaço de relação que é muito importante. Em outros lugares, a questão é centrada mais na competição. Eu até acho a competição bacana, afinal, é um incentivo para quem ganha. Mas não é o foco da coisa. O importante é a discussão de cinema que esse evento gera. Fico feliz por estar participando.

Você já tem projetos de novos trabalhos?

No momento, eu estou ocupado com um argumento de um longa metragem. Eu quero ver se eu consigo captar para o ano que vem e me dedicar a escrever esse roteiro. O tempo é escasso porque a produtora na qual eu e Wallace trabalhamos (a Vogal Imagem) vai rodar um curta agora no início de 2013, o Carranca, que é um roteiro cujo primeiro tratamento é do Wallace. Nesse trabalho, nós invertemos. O Menino do Cinco fui eu quem propôs e agora esse novo surgiu de uma ideia dele. Então, os planos são esses. O desenvolvimento do roteiro para um longa, um novo curta com Emanuel e Thomas e a produção de Carranca. Essa falta de tempo me preocupa um pouco uma vez que eu gosto de me dedicar 100% aos roteiros que escrevo no sentido de alcançar uma profundidade na criação. Planos a longo prazo, claro. 


Panorama 2012 - O Que se Move


(Brasil, 2012) Direção: Caetano Gotardo. Com Cida Moreira, Wandré Gouveia, Ane Rodrigues, Marina Corazza, Andrea Marquee, Rômulo Braga.



Por João Paulo Barreto

Ao assistir a O Que se Move, filme de Caetano Gotardo, um pensamento recorrente me vinha à mente. A ideia de que a dor de perder um filho pode ser considerada a mais excruciante de todas. Algo tão inimaginável que chega ao ponto de não possuir palavra que defina um pai ou mãe que tenha passado por isso. Enquanto a película progredia em dolorosos minutos e atuações brilhantes que permitiam ao espectador partilhar de todo aquele sentimento, uma lembrança de um texto da série A Sete Palmos me ocorreu. Acontece quando dois personagens conversam sobre o fato de que não há adjetivo que classifique pais que perderam algum filho. Filhos, quando perdem os pais, são órfãos; mas e quando a situação se inverte? Na série, o personagem diz achar que essa deve ser uma dor tão grande que não há palavra que a defina.

É justamente a análise dessa dor que Gotardo se propõe a fazer em seu longa de estreia. A imobilidade emocional, a tristeza que acompanhará aquelas pessoas para sempre, a vontade de tentar mudar algum detalhe ínfimo que impedisse que aquela tragédia acontecesse. Todos os “se” que bombardeiam a mente na tentativa de evitar que aquele acontecimento viesse à tona. Tudo em vão. A perda é impossível de se evitar. O que resta é tentar viver com aquele peso, é tentar conceber tamanha desgraça e se equilibrar com aquilo durante os longos anos que se seguirão.

A dor de uma perda sem sentido é trazida em forma de canção 
No filme, três histórias são contadas. A primeira envolve um adolescente no seu último dia de férias e as conversas que tem com uma amiga no parque e com os pais em casa. Uma relação palpável de carinho envolve aquela família. A mãe, que dá aulas no mesmo colégio onde estuda o filho, é de uma paciência tenra e atenção única para com o jovem. Gotardo desenha essa relação de um modo doce, mas sem pieguice. O jovem demonstra seu amor pela mãe de forma natural. A conversa dos dois não parece ser um papo entre mãe e filho, mas, sim, entre dois amigos. Curioso como o roteiro não cede à tentação de desenhar o rapaz como um jovem revoltado ou sempre disposto a brigar com os pais. É uma relação saudável. O garoto, porém, esconde algo que mudará a vida de todos.

Na segunda, a mais pesada emocionalmente, envolve um jovem casal pais de um bebê. Nesse episódio, o roteiro de Gotardo enquadra o sentimento de afeto dos pais. A conversa entre duas mães amigas sobre futuros planos de viagens e a esperanças que os seus filhos cresçam e se tornem amigos é vista pelo espectador com o quadro sempre voltado para a criança presente em cena. Ao final desse episódio, quando o marido de uma delas percebe a razão para seu mau estar emocional e tragédia que ele parecia prever (“Estou me sentindo mau e não sei a razão. Uma tristeza, uma dor no peito”), entendemos a razão desse longo quadro estático na criança. O choque de sabermos o que acontece com uma delas é muito maior quando lembramos do cativante rostinho daquele ser inocente que nada sofreu ou sofrerá em sua infância. O diretor nos poupa do choque da tragédia que a imagem vista pelo pai no banco de trás de um carro nos fazendo apenas imaginá-la. Sutileza impar, mas não menos impactante.

A mais impactante das histórias: a perda e a percepção do "se"
Por último, o reencontro de um filho perdido 16 anos antes e a dor que nunca cessou, mas que precisa ser revisitada. Em um reencontro dos pais que tiverem seu rebento roubado ainda bebê, o absurdo de ver aquele momento acontecer em um almoço de churrascaria. A mãe que contava os dias desde a última vez que o viu. A necessidade de chamá-lo por outro nome e não o que ela escolheu para batizá-lo. E, por fim, a percepção de que é tarde demais. De que está diante de um estranho.

Em tamanha e absurda dor, Caetano Gotardo opta não pelo diálogo expositivo, mas, sim, por uma forma musical de representar o sentimento de perda daqueles pais órfãos. Sim, como disse no começo desse texto, não há adjetivo capaz de classificar aquelas pessoas que terão que conviver diariamente com a tristeza. A solução é chamá-los de órfãos na esperança que uma dor semelhante sirva para definir a que eles sentem.

Em vão, creio. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Gonzaga - De pai pra filho


(Brasil, 2012) Direção: Breno Silveira. Com Chambinho do Acordeon, Land Vieira, Adélio Lima, Julio Andrade, Cyria Coentro, Cláudio Jaborandy, Giancarlo di Tomazzio, Nanda Costa, Silvia Buarque, Zezé Mota, João Miguel.


Por João Paulo Barreto

Ao transformar a história de Luiz Gonzaga em filme, o diretor Breno Silveira sabia o desafio que tinha pela frente. Afinal, o monumento da cultura nordestina apelidado de “Rei do Baião”, é uma das figuras mais icônicas da música popular brasileira e uma fonte quase inesgotável de histórias e “causos” que permearam seus quase oitenta anos de vida. Ao optar pelo enquadramento dramático na conturbada relação de Gonzaga e seu filho, o cantor e compositor Gonzaguinha, Silveira acerta, uma vez que esse viés permite que o filme fuja da simples estrutura documental, inserindo, assim, uma carga dramática das mais eficientes
.
Mesmo optando por esse enquadramento, o roteiro de Patrícia Andrade (que já havia trabalhado com o diretor nos seus três filmes anteriores) não foge da estrutura cronológica, que traz, apesar dos flashbacks, uma forma didática de apresentar a vida do autor de Asa Branca. Então, logo nas primeiras cenas, já encontramos o idoso Gonzaga (Adelio Lima), que recebe em Exu, sua cidade natal, o amargurado filho Gonzaguinha (impressionante atuação de Julio Andrade) que busca convencer o pai a entrar em turnê novamente para, assim, melhorar as finanças. É, também, uma forma que seu primogênito tem de se aproximar para que possa, finalmente, conhecer aquele a quem chama de pai.

Julio Andrade como Gonzaguinha: semelhança impressionante
Gonzaga – De pai pra Filho, pode ser considerado, desse modo, um drama familiar dos mais eficientes. O modo lento como a relação entre aqueles dois estranhos é apresentada nos ajuda a compreender as razões para as diferenças entre eles. Compreender e nos identificar. Desde suas raízes familiares, a relação estreita com o pai Januário (Cláudio Jaborandy), de quem herdou o ofício de sanfoneiro, ou com a rígida mãe Santana (Cyria Coentro), cuja relação com os filhos oscilava entre o amor incondicional e a necessidade de manter uma criação severa, o que vemos aqui é um homem inquieto. Alguém que está disposto a arriscar a própria vida pelo que acha certo. Sendo assim, não é com surpresa que o vemos desafiar o coronel por cuja filha se apaixona, ou assumir no futuro a paternidade de uma criança que, provavelmente, não gerou. O Luiz Gonzaga visto aqui é um homem cujos princípios se confundem com seus ímpetos.

A partir das fitas com entrevistas feitas entre pai e filho, o roteiro de Andrade cria uma sensível relação entre aqueles dois homens. Nesse ponto, Gonzaga ­– De pai pra filho consegue aprofundar de modo envolvente aquele embate de personalidades. Porém, é perceptível a fragilidade do texto no que tange ao desenvolvimento da trajetória de vida pessoal e profissional de Luiz Gonzaga. O filme não se propõe a contar toda a vida dele, claro, algo que não seria possível por conta do tempo de projeção. No entanto, alguns momentos como o artifício clichê da tosse com sangue para indicar a doença de alguém denunciam certa fragilidade do texto. Além disso, pontos marcantes da vida de Luiz, como o acidente de carro ou o seu flerte com os militares durante a ditadura passam quase despercebidos, como se o roteiro os inserisse apenas para constar.

Gonzaguinha entrevista o Rei: resgate da memória e do amor pelo pai
Inegavelmente, esse é um filme de atuações. O trio de atores que interpreta as diferentes fases do sanfoneiro impressiona pela transição quase imperceptível. O já citado Julio Andrade apresenta um trabalho impressionante de recriação de Gonzaguinha. Sua postura, seu tom de voz, tudo remete ao filho de Luiz Gonzaga. Cyria Coentro traz em seu olhar uma doçura e amor materno que entra em conflito com a dureza que o sertão lhe impõe. A cena em que ela e Land Vieira, o jovem Luiz, entram em conflito, é uma das mais belas do filme justamente por percebermos a dor de Santana em punir seu filho por não querer vê-lo morto.

As canções, sim, são o ponto alto do longa. Com a inserção de imagens e áudio originais durante a projeção, Silveira cria uma estrutura documental que dá vazão à grandeza daqueles artistas. Quando ouvimos e vemos Chambinho do Acordeon cantando na fachada da Cine Pax, no Rio, com todo o povo gritando o nome de Luiz Gonzaga, lá está o Rei do Baião. É como se lá víssemos, realmente, aquele sorriso largo do Rei. Aquela simpatia e carisma que espelha o nordeste. E as imagens reais do homem indo de encontro ao excelente trabalho de atuação de de Land Vieira, Chambinho do Acordeon e Adélio Lima dão a real dimensão da grandeza desse artista.

Gonzagão é o nordeste. Sem tirar nem por.