sábado, 24 de maio de 2014

X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

(X-Men: Days of Future Past) Direção: Bryan Singer. Com Hugh Jackman, James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Ian McKellen, Patrick Stewart, Halle Berry.


Por João Paulo Barreto

Dentro de um clima soturno, caótico e desesperador, X-Men – Dias de um Futuro Esquecido diz a que veio já em seus minutos iniciais, quando vemos todos os mutantes remanescentes de um universo pós-apocalíptico morrerem de forma hedionda nas mãos dos sentinelas, máquinas humanoides criadas para identificá-los e exterminá-los. Ok, eu sei que soou estranho. Mas, não se preocupe. Isso não é um spoiler.

Nesse quinto filme centrado na equipe mutante, o diretor Bryan Singer retorna ao posto que comandou muito bem nos dois primeiros longas dos heróis e se apresenta como uma grata surpresa ao conseguir superar todos exemplares da franquia. Mais uma vez focando sua premissa na mensagem principal proposta pelo grupo da Marvel Comics (o preconceito, o medo daquilo que é diferente e a consequente guerra entre mutantes e humanos), o roteiro de Simon Kinberg, que já havia escrito o terceiro filme, acerta ao se aprofundar nesta questão de forma mais dramática e violenta.

Justamente por poder contar com a vantagem de ter sua base na viagem do tempo, o roteiro de Dias de um Futuro Esquecido toma liberdades de criação e modificações claramente inseridas para que uma nova franquia dos X-Men possa ser estabelecida para a geração atual (pois é, já faz quatorze anos desde o primeiro filme). Sendo assim, quando a mente de Logan (Hugh Jackman, provando ser sempre capaz de voltar a Wolverine sem ficar preso ao personagem), retorna ao passado para impedir que Mistica (Jennifer Lawrence) assassine o criador dos sentinelas, Dr. Bolivar Trask (Peter Dinklage), evento que os levaria para a era pós-apocalíptica citada, toda a trama terá como propósito a criação de uma nova base no universo cinematográfico mutante.

Bolivar Trask (Peter Dinklage): visionário cientista anti-mutantes 
Na busca por cumprir sua missão, Logan precisa convencer o jovem e desiludido Professor Xavier (James McAvoy) a acreditar que foi enviado por sua versão do futuro e a ajudá-lo na libertação do jovem Magneto (Michael Fassbender). Utilizando pouco os personagens mais velhos interpretados por Patrick Stewart e Ian McKellen, e focando sua ação em suas versões jovens (já nos avisando de quem será a nova franquia), o longa relega todos os acontecimentos no futuro apocalíptico a um óbvio segundo plano. A ideia é fazer os espectadores se habituarem às imagens de Fassbender e McAvoy nos papéis.

A vantagem disto é que a trama que se passa nos anos 1970 flui muito bem, apesar de ter as questões suscitadas pelo tema viagem no tempo a todo tempo (!!) levantadas pelos mais atentos. Mas com uma reconstrução de época impecável e uma liberdade de utilização da História muito bem aproveitada (a inserção de Richard Nixon é uma ótima continuidade à trama da Baía dos Porcos utilizada em First Class), este exemplar mutante se torna um interessante exercício de adaptação do roteiro a fatos e personagens reais. Além, claro, de brincar com uma época onde a liberdade de expressão andava mais em voga, refletindo nas roupas e nas atitudes. O momento em que um Xavier de cabelos longos pergunta se Logan tomou LSD já paga o filme...

Recriação de época muito bem aplicada nos figurinos dos anos 1970
Inserindo os elementos do universo Marvel para os fãs iniciados nos quadrinhos de forma sutil e hilária (a fala em que o mutante com supervelocidade, Mercúrio, afirma que sua mãe namorou um cara com o mesmo poder de Magneto é única), Dias de um Futuro Esquecido não se mantém exclusivo em suas referências somente aos leitores. Afinal, o próprio Singer assumiu não ser um colecionador de quadrinhos quando foi escalado para dirigir o primeiro filme. Sendo assim, mesmo baseado em uma história das lendas das HQs Chris Claremont e John Byrne, o filme não tenta ser voltado apenas para fãs leitores, mesmo que acabe inserindo personagens sem um desenvolvimento. Dentre eles, o mutante Bishop (Omar Sy), que, junto com alguns pertencentes ao arco do futuro, como Apache e Blink, aparecem em cena quase como figurantes e reconhecíveis somente para os leitores.

Com essa questão de desenvolvimento dos personagens à parte, algo que aconteceu, também, no terceiro exemplar da franquia, cabe a Dias de um Futuro Esquecido centrar-se nas excelentes sequências visuais. Nesta, estão incluídas um resgate de Magneto de sua prisão no Pentágono até a utilização de todo um anel superior de um estádio como campo de proteção em um atentado contra políticos (uma boa solução para os elefantes brancos que nossa copa vai deixar. Divago...).

Como leitor de quadrinhos, preciso dizer que a inserção dos sentinelas (já vislumbrados em O Confronto Final), foi um momento de regozijo. Não somente pela precisa liberdade de adaptação que o filme toma no que se refere à suas habilidades (o modo como os futuristas se adéquam aos poderes mutantes é impressionante), mas, também, por criar uma rima visual interessante quando os comparamos em suas versões protótipo, semelhantes aos dos quadrinhos, àquelas em ação no futuro. Sem contar o fato de que, em termos de violência, o avanço apresentado aqui é imenso. Empalações e decapitações em filme para adolescente ver? Hummm, ok. Aprovado.

Violência bem enquadrada: Sentinelas mostrando a que vieram
Não somente no que tange aos caçadores de mutantes, o filme tem um cuidado singular na recriação tecnológica, comparando as duas épocas em que se passa. Os monitores e câmeras de vigilância retro do Pentágono em comparação com os equipamentos vistos no futuro criam um equilíbrio pertinente na reconstrução de época. O único choque neste sentido está em ver uma tecnologia muito mais avançada no porão da Mansão X, mas isso é aquilo que talvez possamos chamar de liberdade criativa e suspensão da descrença.

Fica a torcida para que a mesma liberdade criativa que foi aplicada na recriação de um universo que levou três filmes para ser inserido funcione nos novos exemplares. Observando o fato de que cena final envolvendo o resgate de Logan derruba por terra todo o desenvolvimento visto em X2, é perceptível a abertura de possibilidades de vermos, finalmente, uma adaptação real do arco Arma X, e não aquele desastre que Wolverine Origens tentou nos enfiar goela abaixo.

Além disso, com o título Apocalypse já apresentado para um novo filme e a cena pós-créditos deste confirmando isso, o universo mutante no cinema tem tudo para manter uma expansão positiva para agradar leitores de quadrinhos e não iniciados.

E não é disso que a proposta dos X-Men trata? Equilíbrio pacífico entre as partes? Como diria um dos criadores dos mutantes, Excelsior! 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Era uma vez em Tóquio

(Tôkyô monogatari, Japão, 1953) Direção: Yasujirô Ozu. Com Chishû Ryû, Chieko Higashiyama, Setsuko Hara, Haruko Sugimura.



Por João Paulo Barreto

Era uma vez em Tóquio, notório trabalho do cineasta japonês Yasujirô Ozu, traz exposto em cada frame a marca de um cineasta que propôs em toda sua filmografia uma discussão acerca de dramas familiares e a observação do cotidiano humano como algo bem mais complexo do que um simples olhar pode captar.

O cinema de Ozu pede uma observação mais aguçada e atenta para detalhes presentes na natureza do convívio familiar. São sutilezas ilustradas em histórias que transparecem simplicidades. Seus dramas, porém, são bem mais profundos do que aparentam a cordialidade e os sorrisos de seus personagens. Em Era uma vez em Tóquio, o que vemos é a necessidade de adaptação e equilíbrio mútuo entre gerações separadas não somente pela distância geográfica, mas, também, por elos emocionais que parecem perdidos.

Na história, os pais idosos Shukishi e Tomi Hirayama viajam para Tóquio em visita aos filhos que lá vivem. Deixam o bucolismo do interior do Japão na expectativa de conhecer em Tóquio toda a ideia de metrópole industrializada que têm em mente. A ilustração dessa diferença de ares é inserida por Ozu com a passagem de chaminés em uma fábrica, o que contrasta diretamente com o que o casal está habituado em sua rotina no interior.

Sorrisos a esconder a melancolia de uma velhice solitária 
A partir do reencontro, começa um cuidadoso estudo dos personagens. As impressões iniciais que os idosos tinham da metrópole não se cumprem com as suas expectativas ao perceber que os filhos vivem na periferia campestre da cidade. A expectativa frustrada do pai ao perceber que seu filho, apesar de médico, não goza do prestigio imaginado pelo senhor quanto a tal cobiçada profissão só é abertamente demonstrada após o incentivo da coragem liquida contida no saquê.  

Os netos, um tanto avessos socialmente, parecem indiferentes à presença dos avós na casa. Em certo momento, a matriarca busca uma aproximação do garoto mais jovem. O mesmo parece ignorar as palavras que lhe são direcionadas. Esta, por sinal, é uma das primeiras cenas onde a aparência sempre cortês e sorridente da senhora cede espaço à melancolia ao admitir que não tem esperança de estar presente quando o neto estiver crescido e formado em medicina. São pessoas que vivem escondendo suas dores. Que parecem não se sentir confortáveis em compartilhar sentimentos e vivem presas à introspecção.    

Os filhos do casal Hirayama vivem em suas rotinas e tentam se adaptar à presença dos pais da melhor forma possível. Preocupados em tornar confortável a estadia dos dois, erram ao enviá-los para um período nas termas da cidade, local que, repleto de jovens e música, contrasta com a necessidade de sossego e silêncio dos pais. Mais um momento onde se percebe a inadaptação dos dois ao ritmo de vida fora do lugar onde moram.

A nora, mais que uma filha após morte do marido oito anos antes, ainda não superou a perda e não atende aos pedidos dos sogros para que se case novamente. Esta personagem, diga-se de passagem, representa um dos mais belos elos da história, demonstrando que os laços afetivos do universo de Ozu não estão restritos apenas a ligações consanguíneas. O modo como o casal, em prol da felicidade que a nora merece, parece abdicar da dor e do luto pela morte do filho oito anos antes, encanta em sua simplicidade. Um simples “arigato” ganha um significado imenso pelo ato simples, mas gigantesco que o gerou.   

Enquadramentos estáticos e mise en scène exata 
Em uma obra que prima por um estudo das relações familiares acerca da adaptação das pessoas à perda de seus entes, Era uma vez em Tóquio traz um leque de personagens que, presos a uma tradição que parece não permitir a falta de discrição no demonstrar de emoções, acabam, por isso, se entregando a elas de um modo bem mais doloroso.      

 Com seus quadros estáticos a simbolizar a rotina aparentemente imutável dos seus personagens e o modo como a mise en scène parece milimetricamente exata, o longa traz uma serenidade precisa em sua montagem, jamais deixando que os dramas das pessoas que habitam aquela história transpareçam no modo como Ozu optou por registrá-la. É quase como se o espectador fosse um voyeur naqueles ambientes.

As rimas visuais são precisas, justificando as repetições de enquadramentos de uma forma que a ausência de certo personagem ao final é sentida de modo ainda mais doloroso.

Rima visual: Ozu cria na repetição de quadros um impacto doloroso
Exibido em vinte de maio de 2014, na segunda sessão do Cineclube Glauber Rocha, o filme era observado em um silêncio contagiante pela platéia. As cenas, quase que em sua totalidade ausentes de trilha sonora, tinham suas falas naquele idioma musical e contagiante que ecoava na sala 1 do Espaço Itaú de Cinema de forma triste, mas belíssima.

Após a sessão, o amigo Rafael Carvalho, crítico de cinema do Moviola Digital e do site Coisa de Cinema, nos apresentou uma elucidativa palestra sobre o cinema de Yasujirô Ozu, contribuindo para o melhor entendimento daquela complexa gama de sentimentos.  

Uma noite memorável.

Rafael Carvalho durante o papo pós filme. Foto: Lara Carvalho



segunda-feira, 19 de maio de 2014

Olho Nu

(Brasil, 2014) Direção: Joel Pizzini. Com Ney Matogrosso.



Por João Paulo Barreto

A importância de um artista como Ney Matogrosso em dias de hipócritas padrões ditos corretos em nossa sociedade é imensurável. Olho Nu, documentário impar dirigido por Joel Pizzini acerta ao focar a relação do cantor em seu peso de contestação na música brasileira. Quando Ney afirma que teve sorte ao ter sido filho de um pai militar, pois essa seria sua primeira transgressão, todo o entendimento de sua função como músico nos é preenchido. É percebendo essa atitude transgressora em um Brasil refém de lambe-botas homofóbicos que se nota sua importância.

Voltando no tempo 43 anos, vemos aquele homem magro, esbelto, com voz singular, pintura pesada no rosto e collant a rebolar enquanto executa sua performance musical em um palco. 1971 era o ano. Militares estupram o país com atos institucionais. A censura tenta de todas as formas nos cegar. Esse é o cenário onde a subversão não era tolerada e muito menos uma postura como a daquele homem.  Com suas apresentações, solo ou com os Secos e Molhados, Ney Matogrosso permitia que se percebesse que não era necessário se render aos ditos padrões corretos de comportamento. Como ele mesmo afirma hoje, no auge dos seus dignos setenta anos de idade, transgredir era seu lema.

Ney aos setenta: a plena  maturidade de um artista
Pizzini traz para Olho Nu uma estrutura diferenciada de documentário. Não se rende ao modo fácil de cabeças falantes em entrevistas e mais entrevistas para preencher o pouco mais de 100 minutos da obra. De modo dinâmico, prefere apresentar seu objeto de estudo através do modo deste se refugiar hoje, ao curtir sua terceira idade, recluso, no silêncio da casa de campo. Inserindo a voz over do próprio Ney, contando suas experiências de vida através de palavras e em imagens de arquivo, o longa cria um ritmo que se justapõe ao equilíbrio de sua afinação, fazendo o espectador flutuar enquanto é conduzido por aquela trajetória de vida.

Os depoimentos de Ney são quase que exclusivamente retirados de imagens de arquivo. Suas opiniões permanecem atuais, mesmo tendo sido ditas há 40 ou 30 anos. Quando o próprio cantor afirma não mais ter alguma daquelas opiniões, o faz salientando uma possível ingenuidade que somente os anos de estrada lhe foram capazes de equilibrar com a maturidade. Deste modo, Olho Nu é como um acertar de contas, um ensaio, no qual Ney procura quase que exorcizar seus fantasmas, por mais clichê que tal colocação possa parecer. É um reencontro. Um fazer de pazes entre o jovem e o maduro Matogrosso. O rapaz de sorriso fácil que parece ter se transformado no idoso de feições duras, marcadas por anos não apenas de sorrisos, sucessos e abraços, mas de muita dor.

Secos e Molhados: artistas que sabem a que vieram 


A dor de uma vida na qual ele mesmo se considera sobrevivente também é apresentada. Ao se autodeclarar assim, Ney fala a respeito do período em que chegou a ir ao cemitério três vezes por semana, quando a AIDS ainda era uma incógnita e as pessoas morriam sem pouca ou nenhuma esperança. Nas imagens de arquivo, sorrisos de um Cazuza que não conseguiu escapar daquela epidemia entristece quem assiste. E a dura reflexão de Matogrosso ao afirmar que não duvida que aquele vírus possa ter sido criado de modo proposital encontra sua justificativa na pertinente comparação com a loucura da bomba atômica. E, claro, a cena é brindada com Rosa de Hiroshima, em sua icônica apresentação com os Secos e Molhados.

Olho Nu tem em seu título justamente a intenção de seu mérito principal: aquele que busca tornar aquele artista facilmente discernível, mas que, por ainda mantê-lo como um segredo em suas próprias dores e idiossincrasias, deixa apenas ao espectador a conclusão de quem é aquele homem.

E qual seria a graça se todas as respostas nos fossem dadas, não é mesmo?


sexta-feira, 16 de maio de 2014

Mostra Ermanno Olmi - CAIXA Cultural Rio de Janeiro

Acontece na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, a partir de terça-feira, dia 20, a Mostra Ermanno Olmi. Dedicada ao trabalho do experiente diretor italiano, o evento vai até o dia 1º de junho e conta com 12 filmes do cineasta, além de debates acerca de sua obra.

Segue abaixo informações acerca do evento, divulgadas através de release.

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Mostra Ermanno Olmi

Panorama com 12 filmes do diretor italiano e debate sobre sua obra



A CAIXA Cultural Rio de Janeiro apresenta, de 20 de maio a 1º de junho, a mostra “O Cinema de Ermanno Olmi”, que exibirá 12 produções do veterano diretor italiano, incluindo os principais filmes de sua carreira: O Posto, A Árvore dos Tamancos (Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1978) e A Lenda do Santo Beberrão (Leão de Ouro no Festival de Veneza, em 1988). A programação da mostra inclui, ainda, um documentário feito por alunos da escola de cinema fundada pelo cineasta e um debate, no dia 24 (sábado), sobre sua filmografia diretamente influenciada pelo neorrealismo.

Entre as raridades que a mostra trará, está uma versão em película, restaurada pela Cinemateca de Bolonha, do primeiro longa-metragem do realizador, O Tempo Parou (Il tempo si è fermato, 1959). Este longa reúne algumas das características marcantes que acompanham a longa carreira de Ermanno: o trabalho com atores não profissionais; as locações no norte da Itália (onde Olmi nasceu e vive até hoje); o flerte com a linguagem documental ao retratar o cotidiano de seus personagens; e o interesse em filmar pessoas simples.

Também em cópias restauradas, serão exibidos O Posto (Il Posto, 1961), frequentemente citado como obra maior da filmografia italiana de todos os tempos e Os Escavadores (Il Recuperanti, 1969). Também figura como destaque na carreira do cineasta, A Árvore dos Tamancos (L’albero degli zuccoli, 1978).

Além dos títulos já mencionados, “O Cinema de Ermanno Olmi” exibirá os longas Cammina Cammina (1963), Os noivos (I fidanzati, 1963), A Circunstância (La Circostanza, 1974), O segredo do bosque velho (Il segreto del bosco vecchio, 1993), O mestre das armas (Il mestiere dele armi, 2001) e Terra Mãe (Terra madre, 2009). Este último, realizado em parceria com o movimento Slow Food, é um documentário sobre as edições de 2006 e 2008 do Fórum Internacional Terra Madre, evento bienal que reúne em Turim milhares de agricultores em vistas de promover uma cadeia alimentar mais sustentável.

O panorama da mostra também exibirá o documentário Osolemio (2004), desenvolvido por alunos do grupo ipotesICinema, escola de cinema criada por Olmi em 1982.

Debate

No dia 24 de maio (sábado), será realizado um debate com a presença de Hernani Heffner, conservador-chefe da Cinemateca do MAM, e de Luís Alberto Rocha Melo, cineasta e professor adjunto do Curso de Cinema e Audiovisual do Instituto de Artes e Design da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).

Programação
:

20/05/2014 – terça-feira

17h – O Tempo parou (Il Tempo si è fermato, 1958, P&B, 90’, 35mm, 16 anos)

19h – O Posto (Il Posto, 1961, P&B, 105’, 35mm, 16 anos)


21/05/2014 – quarta-feira

17h – Os Recuperadores (I Recuperanti, 1969, cor, 98’, 35mm, 16 anos)

19h - A Circunstância (La Circostanza, 1974, P&B, 92’, 35mm, 16 anos)


22/05/2014 – quinta-feira

17h – Terra mãe (Terra madre, 2009, cor, 79’, 35mm, 16 anos)

19h – O Mestre das armas (Il Mestiere delle armi, 2001, cor, 105’, 35mm, 16 anos)



23/05/2014 – sexta-feira

15h30– A Árvore dos tamancos (L'Albero degli zoccoli, 1978, cor, 176’, 35mm, 16 anos)

18h45 - La Cotta (1967, P&B, 49’, DVD, 16 anos) + Os noivos (I Fidanzati, 1962, P&B, 77’, 35mm, 16 anos)


24/05/2014 – sábado

14h30 – A Lenda do santo beberrão (La leggenda del santo bevitore, 1988, cor, 134’, 35mm, 16 anos)

17h – O Posto(Il posto, 1961, P&B, 105’, 35mm, 16 anos)

19h – Debate sobre a obra de Ermanno Olmi com os pesquisadores Hernani Heffner e Luiz Alberto Rocha Melo


25/05/2014 – domingo

13h30 – A Circunstância (La Circostanza, 1974, P&B, 92’, 35mm, 16 anos)

15h30 – Cammina cammina (1983, cor, 175’, 35mm, 16 anos)

18h45 – O Segredo do bosque velho (Il Segreto del bosco vecchio, 1993, cor, 134’, 35mm, 16 anos)


27/05/2014 – terça-feira

17h – Terra mãe (Terra madre, 2009, cor, 79’, 35mm, 16 anos)

19h – Os Recuperadores (I Recuperanti, 1969, cor, 98’, 35mm, 16 anos)


28/05/2014 – quarta-feira

15h30 – A Árvore dos tamancos (L'Albero degli zoccoli, 1978, cor, 176’, 35mm, 16 anos)

18h45 – A Lenda do santo beberrão (La leggenda del santo bevitore, 1988, cor, 134’, 35mm, 16 anos)


29/05/2014 – quinta-feira

14h – Osolemio (2004, cor, 53’, DVD, 16 anos)

15h – O Segredo do bosque velho (Il Segreto del bosco vecchio, 1993, cor, 134’, 35mm, 16 anos)


30/05/2014 – sexta-feira

15h30 – Cammina cammina (1983, cor, 175’, 35mm, 16 anos)

18h45 – La Cotta (1967, P&B, 49’, DVD, 16 anos) + Os noivos (I Fidanzanti, 1962, P&B, 77’, 35mm, 16 anos)


31/05/2014 – sábado

14h – Os Recuperadores (I Recuperanti, 1969, cor, 98’, 35mm, 16 anos)

16h – Cammina cammina (1983, cor, 175’, 35mm, 16 anos)

19h15 – O Tempo parou (Il Tempo si è fermato, 1958, P&B, 90’, 35mm, 16 anos)


01/06/2014 – domingo

14h – O Mestre das armas (Il Mestiere delle armi, 2001, cor, 105’, 35mm, 16 anos)

16h – O Posto (Il Posto, 1961, P&B, 105’, 35mm, 16 anos)

18h – A Árvore dos tamancos (L'Albero degli zoccoli, 1978, cor,176’, 35mm)


Serviço:


Mostra O cinema de Ermanno Olmi
Data: de 20 de maio a 1º de junho de 2014 (terça-feira a domingo)
Local: CAIXA Cultural Rio de Janeiro – Cinema 1

Endereço: Av. Almirante Barroso, 25, Centro (Metrô: Estação Carioca)

Telefone: (21) 3980-3815

Horário: Consultar programação

Entrada: R$4 (inteira) e R$2 (meia)

Lotação: Cinema 1 – 78 lugares (mais 3 para cadeirantes)

Bilheteria: de terça-feira a domingo, das 10h às 20h

Classificação: 16 anos

Patrocínio: Caixa Econômica Federal e Governo Federal

Acesso para pessoas com deficiência
Sinopses

O Tempo Parou 

(Il tempo si è fermato | P&B | 100’ | Itália | 1959 | Formato de exibição: 35mm/ Prêmio San Giorgio na XX Mostra Internacional de Arte Cinematográfica (Veneza, 1959) - O tempo está parado no topo do monte Adamello; o inverno impede o avanço dos trabalhos de construção de uma barragem. Lá em cima, permanecem apenas dois homens: um velho guarda acostumado ao ríspido cotidiano do local e um estudante recém-chegado.


O Posto

(Il posto | P&B | Ficção | 105’ | Itália | 1961 | Formato de exibição: 35mm) - Dominico procura emprego numa grande empresa de Milão. Porém, para consegui-lo terá que se submeter a diversos testes. Nesse meio tempo, conhece Antonietta, também em busca trabalho na mesma empresa.



Os Noivos

(I fidanzati | P&B | Ficção | 81’ | Itália | 1963 | 35mm) / Prêmio OCIC no XVI Festival de Cannes (1963) - Giovanni, um jovem milanês, consegue um emprego promissor numa indústria na Sicília. Porém, a mudança de cidade provocará também uma alteração dos planos para o futuro, principalmente, no que se refere ao seu noivado.


Os Recuperadores

(I recuperanti | Cor | Ficção | 98’ | Itália | 1970 | 35mm) - 1945, a Grande Guerra recém terminou. No seu retorno pra casa, Gianni se dá conta de que o mundo mudou; não há trabalho e a vida está mais difícil do que nunca. A única maneira de recomeçar é aceitar o emprego oferecido pelo velho Du: recuperar restos de guerra.

A Circunstância

(La circostanza | Cor | Ficção | 92’ | Itália | 1974 |35mm)/ Menção Especial no Festival Internacional de Cinema de San Sebastián (1974) - Laura é uma dona de casa burguesa com três filhos já crescidos e leva uma vida preenchida por amenidades. Um dia, ela testemunha um grave acidente de trânsito envolvendo um jovem e passa a se envolver emocionalmente com sua recuperação.




A Árvore dos tamancos

(L’albero degli zoccoli | Cor | Ficção | 175’ | Itália | 1978 | 35mm)
Palma de Ouro e Prêmio Ecumênico no XXXI Festival de Cannes (1978) - No fim do século XIX, quatro famílias de meeiros vivem numa fazenda localizada no norte da Itália. Um dia, o filho mais jovem de uma das famílias quebra um de seus tamancos voltando da escola. Seu pai decide cortar uma árvore para lhe fazer um novo sapato.



Cammina Cammina

(Cor | Ficção | 165’ | Itália | 1983 | 35mm) - Este filme é uma alegoria identificada ao mito cristão da visita dos três reis magos ao menino Jesus. Um grupo de pessoas, lideradas pelo sacerdote Mel, segue uma estrela com o objetivo de encontrar o Messias.


A Lenda do Santo Beberrão

(La legenda del santo bevitore | Cor | Ficção | 134’ | Itália | 1988 | 35mm) -Leão de Ouro no XLV Festival de Cinema de Veneza (1988), Prêmio OCIC no XLV Festival de Cinema de Veneza (1988). Prêmio de Melhor Direção e Melhor Edição no David di Donatello Awards (1989) - Andreas vive nas ruas de Paris. Um dia, um misterioso homem lhe dá duzentos francos, dinheiro que ele aceita sob a condição de devolvê-lo à igreja onde está guardada a imagem de Santa Teresa. Uma série de percalços, porém, o impedem de cumprir a promessa.


                                            

O Segredo do Bosque Velho

(Il segreto del bosco vecchio | Cor | Ficção | 134’ | Itália | 1993 | 35mm) - O ex-coronel do exército Sebastian Procolo herda a metade de um sítio onde se encontra uma floresta milenar. De mentalidade pragmática e racional, Procolo só pensa em tornar o local rentável, ignorando completamente sua aura mágica.



O Mestre das Armas
(Il mestiere delle armi | Cor | 105’ | Ficção | 2001 | Itália, França, Alemanha | 35mm)/ Prêmio de Melhor Filme e Melhor Direção no David di Donatello Awards 2002 - O filme conta a história de Giovanni delle Bande Nere, um dos últimos condottieri italianos. Aos 28 anos, esse personagem histórico, vivido no século 16, já era considerado uma lenda enquanto estrategista militar.




Terra Mãe
(Terra madre | Cor | 79’ | Documentário | 2009 | Itália | 35mm) - Documentário que percorre as edições de 2006 e 2008 do Fórum Internacional Terra Madre, evento bienal organizado pelo movimento Slow Food e que reúne em Turim, bienalmente, alguns milhares de pessoas.


La Cotta

(P&B | 49’ | Ficção | 1967 | Itália | 35mm) - Produzido para ser exibido no canal de TV Rai, este média-metragem narra a história de iniciação amorosa de Andrea, um jovem de origem operária, que vive o auge de seus 16 anos.


                                          
Osolemio

(Cor | 53’ | Documentário | 2004 | Itália | DVD - Osolemio é o primeiro documentário desenvolvido por alunos do grupoipotesICinema em Bologna, para onde a escola se transferiu em 2002 (vinda de Bassano del Grapa). O filme traz visões sobre a Itália contemporânea segundo o olhar dos jovens realizadores do grupo.




quarta-feira, 14 de maio de 2014

Praia do Futuro

(Brasil/Alemanha, 2013) Direção: Karim Aïnouz. Com Wagner Moura, Clemens Schick, Jesuita Barbosa.


Por João Paulo Barreto

Quando o salva vidas Donato (Wagner Moura) afirma que os prédios não são construídos na Praia do Futuro, em Fortaleza, ele justifica que é pelo fato do salitre no local ser tão violento que acaba destruindo o concreto das construções para comer o aço que tem dentro. Essa afirmação pode perfeitamente ser aplicada ao momento da vida daquele rapaz, cuja tragédia de não ter conseguido salvar um banhista na mesma praia supostamente começa a consumi-lo de forma semelhante ao salitre e o aço nos edifícios.

Ele, no entanto, salva um dos banhistas. Konrad (Clemens Schick, indiferente) é um motociclista profissional alemão em viagem pela América do Sul. Ao perder o amigo para o mar, se envolve com Donato em uma paixão ofegante que os dois parecem usar como válvula de escape para a frustração que vêm sentindo pela tragédia que se abateu sobre eles. O primeiro ato do longa, batizado de “O Abraço do Afogado”, representa essa necessidade de escapar.. Apenas não contam com a ideia de se apaixonar em uma aventura que fará Donato trocar a companhia de seu irmão caçula, Ayrton, sua mãe dependente e o clima tropical do Ceará pelo frio constante da Alemanha ao seguir com Konrad para a Europa.

Donato e Konrad: fuga, carência e inadaptação 
Praia do Futuro, novo trabalho de Karim Aïnouz (Madame Satã e O Céu de Suely), apesar de propor inicialmente a ideia de relacionar o trauma de Donato com sua necessidade de fuga, acaba por não justificar tal atitude do personagem em suas palavras e ações. Com o título do segundo ato, “Um herói partido ao meio”, levando o espectador a crer que o peso da morte em sua consciência representará essa quebra, a forma quase infantil como o protagonista lidará com seus problemas decepciona por não encontrar um reflexo evidente de seu comportamento na perda que sofrera.

Sem se adaptar ao frio europeu, o rapaz parece se esconder em justificativas vazias para permanecer em Berlim, onde apenas a companhia de Konrad lhe serve como âncora. “Eu tenho irmão, tenho mãe pra sustentar, Konrad. Não é só você, não”, ele afirma num momento de fúria explicando uma das suas várias(!) tentativas de voltar ao Brasil. Seu sofrimento não é relacionado com a perda, pelo menos isso não fica claro no roteiro de Felipe Bragança (A Alegria) e do próprio Aïnouz. O que torna suas atitudes desconexas, irresponsáveis e covardes (não por acaso, um dos insultos que houve do próprio Konrad, mas não pelas razões corretas).

Em seus vários ultimatos relacionados à sua volta ao Brasil, anos se passam e sua vida encontra uma rotina que o mantém sem a aparente necessidade de se questionar. A réplica para a afirmação de que não conseguiria viver em uma cidade sem mar acaba por ser encontrada em um emprego de limpador de aquários gigantes, onde parece encontrar um calmante para sua necessidade de ser o tal “aquaman” que o pequeno Ayrton, seu irmão, lhe apelidou anos antes. O modo como o diretor insere esta cena, prima por uma rima brilhante: dentro daquele mundo frio, de idioma estranho onde ele parece nunca se sentir bem-vindo, seu habitat natural é inserido de forma orgânica, tornando possível sua sobrevivência naquele lugar.

Ayrton em sua busca por confrontação e respostas de Donato

Nadar, afinal, sempre foi sua necessidade vital. Sua transformação física, de aparência conservadora condizente tanto com sua profissão de salva-vidas quanto com sua postura insegura, se reflete no título do terceiro ato, “Um fantasma que fala alemão”, já que suas dificuldades com o idioma parecem ter sido deixadas para trás, mas ele ainda parece se esconder atrás de um disfarce, desta vez em barba longa e cabelos desgrenhados. Ao sentir o sol de Berlim no rosto, sorri, curtindo aquele breve momento de calor que o leva de volta ao sol de Fortaleza. A fotografia do filme, inclusive, torna as duas cidades semelhantes em sua aspereza, apesar do tamanho contraste em suas temperaturas.

Mas sua fuga não passará em branco. Seu passado vem a Berlim para cobrar justificativas e a violência com que Ayrton (Jesuíta Barbosa, se firmando como uma gema da nova geração de atores) demonstra ao reencontrá-lo, é o mínimo que se pode esperar de alguém que, apesar de se sentir abandonado, sabe como demonstrar sua dignidade ao dizer que a vida seguiu sem o irmão, que ninguém precisava esperar por ele. E Donato aceita aquela violência sem revidar. Tampouco poderia.

O fantasma que fala alemão
Os tormentos dos personagens de Praia do Futuro são aqueles comuns a muitas pessoas. A inércia de uma vida que parece vazia, sem as perspectivas que a mudança de ares poderá trazer, mas que nem sempre funcionará como a melhor decisão. Wagner Moura consegue trazer para Donato essa urgência. Quando o vemos titubear ao correr em direção ao mar com os colegas de profissão, percebe-se que a sua busca por algo a mais (mesmo que desconhecido) começa a falar mais alto. Sua entrega apenas serve para ratificar a insegurança que a inércia lhe apresenta. E Moura, sem vaidades, se entrega ao papel com a mesma urgência.

Com uma rima temática belíssima, a última cena do filme, onde os personagens se encontram ilhados em um mar inexistente, nos leva ao tempo em que aqueles dois irmãos sorriam em brincadeiras ingênuas e infantis. O perdão se torna inevitável.

Ao final, com a voz de David Bowie afirmando que nós podemos ser heróis por um dia, a impressão que Praia do Futuro nos deixa é a de que o clichê de que não se pode fugir do passado se aplica. E muito bem.

domingo, 11 de maio de 2014

Cineclube Glauber Rocha - Laranja Mecânica


Por João Paulo Barreto

Fotos: Lara Carvalho

Cláudio Marques, um dos curadores e idealizadores do Cine Clube Glauber Rocha, postou em sua página no Facebook que fazia tempo que não via tanta gente esperando o cinema abrir para comprar ingresso no Espaço Itaú de Cinema, na Praça Castro Alves. A última terça-feira, dia 06 de maio, foi, de fato, um dia especial. O público precisava prestigiar. E assim foi. Com menos de duas horas, ingressos esgotados e a certeza de que aquela seria uma noite memorável. Não somente por causa da exibição de Laranja Mecânica, do Stanley Kubrick, mas, também, pela homenagem que seria feita ao saudoso João Carlos Sampaio, crítico de cinema baiano que falecera quatro dias antes. O debate que iria acontecer após a sessão teria sua mediação e, com certeza, seria brilhante com sua participação.

Antes de começar a sessão, dona Antonilda, mãe de João, teceu algumas palavras emocionadas para a plateia na qual muitos não a conheciam, mas tiveram a honra de ler as críticas cinematográficas de seu filho. E dona Antonilda falou bem. Lembrou a paixão de João pelo cinema baiano e nacional. Falou da sua atuação extremamente importante como fomentador de discussões acerca desse cinema. “Meu filho levou 44 anos ao nosso lado e deixou um legado que muitos homens que vivem 100 anos não deixam” , afirmou de forma precisa a professora que nos presenteou João Carlos Sampaio. Dona Antonilda lembrou, também, do amor de João pela sua Aratuípe, cidade onde nascera. O principado de Aratuípe City, como Janjão carinhosamente se referia, ficou órfão da mesma forma como todos os seus amigos e leitores ficaram.

D. Antonilda se emociona ao lembrar de João Carlos Sampaio
E lá começava Laranja Mecânica, com as cores primárias explodindo na tela da sala 1 do Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha, o mesmo local onde outro Cine Clube, este organizado pelo mestre Walter da Silveira, quando o cinema ainda se chamava O Guarani, ajudou a criar uma geração de cinéfilos, cineastas e intelectuais na segunda metade do século passado. Ver os cílios postiços do Alex de Malcolm McDowell em toda a sua magnitude, na cópia digital 2K, restaurada e aquele som acachapante foi demais para o cinéfilo aqui. Naquele momento, olhei para o amigo Rafael Carvalho, sentado ao lado,  e vi que  ele tinha o mesmo sorriso no rosto. Como não se sentir contagiado? Após a mostra Alfred Hitchcock no Panorama Internacional Coisa de Cinema 2013, a cinefilia baiana tinha sua paixão pela sétima arte mais uma vez retribuída.

Sala lotada: os curadores Cláudio Marques e Marília Hughes apresentam o evento
O filme, mais atual do que nunca em uma Salvador ultraviolenta, como lembrou Cláudio em seu texto de apresentação, teve aquele frescor que, mesmo após as várias vezes assistido em VHS e DVD, parecia algo inédito. O contra luz de Kubrick em suas cenas de espancamento, as semelhanças de takes com O Iluminado, outra obra-prima que o diretor realizaria nove anos depois (o enquadramento no rosto de Alex durante seu “transe beethoveniano” nos fazendo lembrar do transe do garoto Danny Torrance; o contre plongée do escritor paralítico ao reconhecer a música de Alex remetendo ao do escritor vivido por Jack Nicholson quando este é preso na dispensa do Hotel Overlook), enfim, tudo era motivo para fazer sorrisos brotarem de modo surpreendentemente recompensador.

Fila de acesso à sala 1: público comparecendo em peso
Uma noite para se lembrar e ansiar pelas próximas já agendadas:  dia 20 de maio, com Era uma vez em Tokio (1972), do cineasta japonês Yasujiro Ozu, e dia 03 de junho, com Hiroshima, Meu Amor (1959), do cineasta francês Alain Resnais. De um total de 20 sessões quinzenais já programadas, com essas três iniciais, o Cineclube Glauber Rocha já se firma como uma das melhores notícias que a cinefilia da castigada soteropolis poderia ter recebido. Meu muito obrigado a Cláudio Marques, Marília Hughes, Taís Bichara e Lara Carvalho pela idealização e execução deste evento imprescindível.  

terça-feira, 6 de maio de 2014

Faustão

(Brasil, 1971) Direção: Eduardo Coutinho. Com Eliezer Gomes, Jorge Gomes, Anecy Rocha, Gracinda Freire.



Por João Paulo Barreto

Em Faustão, exemplo singular de sua carreira pré-documentarista, Eduardo Coutinho já demonstrava um talento próprio pra destrinchar a natureza humana que seus personagens (reais e fictícios) poderiam esconder embaixo de uma superfície dura, fechada, que poderia, aparentemente, ser difícil de penetrar.

Do mesmo modo como em seus documentários, o compartilhar das dores e reflexões intrínsecas ao homem é o grande mote deste faroeste que conta a história do cangaceiro Faustino Guabiraba, assassino com trejeitos irônicos de um Robin Hood da caatinga. Ao salvar a vida do filho do coronel que havia jurado sua morte, Faustino exige um resgate para libertá-lo, mas não conta com o fato de que o jovem Henrique (ou Riquinho, como ele o chama, em uma clara alfinetada) se envolverá com o cangaço, desenvolvendo uma espécie de Crise de Estocolmo e passando a gostar de seu novo universo.  

Momento em que opta por salvar a vida de Henrique
Faustão é o símbolo de uma resistência que já se demonstra desde a cor de sua pele. “Tem que respeitar as profissões desse sertão. Fazer vida, fazer cangaço. Tem que respeitar”, diz ele durante uma conversa com uma prostituta, outro símbolo dessa mesma resistência. É um anti-herói que, apesar de assassino, segue um código moral pleno. Demonstra em suas atitudes e discursos uma serenidade que contrasta diretamente com seu modo explosivo. Leva consigo uma ideia de sobrevivência que lhe serve como um dos pilares de sua rotina, mantendo sempre a fé como o outro. No entanto, ao se encontrar com um padre, não titubeia em demonstra-lhe todo o desprezo, mas não deixa para trás os supostos ensinamentos que a fé daquele homem de batina tenta lhe passar. Mas deixa bem claro que a lei da caatinga é a sua própria lei, como quando solta os presos de uma cadeia colocando os policiais (ou macacos, como ele chama) nas celas.

Ao receber dinheiro do dono de uma mercearia, convoca o povo do vilarejo a retirar a comida do estabelecimento sob o pretexto que o proprietário do lugar está cansado de esperar perdão do céu pelos seus atos e quer fazer uma caridade. Na relação entre refém e sequestrador, acaba por surgir certa admiração mútua. No entanto, é algo que sabemos por essência que não poderá terminar bem. Ao testemunhar a vida de Faustão, a conclusão que vem à mente é a de que, produto do meio onde nasceu e consciente da própria desgraça, este homem flertava com a barbárie, mas mantinha em si um rígido conceito de moral.
Ironia mordaz: Faustino em um de seus momentos de esperteza
A mais marcante de suas muitas reflexões sobre a vida está naquela que cede a uma de suas mulheres que lhe pede para gerar um filho dele. “Milha flor, essa vida não deixa. Cada dia num lugar, polícia atrás. Depois que me matam, ainda vão buscar os filhos, os pais. Um despotismo da desgraça. E se escapar, ainda tem a seca. E se Deus der a benção, o barrigudinho cresce para ser trabalhador triste de sola sol ou vai pegar no trabuco tal qual o pai. Não é o homem é o Sertão. Nem padre Cícero nem todos os santos podem dar jeito nesse sertão de alma penada”.

Conclusão mais do que pertinente de um homem que abraçou esse sertão fazendo dele seu campo de batalha. 

sexta-feira, 2 de maio de 2014

João Carlos Sampaio


JC em meio aos jovens cinéfilos da turma de 2011 da oficina de crítica 
“Oficina de Crítica Cinematográfica com João Carlos Sampaio faz parte das atividades da sétima edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema.” Foi com essa notícia que a fagulha da empolgação apareceu lááá em 2011, quando eu ainda estava no último semestre do curso de Jornalismo, preocupado com um TCC que parecia empacado, mas que poderia caminhar com a inspiração certa. Inscrição garantida para a oficina em questão e pude ser apresentado àquele cara que já conhecia de outras linhas críticas desde os anos 1990, mas que nunca poderia imaginar que iria chamar de amigo um dia. Amigo, mentor, torcedor do Vitória (ninguém é perfeito, risos) e um cara de humildade impar, generosidade gigantesca e que sempre teve em mente a ideia de que, na área da crítica cinematográfica, o verbo principal é somar. Quanto mais gente, melhor. Mais diálogo, mais força, mais pensamentos válidos em prol da discussão que faz o cinema existir. Daquela oficina de crítica cinematográfica, eu e os amigos Rafael Saraiva, Rafael Carvalho, Luis Fernando Pereira e Washington Oliveira saímos como integrantes do Júri Jovem do Panorama Coisa de Cinema, festival dos mais influentes no Brasil e que, esse ano, chega em sua 10ª edição. O orgulho principal para mim naquele ano foi poder ter sido reconhecido por um cara cujos textos eu admirava desde muito tempo. Foi a partir daquela oportunidade que me vi parte de algo que pulsava. A partir daquela seleção feita por João, foi possível trazer para o campo da crítica cinematográfica um conjunto de olhares diferentes, pessoas que somavam, sem vaidade, sem egocentrismo. A equipe do Júri Jovem daquele ano significou uma entrada em um universo que eu ansiava por pertencer. E devo isso àquele cara engraçado, de tiradas rápidas, coração imenso e sorriso largo. O convite para participar da minha banca de TCC (sim, o trabalho evoluiu, finalmente) veio logo após o festival. E foi um momento de orgulho tê-lo como parte da mesa composta por mestres inspiradores como Aristóteles Rocha e Juliana Gutmann. João trouxe um olhar elucidativo para minha tentativa de analisar as obras de Martin Scorsese e Fernando Meirelles pelo viés da crítica de cinema. A partir de então, eram frequentes nossos papos cinéfilos em encontros constantes na casa da cinefilia baiana que é o Espaço Glauber Rocha de Cinema. De lá para cá, outros panoramas vieram. O convite de Cláudio Marques e Marília Hughes para compor a Curadoria das edições seguintes me fez sorrir feito menino. Ser pago para ver filme? Uau!! Qual o jornalista recém formado que anseia fazer crítica cinematográfica e viver disso não sonharia com um momento desses? E lá estava o João Carlos Sampaio (ou, como eu o chamava carinhosamente “JC”) pacientemente a tirar duvidas em telefonemas, chats do facebook e e-mails. Com aquele cara não havia estrelismo. Não havia aquela arrogância tão comum nesse campo profissional. A sua humildade era algo contagiante. JC, se viesse a ler este relato emocionado, me chamaria de piegas e careta. Mas eu não consigo evitar a pieguice e a caretice ao falar da falta que um cara como ele vai fazer. Obrigado, João. Lembro-me de nossa última conversa no Glauber, sexta-feira passada, dia 25 de abril. De alguma forma, acabamos por enveredar em uma breve conversa acerca do ateísmo que compartilhávamos. Bom, hoje você tem todas as repostas para essas idéias relacionadas ao que vem depois da última curva. Mais uma vez, é você quem tem as repostas. Uma pena que eu não poderei te escrever ou telefonar para tirar mais essa dúvida. Um abraço, caro amigo. Obrigado por tudo. Obrigado, mesmo!