quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Sicario

(EUA, 2015) Direção: Denis Villeneuve. Com Emily Blunt, Josh Broli, Benicio Del Toro, Victor Garber, Jon Bernthal, Daniel Kaluuya. 



Por João Paulo Barreto

É fácil acusar Sicario, novo trabalho do diretor Denis Villeneuve, como uma obra fascista e criada com o único intuito de se chocar o espectador. Recordo-me de ter visto comentários semelhantes na ocasião do lançamento de Tropa de Elite, no qual diversas matérias taxavam a obra de José Padilha dessa forma. No entanto, mais importante do que um rótulo, Sicario tem em sua proposta uma relevante discussão acerca da inércia das autoridades no que tange tratar bandidos monstruosos como eles realmente são.

Reconheço ser arriscado assumir lados nesse trava. Afinal, o limite entre se tornar você mesmo um fascista ao defender os pontos de vista que a obra traz sobre o modo como se deve resolver a violência do tráfico de drogas no México (ou em qualquer grande capital brasileira, diga-se) é tênue. No entanto, é imprescindível traçar uma análise acerca das ações policiais cujos atos são tão monstruosos quanto os cometidos pelos “bad guys” dessa história. Ao final, fica a pergunta: quem é o verdadeiro vilão da obra que acabamos de presenciar? Talvez, o mais relevante não seja essa pergunta, mas, sim, sabermos quem são os sobreviventes cujo futuro sombrio ainda pode ser salvo.


Macer: Guerra contra o tráfico em solo americano 
Juárez, no México, é o retrato de um território sem lei, no qual policiais corruptos lidam com o tráfico de forma conivente e os traficantes, a fim de demonstrar poder, penduram seus desafetos esquartejados nos viadutos que cortam a caótica cidade. É nesse ambiente que a agente estadunidense Kate Macer (Blunt) é inserida juntamente com uma equipe de superiores liderada por Matt Graver (Brolin) e por Alejandro (Del Toro), um ex-promotor colombiano que colabora nas investigações que podem levar a prisão do chefão Fausto Alarcon. 

Inicialmente focado na inserção de Macer naquele novo universo que lhe é desconhecido no que se refere ao México, o longa vai, gradualmente, ampliando seu leque de abordagem, trazendo à tona vez por vez as motivações de cada personagem, para, ao final, revelar a surpreendente razão para um deles agir do modo como age e o quão chocantes podem ser seus atos. Macer, apesar de experiente na atividade policial (a cena inicial do filme, mostrando sua equipe tática invadindo uma casa repleta de traficantes impressiona), é inserida naquele ambiente de modo que sua postura passa a se moldar diante daquelas circunstâncias. Sempre irredutível quanto ao que acredita, não seria difícil imaginá-la cedendo ou desistindo à medida que a percepção que aquele universo a moldará se concretiza.

Del Toro no papel do atormentado e misterioso Alejandro
É uma obra que incomoda. Que nos faz assumir lados perigosos de se assumir. Que nos faz torcer pelas pessoas erradas, mas, no entanto, nos deixa com a certeza de se entender suas razões, apesar de não concordarmos com seus atos. Monstruosidades devem ser respondidas apenas com monstruosidades? O olho por olho não acabará por nos deixar todos cegos? Quando nos deparamos com um final como o apresentado em Sicario, temos a certeza de que, de fato, o homem é produto do seu meio. Ao final, a agente Macer escuta alguém lhe dizer que aquela é uma terra de lobos e que ela não faz parte daquele lugar. Muitos são os que fazem parte, no entanto. Poucos, para o bem o para o mal, estão ali por que escolheram ficar. 

A cena do jantar ao final do filme denota bem o tipo de homem que foi arrastado para aquela terra, mas acabou por se sentir à vontade naquele ambiente hostil, reconhecendo-se como parte inseparável daquele lugar.

É um filme amargo, cujo final até tenta nos colocar um viés de esperança, mas, qualquer eco nessa tentativa é abafado pelas rajadas de metralhadora que sobrepõem os sons de um jogo de futebol entre crianças.







sábado, 24 de outubro de 2015

Ponte dos Espiões

(Bridge of Spies, EUA, 2015) Direção: Steven Spielberg. Com Tom Hanks, Mark Rylance, Alan Alda, Amy Ryan, Austin Stowell, Jesse Plemons, Sebastian Koch.




Por João Paulo Barreto

Uma das características mais aprazíveis de Ponte dos Espiões, novo acerto de Steven Spielberg após os medianos Cavalo de Guerra e Lincoln, é o modo como o diretor dá preferência em desenvolver as características intimas de seus protagonistas sem necessariamente usar esse artifício como uma muleta emocional para levar adiante o filme.

Como o título já entrega, é um filme sobre espionagem. Não necessariamente um filme sobre gadjets ou rotina de espiões. Claro, vemos algo disso dos dois lados do tabuleiro EUA vs URSS, mas o ponto principal de observação aqui são as circunstâncias cruciais de vida ou morte em que aqueles homens de ambas nações são colocados sem a real vontade de estar ali, “morrendo” por seus respectivos países.

Não me entenda mal. Patriotas eles, de fato, são. Não estão dispostos a ceder perante tortura, ameaças de execução ou penas perpétuas de encarceramento. Mas é notável um peso em seus olhares cansados e desejo por outra vida que o roteiro dos irmãos Coen e do quase desconhecido Matt Charman salienta com um cuidado impressionante em não resvalar para o melodramático cuja armadilha diversas obras de guerra já caíram.
Tempo de paranoia: Jim é perseguido por figura suspeita
Aqui, o conflito apresentado é a Guerra Fria, quando em meados da década de cinquenta, Estados Unidos e União Soviética mediam suas forças estando ambos amarrados pela coleira que a possibilidade de um novo conflito mundial poderia trazer de consequências para ambos. A ameaça de uma nova bomba atômica assombra todo o planeta. Ambos possuem espiões infiltrados em suas redes de informações.

Em Nova York, Rudolf Abel, suposto russo cuja nacionalidade nunca é confirmada, é preso sob suspeita de passar segredos militares para os comunistas soviéticos. Sobrevoando o país comunista a 70 mil pés de altura e tirando fotos com supercâmeras, o piloto Francis Powers é abatido (em uma sequência espetacular) e preso. Na Alemanha, o estudante americano de Economia, Frederic Pryor, trabalha em sua tese sobre comunismo quando é preso diante do muro de Berlim em construção sob a acusação de espionagem.

Na difícil missão de defender Abel, o advogando da área de seguros (!?), James Donovan (Hanks), vê o caso ganhar dimensões nacionais e uma fama de vilão é aplicada a sua pessoa. Trabalhando sob o velho argumento de que todos merecem uma defesa, Jim sabe que não tem chances de ver seu cliente inocentado das acusações. Quando a pena de morte lhe é destinada, resta ao competente bacharel a ideia de convencer o juiz a manter Abel vivo como possibilidade de barganha em caso de um soldado americano ser capturado pelos soviéticos. E, obviamente, é justamente o que acontece.

Não confie em ninguém: Jim em solo alemão busca formas de negociação

No entanto, como disse, o roteiro dos Coen (baseado em fatos reais) escapa das armadilhas de um dramalhão focado nas condições adversas nas quais os espiões e o estudante que estava na hora e local errado se encontram. E creio ter sido um desafio para Spielberg não se render a esse tipo de caminho fácil, uma vez que, em muitos dos seus filmes, o drama humano e as lágrimas acabam por afogar qualquer outra tentativa de construção fílmica. Outra razão para esse resultado positivo está na escolha de Thomas Newman na criação de uma trilha sonora que, apesar de tons melancólicos em certos momentos, mantém-se compenetrada e destinada a salientar as tensões que aqueles homens estão passando.

Ainda graças aos Coen, que mantêm um humor afiado em seu texto, principalmente embalado pelos diálogos rápidos de Tom Hanks nas situações familiares e de trabalho, Ponte dos Espiões se sobressai não somente como uma eficiente reconstrução de época (a direção de arte é sublime), mas como uma obra focada nas relações humanas. E isso sem a necessidade de seguir os já citados fáceis e clichezados caminhos narrativos que essa escolha pode possuir.

"Todos merecem uma defesa": Jim e seu cliente espião, Abel
É uma obra elegante, repleta de subcamadas que apresentam críticas a uma época de vigilância, perseguições e paranoia, que, apesar de se passar nos anos 1950, podem muito bem ser aplicadas aos dias de hoje. Spielberg, claro, faz questão de pintar os Estados Unidos como uma terra de sonhos, comparado ao inferno que devia ser viver na União Soviética ou Alemanha daquele período. A óbvia (e até um pouco banal) rima visual que ele fez ao comparar uma viagem em um trem germânico com a de um trem novaiorquino beira um tanto no artificialismo, apesar de trazer importante reflexão.

Porém, ao olharmos para os dias de hoje, quando a abordagem a cidadãos negros por policiais brancos se difere grotescamente do modo como aconteceria se os suspeitos fossem caucasianos; quando estudantes estadunidenses matam professores e colegas de classe com rifles; ou quando adolescentes com distúrbios adentram igrejas de comunidades afrodescendentes de arma em punho, notamos que a paranoia daquela década do século passado não se compara a dos dias de hoje. E justamente no país que Ponte dos Espiões vende como sendo o mais seguro de todos.  



terça-feira, 13 de outubro de 2015

Respire

(França, 2014) Direção: Mélanie Laurente. Com Joséphine Japy, Lou de Laâge, Isabelle Carré


Por João Paulo Barreto

Apesar de seu título simbólico e ligado mais a um significado subliminar da trama do que propriamente ao desenvolvimento gradativo de seus personagens e desfecho pretensamente chocante, Respire, obra francesa exibida na Semana da Crítica de Cannes em 2015, traz uma discussão mais importante para os dias atuais que é a questão do bullying entre adolescentes e o modo como tais perseguições podem abalar alguns deles tanto de forma psicológica quanto física.

Na trama, a adolescente francesa Charlene, ou Charlie, como é chamada por todos, é uma estudante secundarista com problemas de asma e jovens pais em constante conflito. Charlie percebe em uma aluna novata, a confiante e quase rebelde Sarah, uma reconfortante e calorosa amizade que se desenvolve desde seu primeiro encontro no colégio, passando a crescer ainda mais nos momentos em que estão juntas durante estudos em casa e férias passadas com a família da primeira

Cumplicidade: Charlie e Sarah se envolvem cada vez mais
Com claros desejos sexuais reprimidos pela amiga e uma fragilidade afetiva gritante, Charlie se vê refém das nuances da personalidade de Sarah, que, inicialmente companheira e presente, passa a criar joguinhos psicológicos com a amiga, como quando passa a ignorá-la durante o tempo que passam juntas nas férias familiares de Charlie apenas porque esta a apresentou como colega de colégio ao invés de amiga.

Sarah, no entanto, esconde segredos relacionados a sua mãe, que ela vende aos amigos como sendo uma ativista de uma ONG da África, mas, na verdade, é uma alcoólatra desequilibrada que vive em seu minúsculo apartamento sob os cuidados da filha. Notável o modo como a diretora Mélanie Laurent (a Shosanna, de Bastardos Inglórios) traz ao espectador esse segredo da vida da espevitada Sarah. Mantendo um eixo horizontal de câmera, ela exibe pelo lado de fora o sujo apartamento onde a adolescente vive, mostrando através das janelas o drama da vida doméstica da jovem e, finalmente, alcançando a revelação de uma terceira pessoa a presenciar aquilo, o que trará consequências drásticas na vida das protagonistas.

Evitando focar na evidente sensualidade das duas meninas, Laurent acerta em manter a relação afetiva com o mínimo de apelo sexual, algo que seria uma armadilha fácil para o roteiro seguir, principalmente após o sucesso de Azul é a cor mais Quente.

Sempre juntas, a amizade deixa o colégio para fazer parte da vida de ambas
Ao invés de escancarar qualquer desejo reprimido que ambas possam possuir, o roteiro, baseado na obra de Anne-Sophie Brasme e escrito pela diretora em parceria com Julien Lambroschini, mantém tal possibilidade no campo da sugestão, colocando-o apenas nos olhares de Charlie para a amiga, na observação desta enquanto Sarah está na aula de ginástica e alcançando o “máximo” ao colocá-las em um beijo bêbado durante uma brincadeira.

Outro ponto curioso é o modo como a beleza de Charlie é apresentada ao espectador em sua primeira aparição em tela, quando, após um breve momento com o rosto encoberto por uma xícara no café da manhã, exibe sua jovialidade e exuberância, características essas que a garota não parece perceber possuir e, quando tenta salientá-las com um simples batom, o resultado acaba sendo o menos esperado e a constrangendo em sua.frágil solidão.

É uma obra que consegue dosar bem a tensão de uma relação cujo desequilíbrio trágico e emocional é iminente, o que não deixa de refletir de forma positivamente incômoda no espectador. Mesmo com um final um tanto forçado e criado com uma certa intenção de choque que beira o artificial, Respire se apresenta muito bem em sua proposta de discussão no modo como a adolescência pode ser uma fase extenuante, principalmente para jovens em situações de bullying.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Panorama 2015: Divulgada a lista de selecionados para a Competitiva Nacional de Curtas

Produções da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, São Paulo e uma coprodução Brasil/Alemanha integram a lista dos 16 filmes selecionados para a Competitiva Nacional de Curtas do XI Panorama Internacional Coisa de Cinema. Documentários, ficções e filmes experimentais compõem a mostra que será exibida no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha e no Cine Theatro Cachoeirano (Cachoeira) entre os dias 28 de outubro e 04 de novembro.

Os curtas serão exibidos em dupla, sempre acompanhados de um longa nacional em competição e seguidos de debate com os diretores e outros integrantes da equipe. Em Salvador, os ingressos serão vendidos a preços populares, enquanto em Cachoeira as sessões serão gratuitas. Realização da produtora Coisa de Cinema em parceria com o Cineclube Mário Gusmão, projeto de pesquisa e extensão da UFRB, o Panorama conta com o patrocínio da Petrobras e do Governo do Estado da Bahia, através do Fundo de Cultura.

(Informações divulgadas através de release)


Confira filmes selecionados:

A Festa e os Cães (CE), de Leonardo Mouramateus


Sinopse: À noite eles se juntam em bando, como se fossem um pelotão que tivesse desertado de uma mesma parte, para este pedaço de bairro no subúrbio

À Parte do Inferno (SP), de Raul Lemos Arthuso



Sinopse: O céu é só um disfarce azul do inferno.


Em Paz (RJ), de Clara Linhart


Sinopse: Em 1916, uma associação de prostitutas judias vindas da Europa do Leste funda seu próprio cemitério no Rio de Janeiro. Hoje, ele está desativado.



Feio, Velho e Ruim (BA), de Marcus Curvelo


Sinopse: Joder tenta fazer um selfie.


Fuja dos Meus Olhos (Escape from my Eyes, Brasil/Alemanha), de Felipe Bragança


Sinopse: Fuja dos Meus Olhos (Escape from my Eyes) narra três fábulas sobre os refugiados Mayga, do Mali, Elias, de Gana, e Abidal, de Burkina Faso, através de imagens documentais e de ficção imaginária.

No filme , os homens reencenam suas próprias histórias de fuga e luta, transpostas para Berlim no inverno.


                               História de uma Pena (CE), de Leonardo Mouramateus



Sinopse: Um professor espera a chegada dos alunos atrasados. Longe dali, um jovem casal acorda entre as árvores. São dez e quinze da manhã. Eu sei com que fúria bate o teu coração.


Ifá (BA), de Leonardo França


Sinopse: Um filme feito a partir de um jogo de búzios. Um filme como jogo, um jogo como filme.


Mar de Fogo (RJ), de Joel Pizzini


Sinopse: Mar de Fogo é um filme-ensaio experimental sobre as pulsões inventivas de Mário Peixoto, autor de Limite (1930), um clássico do cinema mudo. O filme recria livremente a visão do cineasta, ao conceber sua obra prima, evocando ainda uma sequencia delirante de seu futuro filme.


Meio Fio (DF), de Denise Vieira



Sinopse: Um recorte do cotidiano de Karine Ban, locutora de um programa romântico de rádio, que acaba de se mudar para um condomínio recém-construído no entorno do Distrito Federal. O ambiente é de puro concreto, casas iguais e reduzida vizinhança. A paisagem é seca – sem árvore, sem flor, sem bicho.
E nessa conjuntura – árida, pulsam: confissões, ressentimentos e lembranças de amor. (CA)


Muros (BA), de Fabricio Ramos e Camele Queiroz


Sinopse: A precariedade urbana e arquitetônica de favelas brasileiras é colocada em questão por um fotógrafo baiano (Rogério Ferrari) que conviveu e fotografou o povo palestino em Gaza, na Cisjordânia e em campos de refugiados.


O Homem que Virou Armário (CE), de Marcelo Ikeda


Sinopse: O Homem que Virou Armário conta a história de um funcionário que, tão obcecado pelas tarefas rotineiras e mecânicas de seu ambiente de trabalho, um dia acaba se transformando num dos armários da repartição. Uma colega de trabalho, que sempre foi apaixonada por ele, tenta bolar uma estratégia para trazê-lo de volta à vida. Em tom de comédia, o curta apresenta uma crítica bem-humorada às relações de trabalho da sociedade contemporânea e à coisificação do homem de hoje.


Outubro Acabou (RJ), de Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes


Sinopse: Além do indômito desejo de realizar as enormidades que o tentavam, nada mais dentro dele era sagrado.

Quintal (MG), de André Novais Oliveira



Sinopse: Mais um dia na vida de um casal de idosos da periferia


Rapsódia para o Homem Negro (MG), de Gabriel Martins


Sinopse: Odé é um homem negro. Seu irmão, Luiz, foi espancado até a morte durante um conflito em uma ocupação de Belo Horizonte. O filme utiliza alegorias e simbolismos para contextualizar as relações políticas, raciais, de ancestralidade e urbanização no mais recente cenário político brasileiro.


Tarântula (PR), de Aly Muritiba e Marja Calafange 


Sinopse: No casarão mora uma família religiosa e aparentemente incompleta: uma mãe e suas duas filhas. Até que uma aparição perturbadora vem colocar as coisas em seu devido lugar.

Virgindade (PE), de Chico Lacerda 



Sinopse: Se pudesse, eu voltaria a ser uma criança, só pra poder fazer mais do que eu já fiz quando era pequena!

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Panorama 2015: 14 filmes baianos compõem a competitiva do estado

Quatorze filmes produzidos em Salvador e interior da Bahia integram a seleção para a Competitiva Baiana do XI Panorama Internacional Coisa de Cinema, que acontece de 28 de outubro a 04 de novembro, em Salvador e Cachoeira. São três longas e onze curtas-metragens, com diferentes linguagens e estilos, oferecendo um cenário diversificado do cinema feito no estado entre 2014 e 2015. Os filmes serão exibidos em sessões seguidas de debate entre os realizadores e o público.

As mostras competitivas acontecem no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, de acordo com programação a ser definida. Os filmes também serão exibidos em Cachoeira, onde pela primeira vez o festival acontece no Cine Theatro Cachoeirano, espaço cultural de importância histórica na cidade. Realização da produtora Coisa de Cinema em parceria com o Cineclube Mário Gusmão (projeto de pesquisa e extensão da UFRB), o Panorama conta com o patrocínio da Petrobras e do Governo do Estado da Bahia, através do Fundo de Cultura.

(Informações divulgadas através de release)

LONGAS

A Loucura Entre Nós, de Fernanda Fontes Vareille



Sinopse: Quais os limites da nossa sanidade? O que nos define como normais? “A loucura entre nós” lança um olhar sobre os corredores e grades de um hospital psiquiátrico, buscando personagens e histórias que revelem as fronteiras do que é considerado loucura. Através, principalmente, de personagens femininas, o documentário exala as contradições da razão, nos fazendo refletir nossos próprios conflitos, desejos e erros.


Faz-se Filmes, de Violeta Martinez


Sinopse: \"Faz-se Filmes\" é um projeto itinerante que propôs percorrer onze cidades do interior da Bahia, oferecendo o serviço de produção de filmes em curta-metragem à população de pouco acesso a produção de cinema e cultura digital. O projeto buscou incentivar e possibilitar todo e qualquer cidadão a criar e ampliar a sua produção econômica e/ou artística, a partir das propostas de filmes que foram apresentados em cada localidade pelas pessoas que solicitaram o \"Faz-se Filmes\" mobilizando comunidade e equipe em prol do incentivo à cultura e preservação da identidade local.


O Amor dos Outros, de Deo


Sinopse: \"O amor dura o tempo que precisar [...] o amor dos outros nunca vai ser menor que o nosso\". Junior, um jovem de 30 anos, estagnado e sem perspectiva na vida, vai sendo conduzido por amores flagelados.


CURTAS


Alegoria da Dor, de Matheus Vianna. 


Sinopse: Um ensaio sobre a dor movido pela memória.


Ana, de Camila Camila


Sinopse: Indícios, fragmentos de vida que me compõem. Histórias familiares, especialmente as que identifico-me enquanto mulher. A memória é um instrumento de ficção.


Argentina, Me Desculpe, de Leandro Afonso



Sinopse: Após várias decepções em Copas do Mundo, uma tragédia maior que todas elas. Enquanto relembra os últimos quatro anos, Pilar, argentina, tenta reencontrar Sofia, brasileira. 


Eu, Travesti?, de Leandro Rodrigues


Sinopse: Um corpo e uma voz nus diante do mundo.


Fardo, de Rafael Jardim



Sinopse: Garota precisa abdicar de sua vida para cuidar da avó debilitada. Duas mulheres amarguradas vivendo uma relação de amor e ódio.


Haram, de Max Gaggino



Sinopse: Salwa é uma imigrante muçulmana que fugiu da guerra na Palestina e se refugiou na Bahia junto ao marido, Farid. Recém-chegada em Salvador e ainda se sentindo fora de lugar, Salwa conhece sua vizinha, Felícia, uma menina de dez anos que mora a poucos metros da muçulmana. As duas logo se envolvem em um intercâmbio cultural. Através de conversas desinibidas, a inocente Felícia faz perguntas que qualquer adulto teria receio de fazer.


Retomada, de Leon Sampaio


Sinopse: Primeiro povo a fazer contato com os portugueses no Brasil, os Tupinambá lutam atualmente pelas terras que os fazendeiros tomaram no início do século passado. O filme investiga o processo de resistência dos índios da Serra do Padeiro, território liderado pelo Cacique Babau. Desde que Babau virou cacique, os índios retomaram mais de cinquenta fazendas e lutam dia a dia pela sobrevivência.


Ritual Pam Pam Pam, de Ramon Coutinho



Sinopse: No território Caiataia, tribos sociais se organizam regularmente em rituais sonoros que reproduzem o “Pam-pam-pam” ou “Canto dos deuses furiosos”. Através de enormes caixas de som em veículos automotores milhares de pessoas participam com danças e bebidas, buscando elevar os prazeres carnais e espirituais.


Sandrine, de Elen Linth e Leandro Rodrigues




Sinopse: Entre as aulas de matemática e a relação conturbada com a mãe, Sandrine espera na fila de um hospital.


Santo de Casa, de Lorena Sales e Murilo Deolino


Sinopse: Durante o dia dois jovens participam das ocupações religiosas da paróquia de Assunção. À noite vasculham os arredores sombrios da pequena cidade, contudo, a luz do lampião que carregam em suas saídas noturnas, não é suficiente para desobscurecer suas intenções.


Sujeito Oculto, de Amanda Gracioli



Sinopse: Alfred carrega durante o fim da sua vida apenas o automático tráfego da rotina onde o tempo lhe escapa o controle e só lhe resta a vida dos outros e um punhado memórias.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Entrevista: Vitor Sousa, autor de Sonhos que Vimos Juntos - Aproximações entre Psicanálise e Cinema



A psicanálise e o cinema são os objetos de estudo do autor Vitor Sousa em seu livro de estreia, Sonhos que Vimos Juntos – Aproximações entre Psicanálise e Cinema, que terá seu lançamento em 03 de outubro, na Livraria LDM do Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha, em Salvador. Nessa entrevista, Vitor nos apresenta um aprofundamento sobre o seu método de pesquisa para a composição do livro, a relação do cinema com o campo científico e o modo como o fazer cinematográfico encontra ecos na psicanálise. Além disso, traz um esclarecido ponto de vista sobre a atual fase do contexto social do Brasil no que se refere à expansão do fundamentalismo religioso e como o conhecimento fílmico pode nos ajudar a entender melhor essa fase.

Em um período tão assustador em nossa história, no qual a intolerância religiosa vem causando tantos ecos na mídia, é reconfortante ouvir um psicanalista e teólogo apresentar opiniões tão embasadas sobre esse tema. E se a discussão puder contar com o cinema como pano de fundo, bom, só nos cabe ouvir com ainda mais atenção.

Confira o papo abaixo!


Como surgiu a ideia de unir em um estudo a psicanálise e o cinema?

Na verdade, foi meio que um processo. Porque, até como eu fiz questão de ressaltar em toda a divulgação do livro, o texto original da publicação foi pensado como uma monografia, meu trabalho de conclusão da formação em Psicanálise, e isso foi importante para a escolha do tema. Primeiro, porque eu segui as dicas mais fundamentais oferecidas por todos os professores de Metodologia que já tive: “comece a pensar seu tema no início do curso” e “escolha um tema que você goste, algo que lhe dê prazer ao escrever”. Minha ideia, inicialmente, era desenvolver um projeto sobre os sonhos e sua importância para o desenvolvimento dentro da teoria freudiana. Então, eu já vinha acumulando bibliografia sobre isso e elaborando meu discurso enquanto seguia, também, adquirindo conhecimento teórico em sala de aula e experiência prática na interpretação de sonhos durante as sessões com meu terapeuta didata. Tudo isso estava bem encaminhado, até eu bater de frente com o Cinema, em abril de 2011 (risos). É claro que eu já era um amante da sétima arte há bem mais tempo, e já tinha feito até uma oficina de roteiro pra Cinema e TV, mas foi no curso de Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, de Pablo Villaça, que eu me dei conta de que dava para juntar, perfeitamente, essas duas paixões aproveitando, inclusive, o que eu já havia pesquisado sobre os sonhos. A partir daí, quanto mais eu lia, mais me questionava “por quê não pensei nisso antes?”. As duas áreas são muito interligadas. Uni-las era quase uma questão de lógica.

Você sempre esteve ligado às artes de alguma forma. E o cinema também sempre fez parte desse consumo cultural. Ao se tornar um psicanalista, o plano de associar a sétima arte à psicanálise em um estudo mais aprofundado era tido como uma meta ou foi algo que aconteceu naturalmente?

Isso é verdade. Como qualquer criança dos anos 80, eu assistia muitos filmes, desenhos animados e seriados de TV, só que minha diversão preferida era escrever e desenhar minhas próprias histórias. Ainda tenho algumas delas guardadas. Minha frequência ao cinema era muito ocasional nesse período, o que tornava cada ida ao cinema muito mais memorável. Lembro de quase todos os filmes que vi, quando criança, em tela grande e, especialmente, da satisfação de estar ali para assisti-los. Como psicanalista, aprendi a buscar as emoções presentes nas memórias e reconhecer a importância delas na formação da minha personalidade. Associando-as dessa forma, fui percebendo o tamanho da paixão que nutria por ambas. Então, promover essa união num texto foi algo bastante natural, sim.

Qual critério de seleção dos filmes que você usou na pesquisa?

Os filmes representam, obviamente, um universo de pesquisa muito vasto. A rigor, eu diria que todos sofrem, de alguma forma, a influência da Psicanálise. Por isso, a princípio, eu precisava restringir meu objeto de pesquisa. Como a ideia era fazer um resgate histórico dos encontros entre Psicanálise e Cinema, o critério foi “qual filme exemplifica melhor os períodos iniciais dessa relação?”. Inevitavelmente, caí nos clássicos. No livro, eu não faço críticas ou análises dos filmes. Procuro falar de determinados aspectos que evidenciam a parceria Psicanálise-Cinema e apresento algumas obras como exemplo.


No livro, você cita o cinema como método terapêutico, comparando uma sessão de um filme a uma com um psicanalista. De que forma isso é realizado?

Na verdade, no livro eu aponto para o cinema, o ato específico de assistir ao filme, nesse caso, como uma possível ferramenta a ser explorada pelo analista. Eu acredito que isso seja plenamente possível. Fica mais fácil responder essa pergunta se eu usar, mais uma vez, a dinâmica dos sonhos como exemplo. Em linhas gerais (e eu estou sendo bastante generalista aqui), um sonho é a maneira como o nosso inconsciente encontra para trazer pro nível do consciente algumas de nossas energias psíquicas, nos fazer lidar com nossos sentimentos mais profundos (medos, desejos etc). Um exemplo clássico: o indivíduo tem um medo enorme de aranha; o inconsciente, para fazê-lo lidar com esse medo, produz um sonho em que esse indivíduo está cercado por dezenas de aranhas; não tem pra onde correr, o indivíduo vai ter que acordar e, mesmo que esqueça o conteúdo do sonho, vai guardar aquela sensação estranha e incômoda, entende? Numa sessão de análise, essa sensação que permanece (ou a lembrança dela) é que vai conduzir a interpretação. Agora, pense isso no nível do cinema. Somos, muitas vezes, confrontados com discursos ou atitudes que nos causam incômodo. E é muito comum que aquela sensação de estranheza permaneça por muito tempo depois de termos visto o filme. Para mim, são nessas sensações que residem um dos grandes potenciais do cinema como método terapêutico. Explorar a maneira como lidamos com o que vemos, investigar o porquê de sentirmos o que sentimos quando vemos.

E esse já é um método aplicado? Existe quem faça?

Olha, João, eu não saberia te dizer se isso é feito exatamente da forma como eu descrevi aqui, mas existem, sim, alguns terapeutas que já trabalham com o cinema. Um deles, talvez o mais conhecido, é o psicólogo americano Gary Solomon. Pelo que pude perceber, apesar de não conhecer a fundo a obra desse autor, ele faz indicações de filmes específicos que possam auxiliar no estado emocional de seus pacientes. Como uma espécie de auto-ajuda... Não deixa de ser uma experiência válida, mas eu ainda penso que esse seja um campo a ser mais explorado.


O autor durante o papo no Espaço Itaú de Cinema
Você cita uma incorporação gradual dos conceitos psicanalíticos ao fazer cinematográfico. Sem entregar o ouro, afinal, o livro conta com um profundo estudo sobre esse tema, você pode citar alguns exemplos disso?
Não posso afirmar que o livro se aprofunda nessa questão. Eu diria que o livro inteiro é um “descortinar” de possibilidades. Aproximações, como proponho no subtítulo. Daquelas que procuro apresentar, essa é a que fica mais fácil de perceber na relação da teoria freudiana com o cinema. Um bom exemplo é a construção de personagens. Num filme, nós temos acesso a um recorte específico do tempo de vida de um determinado personagem. Os autores escolhem exatamente o que vão exibir e conduzem a narrativa mostrando apenas o que seja interessante para contar aquela história. Mas para que faça sentido pra gente, esse personagem precisa ter uma história, um passado que justifique suas ações. Na maior parte dos filmes, não temos acesso a esse passado, mas certamente o roteirista precisou desenvolver aquela personalidade. Isso é ampliado pelos atores quando eles investem nos chamados “laboratórios”, onde aprofundam a experiência de atuação. Tudo isso é feito em busca de verossimilhança: o que vemos não é uma experiência real, mas precisa nos convencer do contrário. É aí que a psicanálise se faz necessária. Contando com mais de um século de observação do comportamento humano, ela se apresenta aos profissionais do cinema como um verdadeiro mapa das emoções, e isso vai influenciar desde a cor das roupas que o personagem veste até os objetos que ele possui.

Como o espectador poderá aplicar os conhecimentos apresentados em Sonhos que Vimos Juntos na sua próxima sessão de cinema?

De cara, eu penso que ele poderá se tornar mais crítico e seletivo daquilo que vê. Mesmo que ele não se aprofunde nos conhecimentos que proponho, eu espero que o leitor consiga perceber que um filme pode representar mais que um entretenimento casual. Exercitando esses conhecimentos, ele vai poder julgar melhor a obra. A partir daquilo que está na tela, perceber, por exemplo, se o personagem foi bem desenvolvido, como expliquei na pergunta anterior. Além disso, num nível mais profundo, os filmes podem se tornar uma boa maneira do leitor investir no autoconhecimento, repensar suas ações e emoções ao se imaginar na pele nas situações vividas por aquelas pessoas da ficção.

Cinéfilo, psicanalista e teólogo, Vitor Sousa lança seu primeiro livro

Em tempos atuais, onde vemos na mídia diversos casos de intolerância religiosa, qual a sua visão como teólogo acerca da função do cinema como agente criador de consciência nas pessoas?

Por estar ao alcance de uma gama cada vez maior de pessoas, e justamente por ser uma mídia de fácil acesso (mesmo que o indivíduo não tenha condições de frequentar as salas, todos os canais abertos reservam um espaço para filmes em suas grades de programação), o cinema ocupa uma importante função na formação da opinião pública. Todo filme carrega uma cosmovisão, incluindo-se aí opiniões políticas, culturais e religiosas. É sempre muito salutar quando esse potencial é aproveitado pelos autores para suscitar (ou aquecer) debates no seio da sociedade. Nos últimos anos, o Brasil tem assistido ao crescimento dos setores mais fundamentalistas do cristianismo evangélico. Uma das consequências desastrosas geradas por essa ala para a nossa sociedade é o desenvolvimento de um discurso religioso alheio à realidade que o cerca. Para os adeptos dessas denominações, pouco importa o que acontece aqui neste plano terreno desde que ele tenha suas garantias de uma melhoria de vida no além. Na prática, há um conformismo velado diante dos problemas sociais, e eu tomo aqui a violência social como exemplo: vivemos numa crescente onda de violência porque “o mundo jaz no maligno”, mas ainda bem que não será assim “no céu”. Nesse contexto, o cinema pode (e deve!) ser usado para confrontar esse discurso. 

Você citaria alguma obra ou cena específica de algum filme que ilustre essa ideia?

Eu lembro, por exemplo, de uma sequência de Tropa de Elite 2 em que um trabalhador é arrastado, por um grupo de milícia, pelas ruas da favela até uma esquina onde as portas dos estabelecimentos estão todas fechadas. Ali, o trabalhador é brutalmente assassinado. E o que isso tem a ver com o discurso religioso que exemplifiquei? O detalhe fica por conta dum movimento em que José Padilla eleva a câmera para nos mostrar que o estabelecimento que estava de portas fechadas era uma igreja evangélica presente apenas fisicamente na comunidade. Você percebe o poder crítico desse discurso? “Quando uma igreja fecha suas portas para os desafios dessa vida, automaticamente serve de espaço para a morte”, é a leitura que faço.

Still da impactante cena de Tropa de Elite 2 citada por Vitor Sousa 

Você tem uma visão teológica bem diferenciada do que normalmente se vê por aí. Você pensa em investir também em publicações nessa linha? Ou você acha que pode não haver público pra isso?

Para mim, a Teologia, como área do conhecimento, só faz sentido quando procurar dialogar com outros saberes. O discurso puramente eclesiástico é importante, mas fica restrito apenas para esse universo. Sinceramente, eu não vejo muita vantagem nisso. Minha produção teológica procura sempre a via do diálogo. No meu texto de graduação, apresentei uma possibilidade de leitura do texto bíblico de Gênesis bem mais libertária das amarras religiosas, demonstrando a possibilidade de casar a crença no texto mitológico dos primórdios da religião judaico-cristã com as modernas teorias científicas, com especial destaque para a Teoria da Evolução das Espécies proposta por Darwin. Esse é um texto que estou trabalhando para lançar até o final desse ano, se tudo der certo. Além disso, estou escrevendo um projeto para tentar uma linha de mestrado em que possa trabalhar Teologia e Cinema. É como eu disse: se não tem função nas relações com a sociedade, pra mim perde o sentido.

E a psicanálise? Pode ser colocada nesse mesmo patamar e função social? Como?

Eu acredito que o ser vive uma constante busca pelo autoconhecimento. Isso se demonstra em suas escolhas profissionais, sociais, culturais, religiosas etc. A Psicanálise é uma ferramenta poderosíssima para quem quiser auxílio nessa busca, só que, infelizmente, ainda não é acessível a todos, seja por questões financeiras ou culturais. Por conta da nossa cultura, é comum se pensar que apenas “os loucos” procuram um terapeuta, independente de qual das vertentes da PSI. Bom seria que cada pessoa desfrutasse, pelo menos por um período da vida, de uma psicoterapia. Mas isso também demanda um investimento financeiro, já que pagar pela terapia faz parte do próprio tratamento terapêutico. Facilitando-se esse acesso, penso que haveria um maior equilíbrio nas relações de qualquer nível da sociedade. Enquanto não alcançamos isso, o Cinema pode ser bastante útil na disseminação dos conhecimentos psicanalíticos, como apresento no último capítulo do livro.

Com um mercado editorial restrito e que impõe diversas dificuldades para novos autores, como se deu o processo de lançamento de Sonhos que Vimos Juntos?

A verdade é que a vida dos novos autores não é nada fácil, independente do caminho que ele escolha para se lançar no mercado editorial. Se ele escolhe a via das grandes editoras, terá que lidar com o preparo e envio de originais sem ter a mínima noção de quando (ou se) obterá uma resposta para a publicação de seu texto. A menos que ele seja descoberto e convidado por um editor, normalmente pode levar anos até que consiga ver seu “filhote” nas mãos. Se a decisão é, como no meu caso, pela publicação independente, o autor precisa se preparar para jogar em todas as posições: bater o escanteio, correr para cabecear e depois ainda tentar defender! (risos). Sabendo disso, e por acreditar que esse era o meu momento, assumi esses riscos e editei meu texto: diagramei, fiz a capa, entrei em contato com gráficas... exceto a divulgação, que ficou por conta dos amigos e parentes, tudo o mais eu tive que dar conta. Há poucos anos, isso tudo custaria uma nota, especialmente a parte de gráfica, mas para esse primeiro livro, duas coisas foram fundamentais para sair da cabeça e passar virar papel: a facilidade atual de imprimir pequenas tiragens e a estratégia do financiamento coletivo. 

Como se deu o investimento em impressão, já que foi feito de forma independente?

Antigamente, qualquer publicação independente, para se tornar financeiramente viável, os autores precisavam de uma tiragem mínima de 500 exemplares. O investimento era relativamente alto, e depois o autor ainda precisava correr pra vender e não tomar prejuízo. Hoje, com as facilidades da impressão digital, eu posso imprimir até mesmo um único exemplar, se for preciso. Foi assim que decidi optar também pelo financiamento coletivo realizado através do site da Kickante. Daí eu marquei a data do lançamento e montei uma campanha nas redes sociais em que convidava os amigos a anteciparem a compra de seus exemplares do livro. A campanha foi muito bem sucedida e agora, com a grana que arrecadei com as vendas antecipadas, eu garanti a impressão da primeira tiragem. Ainda bem que eu tenho muitos amigos! (risos) Os melhores de todo o mundo!
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Leia aqui a apresentação de Sonhos que Vimos Juntos - Aproximações entre Psicanálise e Cinema.

PDF - https://drive.google.com/…/0B97m-MvprtXXUjlRcDJwSmZFS…/view…

KINDLE - https://drive.google.com/…/0B97m-MvprtXXZ1o4c0lsdjBiZ…/view…

EPUB - https://drive.google.com/…/0B97m-MvprtXXNGpSRVp1WFRtN…/view…

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Obra

(Brasil, 2014) Direção: Gregório Graziosi. Com Irandhir Santos, Lola Peploe, Julio Andrade.



Por João Paulo Barreto

Obra, longa de Gregório Graziosi com Irandhir Santos no papel do arquiteto João Carlos de Almeida Neto, traz em seu resultado final toda a precisão necessária que a profissão de seu personagem principal exige. É um filme extremamente técnico, com enquadramentos fixos e travelings contados nos dedos, opções de filmagem que restringem os movimentos de seus atores em cena e que, somados ao preto e branco de sua captação, poderiam refletir em um resultado áspero e isento de emoção. No entanto, o que temos é um filme cujo sofrimento físico e emocional do seu protagonista atinge em cheio o espectador.

Na história, o jovem arquiteto, às vésperas de se tornar pai pela primeira vez, enfrenta fortes dores oriundas de uma hérnia de disco hereditária, além do fato de que no local onde um dos maiores projetos de seu escritório será executado, foram encontradas ossadas de pessoas enterradas. Na investigação sobre a origem daqueles corpos, João Carlos busca respostas junto a seu pai e a seu avô moribundo, ambos arquitetos renomados, além de ser confrontado pelo mestre de obra sobre a origem daquelas ocultações e a relação das mortes com a sua família. 

Irandhir Santos e Julio Andrade: opostos de um mesmo ambiente

Graziosi acerta em sua escolha nos citados enquadramentos fixos já que em diversos momentos temos o personagem de João Carlos preso à sua incapacidade de locomoção por conta da hérnia e do conflito moral que ele agora vive. O momento em que o vemos se vestir após a colocação de um colete ortopédico e a forma como seus movimentos em cena ficam limitados ao campo de visão do espectador e ao espaço do cenário denota essa prisão. Apesar de tornar o uso dessa metáfora um tanto óbvia quando o coloca batendo cabeça nas paredes, o diretor consegue extrair um eficiente resultado desse estilo.

Suas roupas, inclusive, parecem salientar a tentativa de fuga do personagem perante a pressão que aquele momento de sua vida profissional, já agravada por sua condição delicada de saúde, traz. Enquanto se faria necessário no ambiente da obra o uso de equipamentos de segurança e vestimentas específicas para a insalubridade do local, João é visto em trajes que parecem excluí-lo daquele lugar, algo salientado ainda mais pela observação hostil do mestre de obras vivido por Julio Andrade, ao dizer que conhece todos os funcionários do lugar, mas é o nome de João Carlos que está na placa externa.

Com sua esposa grávida, João busca alívio de suas dores 
Outro ponto positivo do longa é a sensação de atemporalidade que nos é transmitida. Seja pela curiosa ausência de computadores do escritório de arquitetura do protagonista, no qual os profissionais precisam se debruçar sobre mesas com papel vegetal (em uma clara alusão ao modo como a hérnia o acometeu) até a forma como os prédios da grande São Paulo são enquadrados. É uma trama que parece não possuir uma época específica onde seus acontecimentos se passam. E isso, somado ao estilo de fotografia preto e branco e ao granulado de suas imagens, reforça ainda mais essa ideia.

A relação de João Carlos com a metrópole é algo também abordado pelo diretor de modo bem eficiente. A cidade parece pesar sobre seus ombros. Seja em momentos em que ele acorda com dores na coluna e a paisagem urbana na janela o acompanha enquanto se faz necessário deitar no chão por conta da dor, ou quando na já citada cena do ritual de se vestir, São Paulo está ao fundo, como a lembrá-lo das razões para que aquela necessidade se cumpra.

João Carlos e a exposição do prédio fadado a implosão: metáfora de sua própria vida
As imagens do edifício fadado a implosão que João Carlos utiliza em uma aula dada a jovens estudantes refletem bem o estado de espírito do protagonista. Com a imagem projetada, o arquiteto fala sobre as condições que o edifício 14 Bis em São Paulo foi deixado. Com pouca luz, visibilidade e milhares de pessoas vivendo em condições delicadas, a derrubada do lugar se tornará inevitável. Do mesmo modo, a queda do homem também parece ser o mais previsível dos futuros.

Trata-se de um longa repleto de metáforas e interligações muito bem construídas no sentido de relacionar o emocional de seu protagonista com seus passos, atitudes e buscas durante aqueles dias tortuosos. Mantendo suas atenções no projeto de sua obra e no restauro de uma igreja, João questiona durante alguns momentos de quem são as imagens sacras representadas no teto do lugar, algo que vemos, também, na sua tentativa de descobrir a identidades das ossadas encontradas no terreno.

É algo cujo peso rodeia sua família desde sempre e o diretor Gregório Graziosi consegue trazer à tona de forma sutil através da representação das cicatrizes que seus ascendentes trazem nas costas. Se em seu avô o problema da hérnia de disco deixou uma cicatriz que atravessa toda a extensão da coluna vertebral, em seu pai, esse ferimento é menor, algo que denota de forma perceptível as consequências dos atos perpetrados por aquela família ao longo dos anos. O peso citado atingiu em cheio o patriarca idoso, resvalou de forma menos impactante em seu filho e, agora, tem em seu neto João Carlos uma continuidade hereditária tanto biológica quanto psicológica e moral.

A chegada do seu filho, no entanto, pode significar uma saída para aquele pesadelo. Algo que é ilustrado de forma muito bela na cena em que o pai abraça a esposa e o pequeno rebento.

Ao subir dos créditos, Obra torna-se um filme que se propõe a abordar a relação do arquiteto com a profissão que ele escolheu para si, mas é o peso familiar e social que ela exerce sobre aquele indivíduo que mais se salienta.  


segunda-feira, 20 de julho de 2015

Bikes vs. Carros

(Bikes vs. Cars, Diversos países, 2015) Direção: Fredrik Gertten.



Por João Paulo Barreto

Sendo um ciclista em uma cidade do terceiro mundo onde os carros sempre foram priorizados em detrimento de qualquer outro meio de transporte, foi com surpresa que constatei os fatos apresentados no documentário Bike vs. Carros, produção conjunta entre diversos países, como Brasil, Estados Unidos, Dinamarca, Inglaterra, Holanda, Canadá e Colômbia.

O mais chocante de todos foi a postura do prefeito de Toronto, que assumiu publicamente que sua gestão não demonstraria nenhum apoio a construção de ciclovias, mas que, indo de encontro a todas as tendências desse século no aspecto urbanização, retiraria todas as ciclovias da cidade. O argumento? A culpa das mortes de ciclistas é deles, mesmos. Não haveria tantas fatalidades se não houvesse bicicletas no trânsito.
      
Se podemos encontrar claros sinais de um retrocesso cultural, político e organizacional em um país como o Canadá, o que esperar das soluções apresentadas no Brasil? Por incrível que pareça, em um país como o nosso, onde discursos plantados por uma mídia manipuladora fomenta pensamentos rasteiros e cegos de uma massa mal informada, as soluções no quesito incentivo ao uso das bikes vêm sendo apresentadas de modo crescente e, dada às devidas proporções, até satisfatório. Mas muitos avanços ainda precisam ser feitos.

A ciclista Aline Cavalcante nas ruas de Sâo Paulo
Em São Paulo, um dos principais grupos de ciclistas lutou durante muito tempo pela construção de uma ciclovia na Av. Paulista. Após a morte de um de seus membros no local (prensada por um ônibus), o atual prefeito da cidade que havia se comprometido com pautas acerca da mobilidade urbana, reestruturou toda a avenida para que pudessem ser instaladas faixas exclusivas para aqueles que usam as bicicletas para locomover.

Trazendo depoimentos de diversos personagens ligados direta ou indiretamente ao assunto, o documentário apresenta depoimentos pertinentes, como o da ativista Aline Cavalcante, responsável, juntamente com outros ciclistas, por diversas ações de conscientização pelo uso das bicicletas na capital paulistana. A mais importante foi o já citado alcance do projeto de ciclovia na Av. Paulista. Em uma de suas falas, Aline aborda tópicos como o tempo que perdia presa no trânsito durante o translado de casa ao trabalho/faculdade, sendo este um dos pontos principais na argumentação pelo uso prioritário das bikes no caótico e permanentemente parado tráfego paulistano.

Um dos trunfos do longa reside na apresentação de comparações entre os países visitados pela produção e na pesquisa relacionada com o uso de bicicletas em cada um deles. Notórias pela prioridade das magrelas, cidades como Copenhagen e Amsterdã se destacam, claro, nestas comparações. Na primeira, a produção acerta ao exibir o olhar de um morador que, não adepto às bikes, precisa conviver com a enxurrada de ciclistas que o “impedem” de circular tranquilamente com seu taxi pelas ruas. Outro ponto é o levantamento da atuação de lobistas em governos como o da Alemanha, em que Angela Merkel foi acusada de receber doações de veículos de luxo para que barrasse leis de incentivo ao uso das bikes em detrimento dos carros.

Copenhagen e suas prioridades em duas rodas no trânsito

Há, no entanto, faltas quando o filme não apresenta os mesmo dados referentes a situação das duas cidades européias como foi feito em Los Angeles ou São Paulo, locais onde o aumento de problemas de saúde no quesito doenças respiratórias é evidenciado na produção. Em relação a cidade da Califórnia, inclusive, impressiona o momento em que a quantidade de vias expressas e o número de veículos é levantado pelo documentário. Cidade que na primeira metade do século XX possuía a então maior ciclovia do mundo, hoje tem menos de 1% de sua população como usuários de bicicletas. Os Estados Unidos, aliás, possui menos ciclistas em todo o seu território do que a Dinamarca possui apenas em Copenhagen.

Na América Latina, um dos exemplos de cidades atuantes na inclusão do ciclismo como opção para resolver os problemas do trânsito caótico é Bogotá, na Colômbia. Após a gestão do prefeito Enrique Peñalosa, no começo dos anos 2000, houve a inserção de 300 quilômetros de ciclovias na cidade. Hoje, esse número alcança um total de quase 400 quilômetros. A personagem escolhida para ilustrar o ativismo no sentido de uma maior mobilidade urbana com bikes é uma professora que leva seus alunos em passeios assistidos pela cidade. Todos devidamente equipados com capacetes e monitorados pelos organizadores. Um hábito que, inserido na infância, vai refletir positivamente na vida de toda uma geração no futuro.

Momento de protesto contra a morte de um ciclista em Los Angeles
Curiosamente, ao ver a professora em seu discurso relevante e ações exemplares, foi impossível não pensar na falta de tato da produção nacional ao não orientar a paulistana Aline Cavalcante no exemplo do uso do capacete, da direção defensiva na necessidade de guiar a bicicleta no acostamento ao invés de entre os carros e nos riscos da utilização de fones de ouvido durante seu translado pela cidade.


Ao final, Bikes vs. Carros acaba sendo um documento de reflexão exemplar para uma sociedade que precisa parar de enxergar os carros como símbolos de status e tornar a utilização de bicicletas como algo básico.