quarta-feira, 30 de março de 2016

Zoom

(Brasil, Canadá, 2015) Direção: Pedro Morelli. Com Alison Pill, Gael Garcia Bernal, Mariana Ximenes, Claudia Ohana.


Por João Paulo Barreto

Zoom, novo trabalho de Pedro Morelli, (co-diretor do ótimo Entre Nós), apesar de não inovar em relação às suas inserções de animação através de seu processo de rotoscopia (efeito de animação anteriormente visto no filosófico Waking Life), capta bem a atenção do espectador por conta da metalinguagem contida em seu frágil roteiro, relacionando realidade dentro de realidade, algo que, dada às devidas proporções, lembra um pouco o conceito visto em A Origem.

Apesar da comparação de estilo com Waking Life, convém salientar que as semelhanças com o profundo filme de 2001 param por aí. Aqui, a partir de um roteiro bobo escrito pelo estreante Matt Hansen, Morelli até consegue captar a atenção do espectador por conta da percepção das camadas de suas histórias paralelas e, convenhamos, pela metragem mínima do filme (se fosse mais longo, não creio que isso seria possível), mas, ao final, a sensação que fica é de uma perda de tempo. O popular picolé de chuchu.

Bernal e sua atuação captada e transformada em animação pela rotoscopia
Na trama, somos levados pela história de uma funcionária de uma fábrica de bonecas sexuais e desenhista (Alison Pill) que, após receber uma crítica do colega de trabalho (e de sexo) acerca do tamanho dos seus seios, decide, do nada, gastar todas as suas economias em um implante de silicone. Nisso, desconta suas frustrações na sua criação quadrinística vivido por Gael García Bernal na pele de um conceituado diretor de cinema às voltas com as exigências do estúdio e com a repentina diminuição de seu pênis. Em paralelo, Mariana Ximenes vive a modelo que quer ser escritora, mas que, subestimada pelo namorado americano, volta ao Brasil desencantada. 

O sentimento é o de um filme vazio, que se confia demais na suposta originalidade de suas histórias cruzadas e interdependentes, brincando com a metalinguagem e com a tal inovação existente na animação em rotoscospia (que capta os movimentos dos atores para em seguida animá-los), mas que não encontra argumento em sua fraca história para sustentar sua proposta. 

Ao final, a sensação que temos é a mesma da personagem Marissa, chefe do estúdio que produz o filme dirigido por Edward (Bernal): é só isso? Esse é o final?

Preferível rever Mais Estanho que a Ficção ao chegar em casa do cinema.

Emma (Pill) e sua insegurança e personalidade influenciável ao extremo

terça-feira, 29 de março de 2016

Casamento Grego 2

(My Big Fat Greek Wedding 2, EUA, 2016) Direção: Kirk Jones. Com Nia Vardalos, John Corbett, Michael Constantine, Lainie Kazan, Elena Kampouris. 



Por João Paulo Barreto

Em 2002, o pequeno filme Casamento Grego, realizado a custo de caixa pela Play Tone, produtora de Tom Hanks, (custou US$5 milhões) faturou em todo o mundo a bagatela de US$368 milhões. Não seria de se estranhar se uma continuação abordando qualquer aspecto da peculiar família de Toula Portokalos fosse criada logo no ano seguinte, para aproveitar a acertada fórmula simples que cativou o público.

No entanto, passaram-se quatorze anos para que pudéssemos revisitar os carismáticos personagens e, surpreendentemente, a mesma fórmula voltou a funcionar. Ao recauchutar a ideia a partir de um novo casamento, a roteirista e protagonista Nia Vardalos preferiu fugir da armadilha óbvia de abordar um matrimônio envolvendo sua filha. Aqui, ela traz o destaque para seus pais, cujas peculiaridades já conhecíamos, tendo sido uma grata surpresa observar como novas bodas (ou as primeiras, como o roteiro brinca) entre o casal de idosos gerou a mesma graça do seu predecessor.
Novos membros e a velha turma: revisitando as piadas certeiras
Se antes tínhamos na descoberta das excentricidades daquelas pessoas as razões para os risos, desta vez é no reconhecimento das mesmas e, claro, na percepção de outras, que reside a graça dessa nova versão para mais um casamento. Desde a sua abertura, com o uso de certo limpa vidros milagroso, percebe-se o tom de brincadeira com os elementos inseridos no primeiro filme. Logo em seguida, vemos como os filhos de Gus (Michael Constantine) decidiram permanecer ao lado dos pais de modo literal, com o velho grego buscando os netos nas duas casas vizinhas à sua. As gags visuais refletindo o longa anterior, de fato, dão certo. 

Mas o filme não poderia se sustentar por 90 minutos se viesse a se basear somente em homenagens e reciclagens de piadas anteriores. Utilizando o envelhecer de seu elenco e as mudanças tecnológicas que os quatorze anos entre as produções trouxeram, o roteiro de Vardalos brinca com o impacto que smatphones e tablets têm nos parentes mais velhos, bem como utiliza bem o efeito desse mesmo passar do tempo nos seus personagens (a recorrente piada envolvendo poses para fotos e pescoços que o diga). 

Nova geração mas sem casamentos: Toula e sua filha, Paris
Do mesmo modo, o filme se atualiza de forma positiva ao abordar um posicionamento ativo da mulher na sociedade atual, bem como traz de modo válido a ideia de aceitação de um ente querido independentemente de sua opção sexual. E isso dentro de uma conservadora família como a que já havíamos sido apresentados há quatorze anos é algo por demais surpreendente. 

Casamento Grego 2 pode não alcançar o mesmo êxito conseguido pelo seu original, afinal, a competitividade no cinema hoje em dia difere bastante daquela de 2002, mas como projeto, há de se reconhecer os méritos de suas intenções e, claro, seu planejamento ao decidir por abordar um tema tão simples, e ao mesmo tempo certeiro, após tanto tempo.

Mas, enfim, vamos torcer para que fique somente nessa continuação.
   
"No três, você puxa meu pescoço pra trás; Um, dois..."

segunda-feira, 28 de março de 2016

Voando Alto

(Eddie the Eagle, 2016, UK, EUA) Direção: Dexter Fletcher. Com Taron Egerton, Hugh Jackman, Christopher Walken.



Por João Paulo Barreto

”Filme formador de caráter.” O curador e cineclubista Rafael Saraiva tem uma definição bastante pertinente para o clássico Rocky – Um Lutador, pérola escrita e estrelada por um jovem Sylvester Stallone em 1976, cujo personagem título o acompanhou por sete filmes (até o mais recente - e também fascinante - Creed).

São aqueles tipos de longas que, apesar de parecerem manipuladores do público em mensagens positivas que podem soar rasas, acabam por entregar em seus resultados finais reflexões palpáveis acerca do foco, objetivo e resiliência que as pessoas precisam ter durante suas vidas no intuito de se realizar os próprios sonhos.

Ok, o último parágrafo poderia ilustrar um livro de autoajuda bem barato, daqueles que encontramos no balaio do sebo da esquina, mas, clichê ou não, é justamente esse tipo de sentimento que obras como Voando Alto despertam nas pessoas. No entanto, friso: sabemos quando estamos sendo manipulados de forma barata e com o único intuito de fazer escapulir aquela lágrima no clímax do filme. Não é o caso aqui. E a frase que abre esse texto define bem a história de Eddie, a águia.

Bronson tenta convencer Eddie da loucura de sua meta
Baseado em fatos reais, a trama traz Eddie Edwards, a águia do título original, que partiu para os invernais jogos olímpicos do Canadá em 1988 no intuito de defender a Inglaterra, seu país natal, na modalidade de salto com esquis, esporte que requer anos de prática, mas que ele começou a treinar poucos meses antes. Seu treinamento se deu em uma estadia na Alemanha, local onde conheceu o ex-campeão, e agora alcoólatra e limpador de pistas, Bronson Peary (Hugh Jackman), que, inicialmente decidido a não treinar o rapaz, tenta convencê-lo do perfil suicida de seus atos. 

O filme causa impacto demonstrando os riscos de morte que o esporte possui ao criar as sequências de acidentes sofridos tanto pelos profissionais e medalhistas na modalidade, quanto ao mostrar o próprio Eddie despencar pelas rampas de salto e passando meses hospitalizado. Sim, a obra aborda bem a questão do sonho vivido pelo rapaz, mas sabe colocar de forma prudente o contundente freio nas intenções de qualquer um que deseje fazer o mesmo.

Demonstrando uma total e acertada fragilidade em sua composição para o papel, Taron Egerton consegue captar bem a postura insegura, mas determinada do verdadeiro Eddie Edwards. Com os óculos de armação grande e de alto grau, postura levemente curvada, voz sem muito impacto e mãos inquietas, o jovem inglês surpreende, principalmente pelo fato de que o espectador deve lembrar de sua presença totalmente oposta na aventura Kingsman, de 2014.

Eddie e seu momento da verdade
Já Hugh Jackman usa bem seu porte físico e contraste com a insegurança de Eddie para construir um personagem durão no papel do técnico Bronson Peary. Com um histórico conturbado, quando fez parte, na década de 1970, da equipe americana do esporte, a figura de Peary encontra espaço no filme para um drama pessoal disfarçado na presença de sua dependência alcoólica e na real magoa que possui pelos erros de sua juventude rebelde ter lhe trazido implicações na sua fase atual. 

Jackman veste bem a sua persona de combalido e experiente, mas não vencido, ex-atleta. E o filme capta de modo eficiente essa experiência, inserindo uma ótima cena no qual vemos o turrão encarar a maior rampa em uma sequência que, apesar de claramente criada em CGI, empolga.

Do mesmo modo que obras como Duelo de Titãs, Rudy e o próprio Rocky, Voando Alto consegue transmitir bem sua intenção, levando ao espectador uma mensagem que, apesar de parecer ingênua em dias cínicos como os atuais, faz realmente a diferença.

Não se envergonhe se uma lágrima rolar junto com os créditos finais.

Momento de catarse nos jogos Olímpicos

quinta-feira, 24 de março de 2016

Batman vs Superman - A Origem da Justiça

(Batman v Superman – Dawn of Justice, EUA, 2016) Direção: Zack Snyder. Com Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Diane Lane, Jesse Eisenberg, Laurence Fishburne, Jeremy Irons.


Por João Paulo Barreto

Um dos grandes méritos na escolha da abordagem dos roteiristas Chris Terrio e David S. Goyer para a história de Batman vs Superman – A Origem da Justiça está na sua premissa quase que exclusiva para a ideia dos deuses entre nós. Ao inserir os delírios de um Lex Luthor terrorista no aspecto da discussão da necessidade dos superseres caminhar entre os seres humanos, o filme de Zack Snyder acerta por trazer uma discussão pertinente e, até onde pode, calcada no real a um universo fantasioso.

Desde a sua abertura, com os créditos iniciais sendo inseridos de maneira sóbria (e com mais uma dramatização da morte dos pais de Bruce Wayne, friso) percebe-se uma tentativa de se criar um tom diferenciado para a obra. Não a ponto de se negar como um filme de super herói, mas conseguindo criar uma ambientação que condiz com um universo soturno, mais relacionado à Gotham do morcego do que à ensolarada Metropolis do homem de aço, por mais absurdamente próximas geograficamente que as cidades possam parecer na trama.

Infelizmente, após desenhada esta perspectiva, Snyder parece ter se sentido por demais à vontade para abordá-la com a habitual grandiloquência e apetite para destruição na execução do longa. De modo curioso, o filme se mantém fiel à sua boa premissa original durante grande parte de seu ato inicial, quando vemos crises com nações do oriente médio e ataques terroristas em Washington sendo inseridos de modo satisfatório na trama. Porém, as coisas não tardam a desandar.

Kent, Luthor e Wayne: antagonistas que fingem não saber os segredos uns dos outros
Com uma proposta inicial de desenvolver a revolta de Bruce Wayne pela insegurança que sente diante da presença de um alienígena poderoso capaz de dizimar cidades e sua busca por um meio de controlá-lo, o longa cria uma ambientação interessante de espionagem, o que contribui para uma diferente abordagem. Quando vemos Wayne adentrar a festa de Luthor sendo guiado por Alfred em uma escuta enquanto tenta localizar um servidor on line para rastrear dados do jovem magnata, nota-se essa estrutura de modo satisfatório. 

Da mesma maneira, o filme acerta na inserção dos brinquedos tecnológicos do Batman, a começar pela estrutura da batcaverna, que, apesar de mais fantasiosa do que a proposta por Christopher Nolan em seus trabalhos, aqui não deixa de impressionar por seu aspecto de base militar. A começar, claro, por seu acesso através do lago circundante na Mansão Wayne e a todo túnel subterrâneo que o leva até o lugar. De fato, aqui se faz necessária a suspensão da descrença, principalmente quando observamos a natureza real que o local possuía na trilogia anterior.

Ainda em relação a presença deste personagem, os recorrentes usos de seus sonhos para ilustrar previsões de um futuro sombrio são um espetáculo visual deveras impactante, mas caem no previsível e na mesmice por não desafiar o espectador. Ao vermos uma terra devastada (e uma suposta marca ômega oriunda do vilão Darkseid), sabemos se tratar de uma realidade imaginada por Bruce Wayne, mas o recorrente uso deste artifício narrativo enjoa.

Futuro sombrio e a marca de Darkseid anunciando novos rumos 
Em Batman vs Superman, há um desprendimento dos seus heróis no quesito da violência. Obviamente, os leitores de quadrinhos já conheciam a base do personagem mascarado oriunda do título escrito por Frank Miller, no qual um perfil mais sádico do herói era visto. Batman, aqui, tortura os homens que cruzam seu caminho e parece gostar disso. Bruce Wayne é uma esponja a absorver álcool, o que, juntamente com seus cabelos grisalhos, representa bem a ideia de que já são vinte anos combatendo o crime na noite de Gotham. 

Tal perfil escolhido acaba encontrando ecos na presença curiosamente mais soturna do homem de aço, que, dessa vez, é capaz de ameaçar com sua visão de calor um ser humano da mesma forma que não hesita em usar sua força para, provavelmente, quebrar boa parte dos ossos de outro ao levá-lo de encontro a uma parede quando este coloca Lois Lane como refém. São novos tempos, novas circunstâncias, e a opção de Zack Snyder para a violência representa bem isso, gerando uma válida contradição com ideia de que seria o homem de capa vermelha um deus.

ATENÇÃO! OS TRECHOS A SEGUIR POSSUEM SPOILERS. 

Porém, quando o tom sóbrio do embate entre os dois protagonistas do título sobe para algo mais escancarado com a inserção do vilão Apocalipse, aqui criado a partir do corpo do general Zod e com o DNA de Luthor, a impressão que fica é de algo realmente além da conta. Da mesma forma, o roteiro falha ao forçar uma relação instantânea entre Batman e Superman, quando este, já praticamente derrotado pelo humano e combalido pela radiação kriptoniana, profere o nome da refém de Lex, Martha Kent (ao invés de chamá-la de mãe), uma vez que este também é o nome da progenitora de Wayne.

Toda a batalha envolvendo a tríade, que, a essa altura, conta com a Mulher Maravilha no grupo, condiz com o perfil megalomaníaco da direção de Snyder. O aspecto exagerado de sua batalha encontra paralelo com a abordagem vista na destruição da cidade durante o primeiro filme, porém, as consequências aqui ultrapassam qualquer aspecto visto anteriormente. Desde a opção de usar ogivas nucleares no espaço até a aparição de uma suposta versão Bizarro do Superman, o ritmo do filme entra em modo catártico, mas não no lado positivo da palavra. Já imaginava que, ao optar pelo vilão Apocalipse (aqui uma cópia do trol das cavernas dos estúdios Weta, de O Senhor dos Anéis), os roteiristas poderiam querer abordar A Morte do Superman, crucial momento dos quadrinhos nos anos 1990. Porém, a ideia acaba sendo muito mal utilizada.

Apocalipse em sua versão digital: aproveitado da única forma possível
A começar por sabermos se tratar de um artifício frágil e descartável para chocar o espectador de forma superficial, sendo que não é difícil prever que o personagem voltará para o próximo filme. Além disso, o roteiro erra ao inserir a morte também de Clark Kent e até mesmo seu funeral. Como poderá ser explicado seu retorno à vida? Ao menos em sua versão impressa, seu alter ego era dado como desaparecido, enquanto era o corpo do Superman a ser colocado em uma tumba. 

O filme deixa pontas soltas incômodas neste sentido, ofendendo a inteligência do público. Vale citar que a forma atropelada com que os outros personagens a compor a Liga da Justiça é inserida, não colabora com a naturalidade de sua proposta. Em um aspecto de análise fora do filme, percebe-se como o planejamento da Marvel na apresentação de seus elementos no cinema fez falta à DC Comics.

Porém, não vale mais a pena discutir esse ponto. O estrago já foi feito e resta esperar que, pelo menos em seus futuros filmes, possamos esperar algo mais factível e de acordo com um respeito ao intelecto de sua audiência, que, sim, não é composta apenas por fanboys.

Os heróis em sua pose clássica


quarta-feira, 23 de março de 2016

A Luneta do Tempo

(Brasil, 2015) Direção: Alceu Valença. Com Irandhir Santos, Hermila Guedes, Hélder Vasconcelos, Ari de Arimateia.


Por João Paulo Barreto

Quando um artista consagrado em outro campo resolve trilhar outras experiências e se arrisca no audiovisual, é comum crer que uma suposta vaidade do sucesso pode ter lhe subido à cabeça e a necessidade primordial de provar-se capaz e talentoso também na direção cinematográfica lhe impedirá de alcançar este intento.

Felizmente, não é o caso aqui. Com poucos, porém inofensivos vícios na direção, como o constante uso de fades entre um corte e outro, ou a opção de utilizar o banal efeito de câmera reversa para ilustrar determinado clímax do filme, Alceu Valença, distante de grandes ambições, entregou em seu resultado final um trabalho bem amarrado além de uma pequena, mas não menos bela homenagem a diversos elementos não só da cultura nordestina, bem como da circense.

Do mesmo modo que Selton Mello o fez em seu O Palhaço, o cantor consegue criar em seu longa de estreia uma tenra homenagem a uma cultura cuja força se encontra no simples, no lúdico, naquilo que, para realmente se perceber, se faz necessário uma observação cálida e uma valorização atenta do imaginário popular. Quando se resolve homenagear o circo, há um risco de se cair no preciosismo. Há um risco de acabar se copiando mestres como Fellini, cujas obras Os Palhaços e A Estrada da Vida conseguiram criar símbolos precisos do que é viver naquela itinerância.

O próprio Alceu e o encontro trágico entre o real e o imaginário no picadeiro
Alceu Valença, no entanto, preferiu ir além. Em sua mistura, ele trouxe um emaranhado de símbolos da cultura local. No seu circo comandado por europeus, ele inseriu a literatura de cordel. A partir de tão vasto universo, o leque de possibilidades de seu texto se estendeu. E, como um profundo conhecedor de sua região natal e somando dois tão intrínsecos elementos, conseguiu, em A Luneta do Tempo, criar um tributo ao que se convencionou chamar de cancioneiro popular nordestino. E, tenha certeza, isso não é simples.

Ao inserir nesta mistura a história de Lampião, Maria Bonita e seu bando de cangaceiros, mais um símbolo desse folclore real se soma. Equilibrando a tragicidade da história de seus protagonistas com a riqueza do que se encontra nos causos contados em cada birosca representada pelo filme, Alceu Valença conseguiu uma proeza: a de exibir a monstruosidade dos atos de ambos os lados, seguidores da lei e dissidentes, sem necessariamente apontar culpados.

Sim, sabemos das atrocidades cometidas por Virgulino Ferreira (cuja brilhante escolha de seu interprete, Irandhir Santos, reflete a intensidade da performance) e seus cúmplices. Sim, sabemos da vilania com que o governo de Vargas e, subsequentemente, sua polícia tratava o povo do nordeste à época. Mas, aqui, não cabe encaixar nenhum dos dois lados como mocinhos ou como bandidos. O que coube ao roteiro de Valença foi utilizar este pano de fundo como o elemento ideal para homenagear a cultura de um tempo que pode se perder.

Maria Bonita e Lampião observam o tempo de suas vidas

E é justamente disso que se trata. De uma simples e bem sucedida homenagem. No melhor uso da palavra, saudosista. Mas eu não seria ingênuo em classificar o tempo do cangaço como saudosista. Ao classificar a obra assim, refiro-me apenas, como já citei antes, ao impacto de seu simbolismo junto às pessoas. De um período que, somado à presença de outros ícones como Luis Gonzaga, encontra seu lugar juntamente onde merece estar: no imaginário de seu povo. 

Sem obras como A Luneta do Tempo, de fato, tais símbolos de um rico e sofrido nordeste correm, infelizmente, o risco de se perder nas mesmas lentes que Lampião usou para observar seu triste e trágico passado.

terça-feira, 22 de março de 2016

Cine Avuadora em Valença - BA

Em visita a mais uma cidade do interior da Bahia, a itinerância do Cual e seu Cine Avuadora chega a Valença, no baixo-sul do estado



Continuo a reafirmar aqui a não idealização romântica do cinema quando se trata do alcance que projetos como o Cine Avuadora possuem. São sessões realizadas em itinerâncias pelo interior do estado, muitas vezes em cidades cujo alcance do cinema é mínimo e as possibilidades de se apresentar às pessoas produções do audiovisual baiano são bastante restritas, mesmo em tempos de internet.

O que pude comprovar no último final de semana, desta vez na cidade de Valença, no baixo-sul do estado, foi o quão válido e importante é o diálogo aberto pelo Coletivo Urgente de Audiovisual – CUAL. Na exibição de curtas metragens recentes produzidos aqui na Bahia, uma concretizada tentativa de se criar uma ponte com o público acerca de tais obras, além de uma generosidade constante na ideia de dividir conhecimento em um workshop gratuito no âmbito da produção cinematográfica. 

Junto com Amanda Aouad durante o debate no pós sessão
Na tela, curtas como "Dançando, mas tô andando", de Marcondes Dourado; "Doido Lelé", de Ceci Alves; "Menino do Cinco", de Marcelo Matos e Wallace Nogueira; "O velho e os três meninos", de Henrique Filho, “O Cadeado”, de Leon Sampaio e "O Menino Invisível", de Murilo Deolino, Danilo Umbelino e Uiran Paranhos. Todos a criar uma excelente rima em suas discussões no que tange ao lúdico, às vezes sofrido, não raro sufocante, universo infantil.

A seleção dialogou muito bem entre si e com os espectadores presentes no centro de cultura do município. Ao criar argumentos para a reflexão acerca do social, do familiar e do escapismo, a cuidadosa curadoria realizada pelo coletivo teve um importante êxito, uma vez que, no pós sessão, o diálogo gerado com os presentes pôde trazer esclarecimentos não somente para o público, mas também para aqueles que estavam ali na função de mediadores desta conversa, no caso eu e a colega de crítica Amanda Aouad, editora do site CinePipocaCult.

Dúvidas e observações pertinentes levantadas pelos presentes
Em um bate bola empolgante, foi interessante observar a vontade de alguns dos presentes em conhecer mais a fundo a estrutura do fazer cinematográfico, partindo da base do roteiro até chegar à fragilidade do cenário nacional no quesito distribuição. Abordando justamente o fato de que diversas produções que merecem representar o audiovisual do Brasil não chegam às telas por conta de um sufocante domínio de produtoras como a Globo Filmes, dentre outras, o cineclube deste final de semana trouxe questões pertinentes acerca de qual é, na realidade, o verdadeiro cinema brasileiro.

E é justamente esse diálogo o ponto mais recompensador do projeto. Se conseguirmos fazer com que ele aconteça, nem que seja ao menos com um dos presentes à sessão, já terá valido a pena.

E foi muito mais que o Cine Avuadora conseguiu, de fato. 

Meu muito obrigado a Ramon Coutinho, Marcus Curvelo (El Duderino), Danilo Umbelino, Bianca Muniz e Carlos Baumgarten pelo convite para fazer parte de tão válido projeto. 

Vida longa.

Foto com a galera ao final de mais uma sessão: turma boa!

segunda-feira, 21 de março de 2016

O Jovem Messias

(The Young Messiah, EUA, 2016) Direção: Cyrus Nowrasteh. Com Adam Greaves-Neal, Sean Bean, Sara Lazzaro, Vincent Walsh, Rory Keenan, Christian McKay.


Por João Paulo Barreto

Garoto com superpoderes sofre bullying enquanto é acusado pelo valentão e aparente dono da rua de brincar com meninas. O tal grandalhão e brigão do pedaço quer demarcar território e procura confusão com o menino abordando-o de forma violenta. Após correr atrás da amiga do garoto que tentava defendê-lo, acaba recebendo o que merece.

Parece um plot de algum episódio de Smallville, série que abordava a juventude do herói que veio a terra para salvar a humanidade. Mas, não. Esse é o inicio da história de O Jovem Messias, mais um filme da Páscoa feito para agradar em cheio um segmento específico do público. Porém, diferente da estreia de duas semanas atrás, Ressurreiçãotemos aqui uma suposta originalidade na busca de um recorte da infância de Jesus Cristo, em cujo primeiro enquadramento em cena, claro, já aprece em uma óbvia moldura com a luz do sol.

E, sim, não há como negar a originalidade de sua premissa, uma vez que esta é uma fase da infância do profeta que foi pouco vista no cinema. A ideia de abordar a fuga dos judeus para o Egito por conta das perseguições do governador da Judeia, Herodes, que ordenou o extermínio das crianças devido ao rumor do nascimento de um messias, e o retorno de José, Maria e Jesus para Jerusalém, possui contornos cinematográficos, de fato.

A criança Jesus antes do peso do mundo
Os elementos estão todos ali. A busca pelo garoto cujos rumores dizem ter trazido de volta da morte outro menino que morreu ao tropeçar em uma maçã (!) atirada por satanás (!!) em cuja cena o longa não conseguiu sequer denotar a violência da queda ou qualquer ferimento na cabeça; a perseguição dos centuriões cuja lealdade para com o militarismo parece sempre muito frágil e sendo colocada à prova em todo momento; a curiosidade que todos devem possuir em saber como deve ter sido a relação familiar de Jesus, o revolucionário que desafiou o império romano. Enfim, a velha receita dos filmes que vemos entrar em cartaz nessa época. 

No entanto, o modo como o roteiro escrito pelo próprio diretor Cyrus Nowrasteh e por Betsy Giffen Nowrasteh (dupla responsável pelo incrível O Apedrejamento de Soraya M., de 2008) se excede no melodrama fácil e na utilização demasiada de temas musicais para manipular a emoção do espectador, incomoda por demais. Talvez por reconhecer a fragilidade de seu grupo de atores, cuja carência de boas atuações é notória, a trilha incidental seja tão utilizada na tentativa de se captar o sentimento que o seu elenco não consegue transmitir.

A começar por um afetadíssimo Herodes, cuja presença em cena se resume por gritos e pela desconfiança de se enxergar cobras por todos os lados. Na tentativa de dar certa profundidade ao personagem, o diretor optou por valorizar o fato deste estar sempre descalço, algo demonstrado pelos repetidos enquadramentos de seus pés, mas que, ao final, nada significa. O mesmo se pode falar de Rory Keenan, ator escolhido para viver Satanás, cuja cena principal na obra se perde por um histrionismo irritante.

O centurião Severus (Bean) se depara com o jovem messias 
Como não poderia deixar de haver, o filme traz um alívio cômico, aqui representado pelo tio de Jesus, Cleopas, irmão de Maria. Confesso que tal personagem até me agradou em sua função de fazer rir, principalmente no momento em que tem um abraço recusado pelo próprio filho, Tiago (ou James, na versão original). Já este possui um arco cuja inserção na história não diz a que veio, uma vez que toda e qualquer tentativa de se utilizar o ciúme sentido pelo garoto em relação a toda atenção especial recebida por Jesus não encontra ecos no roteiro. 

Mas, como não poderia deixar de ser, a escolha do elenco tem em seu erro principal a escalação de atores em sua maioria britânicos. A começar pelo protagonista. Com sotaque carregado, Adam Greaves-Neal até tenta trazer para sua interpretação o peso dramático que viver Jesus exigiria, mas sua voz inconfundivelmente britânica prejudica a verossimilhança de sua atuação, que já caminhava em um terreno frágil por conta de sua aparência caucasiana e diversa do povo do oriente médio, local onde nasceu o messias.

Sean Bean, porém, acaba entregando em sua performance aquilo que já conhecemos bem após vê-lo em trabalhos como O Senhor dos Anéis e Game of Thrones, o que não prejudica em nada o filme.

Apesar de inofensivo em sua função, O Jovem Messias ao menos nos traz uma explicação verbal dada pela própria Maria para a polêmica história da concepção sagrada. Não encerrou as dúvidas para com a ideia tão questionável de sua gravidez, mas ao menos já é alguma coisa.

E pensar que o longa tem como base um livro de Anne Rice..

Maria explica para Jesus a história de seu nascimento

quinta-feira, 17 de março de 2016

Visões do Passado

(Backtrack, EUA, 2015) Direção: Michael Petroni. Com Adrien Brody, Sam Neill, Robin McLeavy.



Por João Paulo Barreto

Trama de sustos fáceis e de manipulações da atividade cardíaca do público usando explosões sonoras para ampliar (ou até mesmo criar) momentos de tensão, Visões do Passado é o tipo de obra que gera uma pergunta na mente de um espectador mais atento: ainda há espaço para esse tipo de artifício?

Em tempos nos quais filmes como A Bruxa conseguem criar uma atmosfera de suspense horripilante através, em alguns momentos, da sugestão do terror e sem a necessidade explicita de manipular o som para incomodar os presentes na plateia, foi curioso antecipar, em Visões do Passado, cada uma das cenas em que uma nota sonora de impacto seria utilizada para criar esse efeito.

Claro, não sou ingênuo em achar que uma das marcas do cinema de terror e suspense seria, de repente, retirada de utilização. Afinal, criou diversos momentos antológicos no cinema e consolidou obras marcantes para várias gerações. Alguns dos filmes do Jason Voorhees, diversos trabalhos do Wes Craven, a lista é grande. É um artifício que sempre será utilizado, mas que, ao menos atualmente, representa uma falta de originalidade dos realizadores que baseiam os efeitos de seus filmes nesta opção.

Psiquiatras em sessão: Peter procura ajuda de colega para superar traumas

Em todo caso, o filme estrelado por Adrien Brody até consegue aproveitar bem sua atuação no papel de Peter, um psiquiatra e pai atormentado pela perda da filha pequena em um atropelamento. Talvez pela sua expressão eternamente melancólica, Brody convence neste tipo de papel. A partir de consultas em um consultório de um colega (Sam Neill em participação descartável) e da presença de uma suposta paciente mirim que o visita, ele começa a se deparar com lembranças de sua adolescência que podem explicar seus tormentos atuais.

Neste ponto, a trama se revela como uma investigação de um caso do passado (justificando, claro, seu título) e a ideia de personagens fantasmas que pensamos ser reais é mais uma vez utilizada. Dessa vez, sem a necessidade de um impacto surpresa para o público, uma vez que tal fato é revelado antes da metade do longa. Ou seja, sem spoilers aqui.

Um acontecimento trágico envolvendo o adolescente Peter em sua cidade natal o leva de volta ao lugar, a qual somos apresentados em flashbacks curiosos pela observação do quão diferente é o garoto escolhido para sua versão adolescente. Neste retorno, ele busca por paz interior ao precisar admitir a culpa em um acidente que acha ter causado. O momento em que ele a admite a uma policial cuja mãe morreu em tal acidente causa certo constrangimento pela expressão de alívio em seu rosto ao ouvir que o máximo que ele poderia ser acusado era de negligência.

Reencontro com o passado: sustos fáceis
Ora, é realmente necessário criar esse tipo de confronto emocional raso para um personagem que, apesar de não ser bem desenvolvido em sua trajetória, apresentaria um bom potencial caso esta fosse uma história não tão simplória? É subestimar demais a inteligência do espectador ao levá-lo a acreditar que aquela seria a resolução para tal arco dramático. 

Claro que, após isso, toda a verdade por trás do acidente que o traumatizou é revelada no melhor estilo episódio do Scooby Doo, com a descoberta do vilão por trás de tudo sendo feita, com a sua presença no local sendo revelada e, no caso deste filme, com a inserção sobrenatural sendo bem real e comprovada pelos outros sustos artificiais que seremos obrigados a ter.

Os filmes de Wes Anderson com Adrien Brody poderiam ser mais frequentes. Pelo menos ali, seu talento não é subutilizado.



terça-feira, 15 de março de 2016

Ressurreição

(Risen, EUA, 2016) Direção: Kevin Reynolds. Com Joseph Fiennes, Tom Felton, Peter Firth, Cliff Curtis.


Por João Paulo Barreto

Tempo de Páscoa. No ano em que os tentáculos de certa indústria religiosa alcançou as telas dos cinemas nacionais, levando (ou pelo menos anunciando ter levado) milhares de fiéis, digo, espectadores às salas, uma sessão de um filme chamado Ressurreição que aborda a história do símbolo católico Jesus Cristo te deixa com um pé atrás.

Mas aí você lê que a direção é do Kevin Reynolds, o cara que nos trouxe coisas bem válidas como Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões, O Conde de Monte Cristo e (vá lá) Water World – O Segredo das Águas. Além disso, tem o Joseph Fiennes, que, apesar de não ser o ator mais representativo a levar o sobrenome, pelo menos se esforça em projetos interessantes. Vendo isso, sua fé (sem trocadilhos) até se renova para começar a sessão. Ledo engano,

Mesmo com todos os sinais, Ressurreição não chega a ser um desastre. Em seus aspectos técnicos, é até bem sucedido com bons cenários, desenho de produção crível do período e boas atuações. Sua premissa também levanta certo interesse por, ao menos inicialmente, se manter dentro de uma análise pragmática da famosa ideia de um homem que volta à vida após três dias em uma tumba.

Clavius questiona sua própria opção de crença
Sim, no começo, somos levados a achar que aquele poderá ser um longa que vai avaliar a questão dentro de um olhar de distanciamento religioso, sem descambar para a tentativa escancarada de evangelização do espectador (algo que Mel Gibson já havia feito em 2004 com bastante sadismo). E é isso que o filme, de fato, parece fazer. Ao menos inicialmente.

Na trama, o tribuno Clavius (espécie de comandante romano) vivido por Fiennes responde diretamente ao governador da Judéia, Pôncio Pilatos, que, pressionado pelo sumo sacerdote judeu e preocupado com os rumores de que a recém morte de Jesus contribuirá na mitificação do homem segundo o anúncio de sua volta ao mundo dos vivos em três dias, ordena que sua tumba seja selada.

Após o esperado desaparecimento do corpo, Clavius se torna responsável pela busca do cadáver a fim de evitar que a ideia de um messias possa ameaçar o império. Neste desenvolvimento, o longa parece, de fato, se apoiar em ideia críveis, deveras factíveis, o que torna o desenvolvimento dos seus dois primeiros atos bem convincentes, com a ideia de se exumar corpos e procurar o tal ladrão a ilustrar de modo razoável as decisões do tribuno. 

Boas cenas de batalha dão o tom inicial do filme
Porém, é justamente a partir desse momento que o filme descamba para uma tentativa dramática de convencer o espectador acerca das mudanças de seu protagonista, um comandante militar treinado física e psicologicamente, mas que se vê facilmente corrompido pela ideia de que, de fato, há um messias e que deve segui-lo. 

Neste ponto, preciso esclarecer que esta análise não visa criticar a fé alheia ou a ideia de que, se real, a opção do personagem seria ou não equivocada. Mas, sim, o fato de que o filme erra quando opta por deixar de lado uma discussão que poderia ser bem mais profunda se abordasse aquela história a partir de uma óptica, volto a usar essa palavra, pragmática. Cientifica se for o caso.

Ao se propor a inserir a visão de um personagem incomum a todo aquele contexto, o roteiro de Reynolds e Paul Aiello trouxe para si uma responsabilidade louvável, que poderia acertar em cheio na originalidade de sua abordagem se baseando no lado crível daquele acontecimento. No entanto, com o apelo dramático do discurso religioso, preferiu permanecer em sua zona de conforto, sabendo agradar em cheio seu público alvo e perdendo uma excelente oportunidade de trazer uma discussão bem mais interessante do que a já manjada história que preferiu (re)contar.

Enfim, não é sempre que obras como A Última Tentação de Cristo surgem e nos trazem reflexões mais profundas.

Em tempo: finalmente um Jesus próximo fisicamente ao que realmente deve ter existido se observado o local onde nasceu o profeta. Cliff Curtis convenceu bastante na pele do homem. Só faltou que a escolha do elenco tivesse mais apuro e não escalasse atores com tão carregados sotaques ingleses. Nada menos convincente, excetuando, claro, a ideia de um homem voltar à vida três dias depois. Ops.  

Cliff Curtis e sua presença física que complementa bastante a figura do profeta

segunda-feira, 14 de março de 2016

Presságios de um Crime

(Solace, EUA, 2015) Direção: Afonso Poyart. Com Anthony Hopkins, Colin Farrell, Jeffrey Dean Morgan, Abbie Cornish.


Por João Paulo Barreto

Quando, em 2012, 2 Coelhos chegou às telas, fomos surpreendidos com um frescor narrativo que, apesar de não ser novidade no cinema, era muito novo no que até aquele momento era feito no Brasil. Com uma montagem rápida e dinâmica somada a uma história simples, mas que contada dentro de diversos flashbacks e com uma roupagem pop e frenética, junto a uma excelente trilha sonora, o roteiro de Afonso Poyart casava perfeitamente com o modo que ele escolheu dirigi-lo. Claro, havia Cidade de Deus, mas a roupagem pop de 2 Coelhos era, sim, única por aqui.

Era um tanto óbvio que o mercado estadunidense observasse com atenção o diretor e o convidasse para filmar em terras ianques. No entanto, a expectativa de rever o talentoso brasileiro se destacar novamente não se cumpriu.

Dean Morgan e Hopkins: policial e médico trabalham juntos  
Debruçando-se sobre uma história de linhas paranormais e contando com as presenças de atores de peso como Anthony Hopkins e Colin Farrell, Poyart trouxe em Solace (que no Brasil recebeu o óbvio título de Presságios de um Crime), uma trama que, diante da proposta do peso dramático de sua narrativa e da possibilidade de explorar atuações como a da dupla citada, não carecia de um diretor cuja vontade de imprimir uma marca em cada take fosse levada como meta.

Na trama, um médico com um passado traumático (Hopkins) é requisitado por amigo policial (Morgan) na investigação de uma série de assassinatos. Com poderes paranormais que o permitem enxergar o passado e o futuro, Dr. John Clancy consegue investigar cenas de crimes com uma exatidão única.

Com a possibilidade de um trabalho sóbrio, sem firulas, focando em deixar as atuações se sobressaírem diante da direção, Poyart preferiu imprimir em cada quadro de seu filme um sinal para o espectador perceber que havia alguém com talento por trás daqueles movimentos de câmera. E não são poucos. Tantos que chega um momento em que o foco no drama representado na cena se perde diante da necessidade observá-los.

Agentes Joe Merriweather e Katherine Cowles

Tomo como exemplo o momento em que os personagens policiais de Jeffrey Dean Morgan (Joe) e Abbie Cornish (Katherine) questionam um suspeito. Inexplicavelmente a câmera gira ao redor da mesa, extraindo qualquer tensão que a cena poderia trazer dentro de uma sala de interrogatório. Em outro ponto, quando os personagens de Hopkins e Morgan estão em uma casa, Poyart opta pelo deslocado enquadramento de filmar seus reflexos de uma mesa de centro (?!). E não é só isso: em mais um filme que pensa se passar em 1999, vemos o bullet time sendo utilizado.

E há o problema da falta de química entre os protagonistas. Na tentativa de se criar uma empatia entre Joe e Dr. John, o roteiro tenta inserir um sinal de identificação que, supostamente, fará quem assiste perceber que uma amizade de longa data está por trás daquela relação. A escolha para tanto está no pedido constrangedor (tanto para o espectador quanto para o pobre médico) do policial para que o personagem de Hopkins exiba “aquele sorriso”. Um face palm neste momento foi inevitável.

Farrell e Hopkins: momento de medir forças
Mas, preciso admitir, não é somente de erros que é composto Solace. Há um ótimo momento de tensão quando o Dr. John encontra seu antagonista Charles Ambrose (vivido por Colin Farrel). Passada dentro de um bar, a cena imprime um ótimo diálogo quando os personagens descrevem as possibilidades daquele encontro, denotando, assim, as capacidades de seus dons. 

Mas, ao final, é muito pouco. Talvez por culpa das exigências de uma produção gringa ou, de fato, pela vaidade de um diretor talentoso que, infelizmente, se rendeu à necessidade de querer ter mais destaque que seu próprio trabalho, Solace fica como uma decepção para a curiosidade ávida que levantei pelo próximo trabalho de Poyart quando escrevi acerca de sua estreia quatro anos atrás.

terça-feira, 8 de março de 2016

Little Boy

(EUA, México, 2015) Direção: Alejandro Monteverde. Com Jakob Salvati, Emily Watson, David Henrie, Tom Wilkinson, Michael Rapaport.



Por João Paulo Barreto

Ao final da sessão de Little Boy, comentei com um amigo ao lado que, talvez, tenha tido um aumento considerável da quantidade de açúcar no sangue após aqueles 100 minutos de filme. A piada, apesar de não fazer total justiça ao longa dirigido por Alejandro Monteverde, resume o sentimento que pode atingir o espectador mais atento quando os créditos começarem a subir.

Talvez pela necessidade de apelar tanto para as lágrimas dos presentes na plateia, muito da qualidade daquele conto infantil e da beleza de sua narrativa se perca. Criando uma tocante história que se baseia de forma eficiente na relação entre pai e filho, o roteiro escrito pelo próprio diretor e por Pepe Portillo alcança bons resultados ao brincar com a imaginação das crianças no ponto em que insere as aventuras imaginárias de seu protagonista como ilustrações reais de sua mente inventiva.

Pepper e sua fé de que pode mover montanhas
Na história, o pequeno Pepper, o little boy do título, sofre bullying de todos os lados por conta de sua estatura incomum para uma criança de sua idade. Muito ligado ao pai, tem seu mundo despedaçado quando este é convocado no lugar do seu primogênito para servir na Segunda Guerra Mundial. Em uma atuação convincente, o garotinho Jakob Salvati, com seu olhar curioso e fala inquiridora, domina, de fato, os melhores momentos do filme.

Apesar de permanecer no clichê ao abordar o bullying sofrido por Pepper em sua rotina no pequeno vilarejo a beira mar onde mora, o longa consegue criar boas discussões acerca da xenofobia, ao abordar o tratamento a violência com que é tratado um personagem oriental que vive no lugar, após o ataque a Pearl Harbor acontecer. Do mesmo modo, as discussões relacionadas à fé, amizade e a necessidade infundada de vingança fazem o filme crescer, principalmente nas cenas em que o padre vivido por Tom Wilkinson aparece com seu discurso conciliador e baseado na razão.

Relação entre pai e filho: um dos trunfos do filme
Mas é na construção de uma nostalgia que o filme tende a conseguir seu maior triunfo. Ao utilizar a era de ouro dos quadrinhos como uma das ilustrações daquele período e o modo como essa mídia consegue influenciar o comportamento de Pepper, Little Boy constrói uma excelente atmosfera que tende a envolver o espectador naquela história e, diretamente, o cativa e envolve no drama de vida daquele menino e de sua família, cuja única esperança está no retorno do pai para casa. 

No entanto, há um limite para a quantidade de sacarose que a música incidental e reviravoltas previsíveis podem trazer à tona sem prejudicar o andamento da história. Ao final, fica a impressão de uma manipulação barata pelo emocional.

Em diversos filmes, a nostalgia mesclada ao sentimento infantil tende a acertar em cheio o coração do cinéfilo (vide obras como Conta Comigo e Cinema Paradiso), no entanto, aqui, o limite entre o emocional e o dramalhão foi ultrapassado. Uma pena.

sexta-feira, 4 de março de 2016

A Paixão de JL

(Brasil, 2015) Direção: Carlos Nader.


Por João Paulo Barreto

O diretor Carlos Nader conseguiu criar em A Paixão de JL uma obra densa, capaz de tornar sua sessão pesada, realmente difícil de se assistir. No entanto, todos esses adjetivos não classificam seu trabalho como negativo. Pelo contrário.

Dentro de toda aquela construção na qual a vida de seu protagonista, o artista plástico José Leonilson, nos é apresentada a partir do áudio de fitas K7 gravadas como um registro diário feito pelo próprio rapaz, nós passamos a conhecê-lo dentro de todas as suas minúcias, desejos e idiossincrasias. E justamente pelo fato dos registros terem sido feitos de modo tão particular, lá se encontra um retrato único de um homem entregando suas dúvidas e sentimentos a quem interessar possa.

Através de uma opção minimalista de montagem, na qual os desenhos e obras artísticas de JL são exibidas em paralelo à sua fala, vamos conhecendo sua trajetória de vida no final dos anos 1980 até sua morte, vitima do HIV, em 1993, aos 36 anos de idade. Com poucas inserções visuais além de imagens de filmes assistidos por JL, como Meu Pé Esquerdo, Paris Texas e Asas do Desejo, trechos de jornais, como a ascensão e queda de Collor, a derrubada do Muro de Berlim e o bombardeio a Bagdá por George W.H. Bush, Nader demonstra uma noção exata do material que tem em mãos juntamente com o modo como quer apresentá-lo, bem como um domínio do objeto de estudo do seu filme.

Imagem de uma das fitas de JL

Sem optar por cabeças falantes em saídas fáceis e comuns a diversos documentários, nos quais pessoas que conheceram o personagem central trazem suas opiniões, A Paixão de JL nos apresenta o personagem central através de suas próprias palavras. E, o mais importante, nós o conhecemos a partir de suas próprias dúvidas e dramas internos.

Desde suas inseguranças no que tange à sua opção sexual (“ser gay hoje em dia é como ser judeu na Segunda Guerra”); passando pelas tocantes declarações de amor para seus pais ao encontrar uma foto dos dois; até os momentos de pura ingenuidade quando o vemos falar sobre um choro durante a novela ou a carência latente quando ele diz que queria apenas ter alguém para ficar abraçado, a narração nos aproxima de José Leonilson de modo tocante. O modo como o vemos gravar um depoimento em meio às lágrimas por conta do bombardeio citado acima denota bem tal sensibilidade.

Minimalista: Carlos Nader se espelha nas obras de JL para construir seu filme
Passamos a torcer por um final feliz, mesmo já sabendo que, desde o momento em que ele anuncia sua condição como portador do HIV, seu desfecho não será assim. É uma obra sensorial, na qual apenas a voz de seu protagonista é suficiente para nos tornar próximos a ele. Nós o conhecemos somente pela sua sensibilidade narrativa e pelas imagens de suas obras. Em nenhum momento tentamos imaginar como seria o rosto daquela voz. 

Sim, uma obra pesada, capaz de derrubar o espectador. Mas, no entanto, quando voltamos a ela nas horas ou dias após a sessão, a sensação de leveza se sobressai. O sentimento de José Leonilson da mesma forma.

terça-feira, 1 de março de 2016

Cine Avuadora em Alagoinhas - BA

Sessão especial organizada pelo CUAL - Coletivo Urgente de Audiovisual levou a Alagoinhas seis curtas que representam bem a recente produção baiana 



Longe do preciosismo e de qualquer tentativa de romantizar a ideia do cinema como agente mobilizador, eu o vejo como uma ponte para o diálogo. Uma conexão entre as pessoas que, como presenciei no último final de semana, se disponibilizam a sair de suas casas em um dia de sol escaldante para conhecer uma amostra do que se tem feito aqui, no estado onde elas vivem.

Como já disseram, é a discussão e a observação que constroem o cinema. E posso afirmar com absoluta segurança que a edição do Cine Avuadora, projeto de exibição de curtas baianos organizado pelo Cual – Coletivo Urgente de Audiovisual, dessa vez em Alagoinhas, conseguiu seu intento na criação de uma ponte verbal entre os espectadores, os realizadores e os críticos presentes na tarde do sábado, dia 27/02.

Ramon Coutinho, um dos realizadores do CUAL apresenta a sessão
Com a projeção de seis curtas metragens, exemplos da recente safra de trabalhos oriundos de diversas partes da Bahia, a sessão trouxe variados temas que puderam ser explorados no papo com o público.

Desde as questões atreladas a incapacidade (que beira à psicopatia) do homem em viver em grupo, ao descaso e ao compromisso de profissionais da pedagogia com o ensino a alunos portadores de necessidades especiais; passando pela invisibilidade das vitimas do abandono social, até as questões atreladas ao egoísmo e a generosidade entre crianças afastadas pelas oportunidades de vida ou unidas por um único contexto e realidade: a seleção de obras exibidas no cineclube permitiu uma ampla reflexão entre os presentes.

Pesquisador Francisco Gabriel comenta os filmes
Iniciado com Arremate, curta dirigido por Rodrigo Luna e baseado em uma obra de Neil Gaiman, o cineclube criou de imediato uma tensão entre os presentes, na história da passagem de um homem do âmbito meramente vingativo, mas não menos aterrorizante, para o genocida em questão de minutos. A comprovação da máxima “dê poder a um homem e o conheça de verdade”.

Em seguida, com O Cadeado, de Leon Sampaio, uma fagulha na discussão acerca do compromisso pedagógico foi lançada, o que permitiu que diversos dos presentes, ligados diretamente com a área em questão, pudessem explanar acerca do rico tema em exemplos de suas próprias experiências profissionais.

O crítico João Paulo Barreto comenta alguns dos curtas exibidos
Com uma temática forte, que retrata o esforço de jovens no intuito da busca pela educação, O Cadeado encontrou na platéia um diálogo expansivo, que encontrou ecos em O Menino Invisível, de Murilo Deolino, Danilo Umbelino e Uiran Paranhos, no qual seu personagem título não faz parte daquele âmbito de tentativas e se vê em um mundo no qual o escapismo imaginário o salva de uma realidade excludente que, além de ignorar sua existência, ignora seu próprio penar e morte. Talvez o mais impactante dos trabalhos exibidos.

Com Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes, o encantamento do lúdico apresentado pelo filme na forma do reencontro de uma criança com o que significa sua infância e o denotar generoso de suas atitudes, pôde trazer um gancho na comparação com Menino do Cinco, de Marcelo Matos e Wallace Nogueira, no qual as diferenças de classe e a criação familiar ressaltaram um chocante egoísmo infantil.

Parte do público presente na sessão
Esse mesmo escapismo lúdico foi visto em A Descoberta, de Ernesto Molinero, que fechou a sessão trazendo para o espectador local a experiência de se conhecer um cinema que, do mesmo modo que Arremate, prima pela utilização do som na sua criação. Extremamente sensorial, o curta, que encontra ecos em Alice, de Lewis Carroll, traz a história de um garoto que passa a ter uma nova visão de seu mundo através da perda e da percepção ampla do ambiente que o cerca.

Destacando-se por uma seleção de curtas que foge do clichê e do já comum hábito de criar estereótipos a representar a famigerada “baianidade”, a curadoria do Cine Avuadora permitiu um excelente diálogo, que contou com a presença do pesquisador Francisco Gabriel Rego e deste que vos escreve como mediadores no papo que perdurou por mais de uma hora.

Uma tarde a ser memorada, de fato.

"Os meliantes no parquinho": pós sessão =P