sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Nerve - Um Jogo Sem Regras

(Nerve, EUA, 2015) Direção: Henry Joost e Ariel Schulman. Com Emma Roberts, Dave Franco, Emily Meade, Juliette Lewis.


Por João Paulo Barreto

A partir de uma premissa que emula outras obras que possuem supostos jogos em seu eixo central, mas cujas camadas apresentam temas mais profundos de análise do comportamento humano, como Vidas em Jogo de David Fincher e O Sobrevivente, clássico podreira estrelado por Arnold Schwarzenegger nos anos 1980 e baseado em um conto de Stephen King, Nerve – Um Jogo Sem Regras, como seu óbvio subtítulo nacional entrega, traz pessoas competindo em provas absurdas pelas quais recompensas em dinheiro lhes são oferecidas, além de um destaque no mundo virtual que lhe confere status de celebridade entre os outros jogadores e entre os observadores atentos aos movimentos de cada um através das telas do celular.

Trata-se de uma obra interessante, que acerta na crítica a uma sociedade paranoicamente mais preocupada com as quantidades de likes que possui no facebook/instagram ou em como é vista pelas pessoas que a cercam nas redes sociais do que com as que, realmente, se fazem presentes em sua vida. Porém, como fogo em pólvora, a chama de criatividade se esvai muito rápido. Com uma roupagem pop e direção enérgica, o longa da dupla Henry Joost e Ariel Schulman (que já havia dirigido os esquecíveis Atividade Paranormal 3 e 4) cria um ritmo intenso, em um formato quase de videoclipe, que tem a intenção, claro, de dialogar com o público alvo de seu filme: adolescentes cuja vida tem muito a ver com as necessidades supostamente reais e prioritárias de curtidas em redes sociais.

Na história, o suposto jogo que dá nome a história concede a anônimos a oportunidade de ficarem famosos no mundo virtual ao oferecer diversas provas e desafios que eles devem cumprir. Pode ser coisas aparentemente simples, como beijar um estranho, a insanidades como caminhar em uma escada ligando as janelas de dois prédios. Do outro lado estão os que optaram por ser apenas observadores: pessoas que pagam uma taxa para poder testemunhar as loucuras que os jogadores se propuseram a cumprir.

Vee e seus desafios propostos
Dentre eles está a jovem Vee (Emma Roberts), apelido para Vênus (em uma clara alusão à obra de Botticelli cuja atração dos olhares é bem famosa). Introvertida e tímida, a garota não consegue nem se aproximar do garoto jogador de futebol americano (claro!) por quem tem uma queda, mas decide entrar na competição após a sua experiente amiga, Sydney, lhe dar um sermão acerca do modo como ela leva sua vida. A partir daí, o filme traz aquela série de eventos nos quais as provas lhe são apresentas e ela precisa cumpri-las junto ao parceiro Ian (Dave Franco), que ela conhece em seu primeiro desafio. Alguém que, apesar do perfil de boa praça, possui algo a esconder.

Os diretores acertam em utilizar as imagens captadas pelos celulares das pessoas que perseguem a dupla em suas provas como takes complementares aos registrados pela própria lente dos realizadores. O dinamismo trazido por essa opção concede energia ao filme, tornando seu ritmo constante. Com boas sequências, como as que exibem a dupla pilotando às cegas uma moto por Nova Iorque, ou quando vemos um dos personagens se arriscar sob um trem, Nerve consegue cativar bem a atenção do espectador.

Ian testando seu poder de persuasão em Vee
No entanto, é inevitável a percepção de uma fragilidade em sua estrutura. Uma vez que entendemos a questão da crítica à sociedade baseada na fugacidade on line e na superficialidade do que aquelas pessoas julgam como importante, resta pouco ao filme. E neste intento, soa como saídas convenientes demais as inserções de personagens cujo conhecimento e acesso fácil à deep web (local na internet cuja entrada não é possível por links padrões) ou o modo absurdo como a tal empresa por trás do jogo esbanja dinheiro (colocando ou facilmente retirando da conta) no oferecimento de recompensa aos seus jogadores, gerando no espectador bem mais perguntas que respostas.

Com um final que decepciona pelo modo fácil como a resolução para todo aquele supostamente complexo esquema é apresentado, o filme fica como uma interessante e acessível reflexão sobre o modo como a exposição exagerada das pessoas nas redes sociais pode ser algo deveras prejudicial. 

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Entrevista: Vincent Lacoste

Foto: Pierre Meunié 
Em Lolo – O Filho da Minha Namorada, Vincent Lacoste interpreta o personagem título, jovem que nutre uma idolatria com nuances de doença pela mãe, Violette, vivida pela diretora e atriz, Julie Delpy. Mimado e manipulador, o personagem beira à psicopatia nos atos de sabotagem que coloca em prática para terminar com os relacionamentos de Violette. Em visita ao Brasil para divulgar o filme, Lacoste, que possui certo ar blasé semelhante ao de Lolo, conversou sobre a experiência de se trabalhar com Delpy, sobre questões que afligem a juventude francesa e, claro, sobre a postura escroque de seu personagem no filme.

Confira o papo!

O roteiro de Julie Delpy e de Eugénie Grandval aborda um tema que, dentro da realidade social do Brasil, é algo visto de forma muito comum, que é o fato de jovens adultos ainda morarem com os pais, mesmo já estando com mais de vinte, às vezes trinta anos de idade. Como esse tipo de situação é encarada na França?

É algo normal mais ou menos até os 18 anos. Mas quando os jovens acabam os estudos, em geral, eles saem da casa dos pais. Isso, claro, depende também do meio social. No filme, isso ocorre em um meio privilegiado. Então, dentro deste aspecto, é normal que eles deixem cedo as casas dos pais. Não faz parte da cultura na França que os filhos passem muito tempo morando com os pais.

O filme traz um debate bem interessante dentro desse aspecto, conseguindo brincar com a questão do filho dependente psicologicamente da mãe.

Sim, acredito que seja esse o tema, mas acho que, no caso, existe uma dependência de ambos os lados ali. Lolo é um personagem que praticamente enlouquece com isso. Ele tem quase que uma relação amorosa com a mãe. Mas isso, claro, é bastante exagerado no filme. Não é uma coisa natural em meu país e os franceses não são todos assim (risos).

Como é ser dirigido e, ao mesmo tempo, atuar ao lado de Julie Delpy?

Para ela, claro, é algo bem natural, pois Julie sempre fez isso em seus filmes. E isso acaba sendo algo que define a ideia. É justamente a ideia de trabalhar em um filme da Julie Delpy, sabe? O que muda é que ela também está interpretando. Mas o detalhe é que, quando ela está fazendo uma cena, acaba ficando completamente imersa ali dentro. Como se fossem duas pessoas totalmente distintas, a atriz e a diretora.

Vicent Lacoste e Julie Delpy durante as gravações      Foto: Divulgação
Como você definiria a experiência? Algo difícil, engraçado?

Bom, é engraçado porque ela é uma pessoa engraçada, mas não tem nada a ver com o fato dela ser ao mesmo tempo atriz e diretora. Mas seus filmes parecem muito com ela. Então, quando os assistimos, a gente pode ter uma ideia de quem ela é, uma vez que as personagens se parecem com a pessoa Julie Delpy. Ela é ao mesmo tempo muito ansiosa, mas também muito engraçada, sempre muito alegre, sempre muito falante (risos).

Abordando um aspecto mais sério que o filme indiretamente traz, quais são as questões mais imediatas dos jovens franceses hoje em dia?

Apesar do filme não pretender falar disso, é curioso observar essa questão. Um dos problemas para os jovens na França hoje em dia é a diminuição de oportunidades de trabalho. Os estudos acabam ficando mais longos e, no fundo, servem cada vez menos para uma finalidade prática. A gente observa jovens que estudaram durante cinco anos e acabam por não encontrar trabalho. Esse é principal problema para a juventude francesa agora. Não haver trabalho.

Curiosamente, o seu personagem aborda certa banalidade da juventude. É um rapaz que se diz talentoso, que se diz um artista, mas na verdade não possui tais qualidades. A Julie Delpy brincou com essa ironia de chamar de arte o que na verdade é kitch, é o oposto da arte. Você também tem a mesma visão do filme?

No fundo, é justamente isso. O personagem é um falso, um escroque filhinho de papai que não faz nada da vida. Um mundano que tem uma leve paixão pela pintura e que se beneficia com isso muito mais pelo status que lhe traz do que pensando nas obras em si.

O ator ao lado da diretora Julie Delpy                                     Foto: Maxime Reynié
É uma questão de aparência mesmo.

Sim, exatamente. É um personagem superficial que só se preocupa com sua aparência e que utiliza a própria mãe para ter acesso às pessoas e para passar essa imagem mundana.

Em tempos de likes e facebook , essa é uma crítica bastante pertinente que o filme traz à tona.

(risos) Sim, infelizmente, uma coisa cada vez mais natural.

Em uma tradição que não é apenas francesa, vemos diversos atores e atrizes que se tornaram diretores. É o caso da própria Delpy e de Louis Garrel, por exemplo. Você pensa nessa possibilidade?

Talvez, mas por enquanto não tenho planos concretos para isso. Estou satisfeito com minha carreira atual. Como ator, me interessa fazer filmes com diretores que quero trabalhar. Quem sabe no futuro eu possa querer contar uma história com a minha visão, mas não é o caso por enquanto.



Lolo - O Filho da Minha Namorada

(Lolo, FRA, 2016) Direção: Julie Delpy. Com Julie Delpy, Vincent Lacoste, Dany Boon.


Por João Paulo Barreto

Há duas formas de se analisar Lolo – O Filho da Minha Namorada. A primeira reside no fato da ineficiência da obra como comédia de costumes. Em seu roteiro, Julie Delpy até se esforça para criar boas piadas na abordagem do efeito da meia-idade em mulheres que já chegaram ao 45 anos. Isso é perceptível nas conversas que ilustram desde a falta de sexo passando pelos..., não, é somente sobre sexo que a personagem de Violette (vivida pela própria diretora) e suas amigas conversam.

O outro modo de abordagem do longa demonstra-se mais eficiente. Nele, somos familiarizados com o nível de sociopatia que a dependência materna exagerada pode causar em um adulto (quase adolescente ou quase criança, se analisarmos bem) de vinte anos. Na realidade, o filme se concentra em uma série de momentos nos quais o espectador testemunha as doentias tentativas que Lolo (vivido por um irritantemente blasé Vincent Lacoste) tem de prejudicar a vida de Jean-René, o novo namorado de sua mãe, Violette.

Jean-René é avaliado por Lolo
Neste aspecto, como uma obra que se propõe a discutir justamente essa ideia de filhos adultos dependentes emocionalmente de seus jovens pais, Lolo consegue gerar uma boa reflexão no espectador. No entanto, apesar do tema bastante rico, o filme acaba sendo prejudicado pelo seu insistente tom de comédia, no qual os constantes planos infalíveis do rapaz na missão de destruir a vida do simpático Jean-René tornam o tempo do filme algo meramente episódico, fazendo o espectador apenas se perguntar qual será o próximo ato sádico que vamos testemunhar.

Apesar disso, não seria justo com os momentos de graça da obra não admitir as risadas proporcionadas pelas conversas entre Violette e suas amigas. O papo sobre sexo oral durante sua viagem de trem ou a discussão acerca das teias de aranha geradas em certos lugares devido a falta de relações... sim, basicamente é somente sobre isso que elas conversam. Em certo momento, Violette comenta acerca do seu amadurecimento, pois está aprendendo a cozinhar outros pratos para o namorado, algo que é observado de modo pertinente por Lolo como algo que envergonharia as feministas. Digamos que concentrar os diálogos de suas personagens apenas em temas relacionados a sexo não as enriquece de modo muito eficiente, tampouco.

Violette e as manipulações disfarçadas de seu filho sociopata
Após diversas (quase) esquetes e testes de paciência do espectador diante das tentativas de sádicas de Lolo, o filme acaba por se encerrar de modo até reflexivo, com um foco centrado justamente na condição dependente e doentia do personagem título, quando a máscara cai e Violette percebe o quase psicopata que criou.

Certo peso no fechamento de uma narrativa ineficiente, mas que não remedia a fragilidade de seu desenvolvimento.


Pets: A Vida Secreta dos Bichos

(The Secret Life of Pets, EUA, 2016) Direção: Yarrow Cheney e Chris Renaud. Com as vozes de Louis C.K. Eric Stonestreet, Kevin Hart.


Por João Paulo Barreto

Seguindo uma estrutura de desaparecimento de personagens centrais e resgate realizado pelos outros que os cercam, algo que aparenta ser um padrão nas animações recentes, Pets – A Vida Secreta dos Bichos não consegue a mesma proeza que a Pixar em seus dois exemplares do tipo (Procurando Nemo e Dory) no quesito “cativar a preocupação do espectador para com seus protagonistas”, mas, ao menos, cria boas gargalhadas ao exibir os momentos privados dos bichinhos.

Funcionando bem em seu inicio quando trabalha as horas em torno dos hábitos dos animais ao se verem sozinhos nos apartamentos (as piadas com o pug latindo para esquilos da janela, o poodle batendo cabeça com heavy metal e a utilização das hastes de uma batedeira por um daschund como cafuné estão entre as melhores), o filme, porém, perde seu ritmo quando precisa focar na missão de resgate dos protagonistas Max e Duke, que desaparecem no passeio pelo Central Park, em Nova Iorque, e acabam sendo perseguidos pela carrocinha até encontrar um grupo de bichos dissidentes que buscam vingança contra a humanidade.

Cafuné improvisado em um dos bons momentos do filme
Neste grupo, que leva Max e Duke com eles após resgatá-los da carrocinha, é curioso observar ecos de A Revolução dos Bichos, clássico de George Orwell, principalmente nos discursos revoltosos contra a exploração da humanidade proferidos pelo coelhinho Snowball, além da presença do porco Tattoo, que carrega em seu couro as tatuagens a definir suas partes de corte.

Há, porém, certo cansaço nas situações envolvendo o resgate dos dois pelo grupo de animais que mora no mesmo prédio. As ações desastrosas envolvendo bichos a dirigir caminhões e causando estragos pela cidade (aqui, a ponte do Brooklin serve como cenário para destruição) perdem a graça já em suas premissas, uma vez que já vimos tal saída ser utilizada de modo praticamente idêntico, mas com um melhor resultado, na rival Pixar com a continuação recente Procurando Dory.

Realizado pela mesma Ilumination que estava por trás do sem graça Minions, filme solo das criaturinhas amarelas de um truque só, Pets ao menos não comete o mesmo erro do trabalho anterior do estúdio, quando colocou grandes metrópoles como Londres com ruas desertas durante o clímax em um claro sinal de preguiça da produção.

Duke chega para infernizar a vida de Max
Nova Iorque está belíssima como cenário de fundo aqui. Com seus arranha-céus colocados de modo estilizado, lembrando até mesmo Metropolis, clássico de Fritz Lang, a beleza urbana da cidade é bem explorada pelos seus personagens humanos que, de modo um tanto absurdo, a contemplam como se fosse uma obra de arte.


Devendo mais momentos ilustrando o comportamento dos animais sozinhos em casa (que é quando o filme realmente funciona), algo que denota bem a fragilidade do desenvolvimento da ideia, Pets é o tipo de animação que, diferente das duas obras do estúdio concorrente já citado, subestima um pouco o grau de entretenimento do seu público. Mesmo o mirim, friso.     

Águas Rasas

(The Shallows, EUA, 2016) Direção: Jaume Collet-Serra. Com Blake Lively, Óscar Jaenada, Angelo Jose, Lozano Corzo, Brett Cullen, Sedona Legge.


Por João Paulo Barreto

Curioso como 41 anos depois de Tubarão, o clássico de Steven Spielberg que ganhou várias continuações e cópias fajutas com o passar das décadas, ter lançado o medo em banhistas de todo o mundo (incluindo este que vos escreve), a ideia de uma criatura marinha a atacar pessoas em praias ainda consiga atrair atenção.

Desde paródias absurdas como a franquia Sharknado, passando por divertidas aberrações como Do Fundo do Mar, o tema tubarões assassinos parece não se esgotar. Dessa vez, o resultado consegue convencer em termos de suspense e apreensão causados no espectador que encontra em Águas Rasas 90 minutos de tensão, uma protagonista feminina que se impõe muito bem diante das adversidades, um cenário paradisíaco impressionante e um final catártico que, apesar de um tanto absurdo em sua engenharia, consegue fechar bem a história.

Ilhada junto com Fernão Capelo
No filme, a jovem surfista Nancy (Blake Lively) visita a praia onde sua mãe esteve quando ainda a carregava na barriga, um local paradisíaco localizado na costa mexicana. De modo eficiente e econômico, o roteiro de Anthony Jaswinski insere na narrativa a história prévia da protagonista através de conversas via Skype que ela tem com sua irmã e com seu pai. Sem a necessidade de flashbacks que interrompam a fluidez e a energia da trama, conhecemos, através de imagens das conversas, sua trajetória de ex-estudante de medicina que, desencantada, resolve largar o curso e vir encontrar o lugar preferido de sua mãe, morta recentemente vitima de câncer. No lugar, acaba sendo encurralada por um grande tubarão branco e fica presa em um recife à mercê do animal.

O filme ilustra de modo bem prático a história prévia da protagonista, sem a necessidade de retirar o 
espectador daquela atmosfera sufocante. Ao optar por um meio dinâmico de inserir na tela as conversas via telefone que ela tem com o pai e irmã, ambos a milhas de distância, no Texas, o diretor espanhol Jaume Collet-Serra, que já tinha experiência em direção de filmes de terror, acerta por não quebrar a narrativa deslocando o foco para outro cenário ou locação, mantendo o público no mesmo lugar onde Nancy, em breve, se verá presa.

Momento de terror: Nancy testemunha os estragos do tubarão
Trata-se de um filme que brinca de modo pertinente com os artifícios plantados por Spielberg em seu clássico, como quando, em uma clara brincadeira/homenagem, simula a visão do peixe ao inserir a câmera em primeira pessoa. Aqui, uma pequena surpresa alivia o terror do público mantendo-o em suspensão para os momentos de catarse que se aproximam. Apesar de certos pontos nos quais a percepção do CGI acaba por quebrar um pouco essa ambientação, trata-se de uma obra que, pelo modo enérgico e conciso que trabalha sua história simples em breves 85 minutos de duração, encontra boas saídas para tornar eficiente a narrativa.

Um dos seus méritos está na concentração da trama em uma única linha temporal . A ligação da mesma com qualquer traço junto a seu passado traumático fica para trás a partir do momento em que ela entra na água com sua prancha de surf. Ao nos colocar junto a protagonista naquele ambiente, a sensação de apreensão se torna ainda maior. Neste aspecto, o uso da câmera Go Pro como elemento de soma ao peso dramático da trama funciona desde seu epílogo, quando imagens do ataque são apresentadas na pequena tela, até  o momento em que a vemos utilizar o equipamento como meio de se despedir.

Momentos de terror: ataque do grande tubarão branco
Apesar de seu final exageradamente engenhoso e um tanto absurdo, Águas Rasas leva adiante a premissa do medo gerado pelos tubarões. Ainda continuarei um tanto apreensivo quando não conseguir ver o fundo ao entrar no mar.

Mas pensar nas risadas que Sharknado 4 me reserva alivia um pouco a tensão. 

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Ben-Hur

(EUA, 2016) Direção: Timur Bekmambetov. Com Jack Huston, Toby Kebbell, Rodrigo Santoro, Nazanin Boniadi, Aylet Zurer, Morgan Freeman.



Por João Paulo Barreto

A primeira pergunta que vem à mente ao saber das intenções de se refilmar o monumento absoluto, vencedor de 11 Oscars, Ben Hur é: por que? Ao se cogitar atualizar um clássico definitivo da Hollywood dos anos 1950 (que já se tratava de uma refilmagem, friso) para um exemplar em 3D, com atores inexpressivos e, claro, a narração em off de Morgan Freeman a reafirmar-se como a suposta marca de um projeto que se (hum hum) pretende se levar a sério, o novo Ben Hur já se consolida desde os seu primeiros momentos como um erro. Lembrar do roteiro escrito por Karl Tunberg e Gore Vidal em 1959 deprime.

Em uma trama equivocada, na qual as questões dos rebeldes dentro do império romano são inseridas de forma aleatória, como que para justificar apenas o fato de que um atentado contra a vida do imperador seja cometido justamente sob a guarda da família do protagonista tornando-o culpado pelo crime e exilado para a escravidão, o longa denota uma fragilidade gritante, na qual as motivações de seus personagens são tão risíveis que chegam a soar caricatas.

Freeman e seus dreadlocks: a voz over favorita de Hollywood
A começar pelo momento em que Messala (vivido pelo terrível Toby Kebbell), o irmão adotivo de Ben Hur, decide deixar a vida de luxo da família para se alistar no exército romano apenas pelo fato de que, para ele “o mundo é bem maior que o Egito”. Bom, levando-se em consideração que nada o impedia de viajar e conhecer os lugares que ele citou em seu discurso birrento, seu alistamento é tão surpreendente quanto sua ascensão dentro das forças militares, fato que denota bem a incompetência de seus centuriões no momento da tentativa de assassinato do seu líder ou o suposto congelamento de um deles na presença de certo rebelde cabeludo e de barba.

Do mesmo modo, o filme surpreende (não de forma positiva, claro) ao escalar para o papel de seu herói figura tão inexpressiva quanto Jack Huston, cujos momentos de atuação se resumem por cara de triste e/ou cara de feliz. Enquanto tivemos Charlton Heston que conseguia demonstrar sua fúria de modo assustador no clássico de 1959, aqui, Huston, imerso em um mar de CGI (até impactante visualmente, vamos admitir), consegue apenas se situar nas cenas, sem a capacidade de transmitir ao espectador qualquer emoção para o que seu personagem está passando.

Santoro na forma de Jesus Cristo: boa presença brazuca apesar de epílogo deslocado
E o roteiro de Keith R. Clarke e John Ridley tampouco colabora. Rendendo-se a uma manipulação emocional que beira à qualidade de uma novela da rede Record, a trama consegue se basear em um final absurdamente fantasioso, no qual a cura para a lepra em personagens chave é inserida de modo único e exclusivamente voltado para um desfecho artificialmente feliz. Não que se esperasse menos de uma obra que utiliza conceitos religiosos como pano de fundo, mas, ao menos o discernimento perante a conveniência absurda de sua conclusão poderia ter sido notado pelos seus escritores. Além, claro, da necessidade óbvia, previsível e deslocada de se inserir um epílogo baseado na vida de Jesus que, vivido por Rodrigo Santoro, ao menos traz certo orgulho para os brasileiros.

No entanto, estamos falando de uma obra dirigida por Timur Bekmambetov, a mente criativa por trás de coisas como Abraham Lincoln – Caçador de Vampiros e O Procurado, filmes até divertidos em suas propostas imbecis, mas que, em certos aspectos, chegam a ofender a inteligência alheia. Ao querer trazer para um clássico essa mesma premissa que banaliza suas obras, o diretor acaba dando um (desnecessário) passo maior que as pernas. E, de modo previsível, tropeça vergonhosamente.

Ao invés de sofrer com 120 minutos disso, é mais valoroso gastar 210 minutos diante do monumento dirigido por William Wyler. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Quando as Luzes se Apagam

(Lights Out, EUA, 2016) Direção: Divid F. Sandberg. Com Teresa Palmer, Gabriel Bateman, Maria Bello, Alexander DiPersia.


Por João Paulo Barreto

Principal nome da leva recente de obras de terror, o diretor malaio James Wan (Invocação do Mal 1 e 2) produz este exemplar típico de sua filmografia, na qual, apesar de seu inicio gore com Jogos Mortais, passou a abordar um terror mais baseado em sustos fáceis e de total dependência dos efeitos (leia-se barulhos altos) sonoros na  manipulação público.

Em Quando as Luzes se Apagam, o estreante diretor David F. Sandberg segue os passos do próprio Wan, que dirigiu o curta Saw e, logo depois, sua versão em longa metragem. Originalmente lançado como um curta metragem de menos de três minutos, Lights Out consegue fôlego em sua história simples para se tornar um filme enxuto de uma hora e vinte. Na trama, o espírito de Diana, uma jovem que morreu em um hospício após ser vitimada por experiências que investigavam sua rara doença de pele, passa a assombrar a vida de Sophie (Maria Bello), que foi amiga de Diana quando viveu na mesma instituição psiquiátrica.

Sophie (Maria Bello) e seu filho Martin: relação conturbada
Capaz de se manifestar apenas nas sombras, o que funciona como um ótimo elemento de suspense, apesar dos cenários convenientemente forçarem situações nas quais a escuridão é inserida de modo às vezes deslocado (por exemplo, o depósito de manequins na cena que abre o filme, um local que normalmente seria repleto de luzes fluorescentes), tal condição traz uma ambientação que capta de forma bastante eficiente o medo subjetivo que o roteiro possui em sua estrutura. Medo esse, claro, que logo deixa de ser subjetivo quando a tal entidade é personificada em cena, sendo estes os pontos altos do filme.

Na trama, Diana acaba por desequilibrar a sanidade de Sophie, algo que reflete na criação de seu filho caçula, Martin, e de sua primogênita do primeiro casamento, Rebecca, que deixou a casa para viver sozinha e longe da influência pesada da mãe. Outro ponto que o roteiro força um pouco barra está na construção da personagem da jovem Rebecca, que tem nas paredes do seu apartamento diversos pôsteres de bandas heavy metal, com caveiras e outras figuras que remetem à morte. Em um clichê constrangedor, temos nisso claramente uma tentativa de se desenhar uma personalidade rebelde que foge do passado traumático se escondendo na fachada agressiva que tais figuras desenham. Por sorte, o roteiro não explora tanto essa personalidade e o tal ambiente, ao menos, rende um dos assustadores momentos do longa, em uma das aparições de Diana.

"Who you gonna call?": Rebecca e o namorado chegam para salvar a mãe
Usando os efeitos sonoros de forma a ampliar os sustos causados no espectador, o filme perde um pouco do seu impacto justamente por nos fazer imaginar o quão eficiente seriam as cenas aterrorizantes sem tais exageros na manipulação. Curiosamente, alguns dos sons proferidos por Diana remetem ao mesmo efeito sonoro utilizado por Peter Jackson na trilogia O Senhor dos Anéis, nos momentos em que os Nazgûl aparecem. Mas, enfim, o público alvo para esse tipo de filme sabe para que está comprando o ingresso e tem nos sustos fáceis parte da diversão em sua estada no cinema.

Apesar de um final um tanto artificial no esforço de chocar o espectador, há de se reconhecer certa coragem ao se encerrar a história sem um gancho vigarista para uma continuação (não que isso seja um empecilho) e sem a obrigatoriedade de algo 100% feliz. 

Às vezes, o agridoce funciona. 

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Fome

(Brasil, 2015) Direção: Cristiano Burlan. Com Jean-Claude Bernardet, Ana Carolina Marinho, Francis Vogner.


Por João Paulo Barreto

Em Fome, o diretor Cristiano Burlan nos convida a adentrar na vida de um morador de rua, a caminhar junto a seus passos desvairados, a seguir pelos mesmos caminhos sem direcionamento das ruas de São Paulo, percorrendo a esmo aquelas esquinas como se a tentar encontrar seu próprio caminho. Inicialmente, pensamos se tratar de alguém, de fato, em busca de um norte, principalmente pelo modo eficiente como os travelings e os planos sequência são utilizados. Não obstante, tal personagem busca justamente o contrário: ele busca se perder cada vez mais.

Interpretado com intensidade pelo professor, escritor, teórico, crítico e ator, Jean-Claude Bernardet, uma das instituições do estudo do cinema no Brasil, o morador de rua de sotaque estrangeiro é apresentado inicialmente apenas como mais um a viver sem um teto fixo, sem uma rotina especifica, sem um lugar que ele possa, realmente, chamar de seu. É um personagem que nos causa reflexão. Que leva o espectador a refletir acerca da invisibilidade do ser humano nas grandes metrópoles, acerca da necessidade que as classes em situações mais confortáveis possuem de se verem obrigadas a se importar com tais indivíduos na esperança não de demonstrarem-se generosas, mas apenas na intenção de cumprir um protocolo de benevolência falso e hipócrita. Em certo momento, uma discussão do personagem com um casal de bons samaritanos que lhe oferece restos de um jantar denota muito bem isso.

Sem destino: buscando a redenção através do vagar pelo nada
E o sem teto vivido por Bernardet refuta justamente essa condição. Ele não almeja ser “vitima” da caridade alheia. Ele não precisa viver na auto piedade de quem está em situação mais confortável que ele. Seu desejo é encontrar um sentido para sua vida justamente no mergulho na sarjeta, no alcance da plenitude que somente a sujeira e a completa ausência de posses parece lhe conceder. Amigável em determinado momento, resolve ajudar uma estudante em sua pesquisa social, respondendo-lhe questões planejadas e de cunho acadêmico. Ao quebrar aquele ritual trazendo o domínio para si e cantando uma canção em francês que rememora de sua infância, o homem entrega um vestígio do que ele já foi. Algo que, pelo visto, lhe faz sentir certa falta. Um breve sinal de algo que o atormenta, mas que ele evita deixar transparecer.

A estrutura inicial escolhida por Burlan ao apresentar seu filme como uma mescla documental e de ficção traz força para o resultado final. Nos depoimentos dos moradores de rua, ouvidos pela estudante para sua pesquisa, falas sinceras são captadas, problemas alheios são compartilhados e uma pertinente face do filme começa a se desenhar. Tal face está na ideia de que, da mesma forma que a ajuda dispensada de modo supostamente caridoso serve como meio protocolar e egoísta de se cumprir um ritual perante a sociedade, a pesquisa acadêmica executada pela estudante serve apenas como um modo de se usar e descartar aquelas pessoas. Algo que é corroborado, apesar da maneira frágil de se levar o espectador pela mão, em um belo discurso ao final do filme.

Conflito de acadêmicos: aluno e professor se reencontram 
Curiosamente, Fome utiliza a construção do personagem de Bernardet de modo a brincar com a empatia do espectador. Tal elemento é colocado à prova em um diálogo intenso entre um ex-aluno que reconhece o sem-teto como seu professor do tempo da faculdade. Destilando violência e sarcasmo em cada palavra proferida, os dois discutem a ideia adotada pelo professor de se alcançar o verdadeiro conhecimento ao se permitir perder tudo. Vivido pelo crítico e pesquisador Francis Vogner, o ex-aluno nos entrega uma face até então desconhecida de arrogância que o atual sem-teto possuía quando ainda se considerava parte da sociedade. A amargura se torna palpável.

Na representativa cena em que vemos o sem-teto se banquetear na comida que encontra no lixo e que lhe aplaca a fome, um sincero oferecimento de ajuda lhe é oferecido e, surpreendentemente, aceito. Talvez a mais eficiente corroboração de Fome esteja na ideia de que, de fato, nenhum homem é uma ilha.  




Um Espião e Meio

(Central Intelligence, EUA, 2016) Direção: Rawson Marshall Thurber. Com Dwayne Johnson, Kevin Hart, Amy Ryan, Aaron Paul, Danielle Nicolet.


Por João Paulo Barreto

Do mesmo modo que Arnold Schwarzenegger redesenhou sua carreira no final da década de 1980 e começo dos anos 1990 ao se aproximar de uma comédia que brincasse com seu tamanho e o colocasse em situações deslocadas do seu universo comum de filmes de ação, Dwayne Johnson, ex-atleta de luta livre, parece ter descoberto a comédia como um dos modos de explorar sua veia cômica. E, acredite, o brucutu funciona na missão de fazer rir.

Parte dessa desenvoltura se deve ao carisma de Johnson, que consegue convencer tanto na pele de um agente barra pesada como visto nos filmes da franquia Velozes e Furiosos, como na função do mesmo agente barra pesada, mas com passado escolar traumático e repleto de bullying, que vemos nesse novo Um Espião e Meio. Claro que a fórmula de juntar dois personagens díspares, um atrapalhado e o outro focado na exatidão de seus movimentos, não é novidade. Chris Tucker e Jackie Chan, Nick Frost e Simon Pegg, dentre outros, são bons exemplos de como a ideia funciona bem.

A versão gordinho de Dwayne Johnson
Aqui, acompanhando Johnson, que tem 1,93m de altura, está o comediante Kevin Hart que, com 1,63m, cria um ótimo paralelo com o gigante na necessária comédia visual que o filme pede. No papel de Bob Stone, um ex-gordinho que decidiu entrar em forma após ser humilhado no fim do colegial (o efeito que transforma The Rock em um gordinho impressiona), Johnson vive um agente da CIA que procura Calvin Joyner (Hart), um ex-colega de colégio, no intuito de usar seus conhecimentos como contador para haquear um sistema contábil que permitirá a Stone descobrir quem matou seu parceiro (Aaron Paul, que profere um “bitch” no melhor estilo Pinkman).

Claro, tudo desculpa para trabalhar as cenas de contraste com os dois personagens e fazer valer as piadas entre eles ao brincar com essa diferença gritante tanto em tamanho, quanto em tom de comédia. Neste tom, inclusive, o agudo e nervoso modo de falar de Hart, sempre amedrontado, estabanado e inseguro, vai de encontro ao calmo, sorridente e infalível modo de agir de Johnson. Aqui, ele aparece usando uma camisa com um unicórnio cor de rosa ou um pijama bem menor que o seu número de roupa, em mais uma forma do roteiro brincar com sua aparência. Além, claro, do modo como ele é desenhado como um cara sensível (as referências a Gatinhas e Gatões, de John Hughes, principalmente em sua cena final, são um bônus à parte) contribui para essas piadas.

Contraste no tamanho: a velha fórmula ainda funcionando
Com boas sequências de ação, como a que vemos os dois fugirem do prédio onde trabalha o contador para encontrar um veículo do Uber que Stone havia solicitado, o filme equilibra bem esse uso da comédia com cenas mais enérgicas, fazendo valer, claro, a presença física de Johnson.

De fato, o novo astro tem seu carisma.


quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Entrevista: Philippe Le Guay


Diretor de obras singulares que abordam de modo reflexivo relações humanas, Philippe Le Guay lança em 2016 seu novo trabalho, Floride (batizado no Brasil como A Viagem de Meu Pai). Trata-se de um filme singelo, que aborda de modo contundente a falsa ideia de melhor idade em uma história que aborda a cumplicidade entre um pai idoso e sua filha, cujas responsabilidades perante seu progenitor acabam por abalar sua vida pessoal. Nessa entrevista, o diretor parisiense aborda a experiência de trabalhar com o veterano Jean Rochefort e o modo como seu filme consegue equilibrar tão bem drama e comicidade.

Confira o papo abaixo!

Há muitas queixas da ausência de filmes que dêem destaque a atores e atrizes idosos e o seu filme tem esse destaque. Como se deu a escolha de Jean Rochefort para o papel?

Eu acho que quando a gente quer fazer um filme, a vontade que temos é a de contar a historia de uma personagem. Aqui, nesse caso, eu tive essa necessidade de contar a historia de um idoso. E isso não necessariamente para ter que dar um papel a um ator mais velho, mas simplesmente porque eu tinha realmente a vontade de contar essa história. Em A Viagem de Meu Pai, o protagonista é o Jean Rochefort, alguém que há cinco anos havia dito que ia parar de atuar no cinema. Então, quando eu escrevi esse roteiro, não havia pensando nele. Mas chegou um momento em que eu tinha que perguntar se ele queria atuar. Lembro-me dele dizendo que não ia fazer o filme, “mas, se você quiser, venha segunda feira tomar um chá comigo e conversamos sobre (risos)”.  Acabou que, durante seis meses, todas as semanas eu ia passar uma tarde conversando e tomando chá com ele. Aos pouquinhos, o roteiro foi evoluindo, e ele dizia: “olha, eu não quero fazer seu filme, mas, se por acaso eu fizer, eu gostaria que fosse mais ou menos assim...(risos)” e ia sugerindo mudanças.

Como foi a experiência de dirigir um ator veterano como ele?

No set de filmagens, a gente não dirige um ator. A gente pode, claro, dar algumas orientações de posicionamento, de fluidez no diálogo, mas, no caso de Claude, o verdadeiro trabalho de direção foi feito quando o personagem foi concebido ao longo desses seis meses em que eu e Jean conversávamos uma vez por semana. Assim, eu aprendi a conhecê-lo e vice versa. Foi desse modo que se criou uma relação de confiança e eu acabei mudando algumas coisas. O que é formidável no caso de Jean é que, bom, normalmente um ator quer ser amado pela personagem, eles querem interpretar papéis de pessoas simpáticas, amáveis, gentis. Com Jean não é o caso de jeito nenhum (risos). Muitas vezes ele sugeriu que eu explorasse a violência de algumas cenas.  Um exemplo está no momento em que em que a Sandrine (Kiberlain, que interpreta a filha de Jean) contava ao seu filho o fato do avô ter feito xixi no carro enquanto ela estava parada em um posto de gasolina. Era um relato, apenas. Não havia a cena em si. Jean falou que eu tinha que mostrar essa cena. E eu disse: “não, não vou filmar você urinando em um carro!” Aí ele disse que bastava eu não dar nenhum close em seus órgãos genitais (risos).  A cena está diferente no filme, mas acabou que ele tinha razão.  Tornou-se um gesto de raiva, de ódio do personagem. Uma misantropia, mesmo. Então, essa violência do Claude é uma violência que o próprio Jean Rochefort possui. Isso é um bom exemplo dessa troca que nós tivemos. No entanto, eu dou aqui esse exemplo que é mais violento, mas houve vários outros que foram momentos de fantasia. Porque ele tem muito humor e eu também queria essa face do Jean no filme. Eu não creio que, que pelo fato de a gente estar filmando um tema dramático, o tratamento desse tema precise ser totalmente dramático. Ao contrario.

Le Guay dirige Jean Rochefort em A Viagem de Meu Pai
Percebe-se, então, uma parceria entre você e o Jean Rochefort. Como foi trazer a Sandrine Kiberlain para essa parceria?

Eu já havia trabalhado com a Sandrine anteriormente em As Mulheres do Sexto Andar. E ela tinha muita vontade de fazer um filme com o Jean. Eles já se conhecem há quinze anos e se admiram muito. Jean é uma espécie de substituto de pai para ela. Essa cumplicidade entre os dois já existia na vida real. É interessante observar que a personagem dela esta sempre reagindo ao que o pai faz. Ele é a força motriz, mas é ela quem recebe a emoção dos seus atos. O que nós tínhamos que decidir com a Sandrine era qual seria o grau de masoquismo dela (risos). Decidir qual seria o momento em que ela iria se revoltar contra o pai. Foi importante também mostrar que a Carole era uma mulher que tinha uma vida própria. Alguém com um filho já adulto, que tinha uma vida amorosa equilibrada com o namorado e que se percebe estar indo muito bem profissionalmente, trabalhando como diretora de uma fábrica. Não é uma mulher que fracassou na vida. É uma pessoa bem sucedida. Seu único problema é o pai. É preciso demonstrar essa força que tem a personagem e a fraqueza que ela possui em relação ao seu pai. É esse o equilíbrio. A Sandrine tem essa força e pôde trazê-la para a Carole, que é uma mulher independente, corajosa, mas que, ao mesmo tempo, tem algo de vulnerável, frágil. E é justamente essa mistura de elementos que me agrada. Sem contar o fato de que ela é extraordinária.

É uma obra que consegue mesclar muito bem a questão da melancolia da velhice com o humor. Na criação do seu roteiro, você já tinha essa intenção de mirar esse equilíbrio? Aliás, o final do filme é algo um tanto chocante, na questão da ilusão e da realidade na cabeça do personagem de Jean. Como se deu essa construção de equilíbrio?

Eu adoro quando os sentimentos são contraditórios e, ao mesmo tempo, estão em equilíbrio. A ideia de encontrar esse equilíbrio entre os diferentes tons do filme, entre o drama e a comédia, é aquilo que mais me interessa no fazer cinema. Porque eu acho que é exatamente isso que acontece o tempo todo na vida. Para as coisas que acontecem na minha vida, por exemplo, eu sempre tento ver esses dois aspectos. O filme pra mim, nesse ponto de vista, é um prolongamento do que eu sinto. O final, apesar de doloroso, é algo em aberto. A gente sabe que o personagem da Sandrine vai poder continuar a viver. Ela tem um olhar muito belo, um olhar em aberto para alguma coisa, e a vida dela não vai acabar com essa relação com o pai.


A Viagem de Meu Pai

(Floride, FRA, 2016) Direção: Philippe Le Guay. Com Jean Rochefort, Sandrine Kiberlain, Laurent Lucas, Clément Métayer.


Por João Paulo Barreto

Há uma melancolia disfarçada em A Viagem de meu pai, novo trabalho do diretor Philippe Le Guay (A mulheres do sexto andar e Pedalando com Molière). Tal melancolia representa de modo doloroso as dificuldades que a suposta “melhor idade” traz para a vida do idoso Claude, vivido com graça e carisma pelo veterano Jean Rocherfort, em uma mescla de tristeza e simpatia.

No entanto, apesar de um filme genuinamente triste e que foca nos percalços de um senhor com demência, acaba conseguindo representar bem o modo como os períodos transitórios e repletos de dificuldade de uma vida em sua fase final alteram não somente a sua existência, como, também, a das pessoas que o cercam. É o caso da relação de Claude com sua filha, Carole (Sandrine Kiberlain), que tem na obrigação de cuidar do pai seu mais instável problema.

Nessa relação, uma mescla de amor, paciência e condescendência por parte de Carole encontra certa infantilidade e teimosia oriundas de Claude. Em seu roteiro, Le Guay insere diversas situações que servem para denotar esse contraste na relação de ambos, levando a percepção de que os esforços fieis e constantes da filha perante as dificuldades naquela relação a mantém em um limite emocional constante.

Carole e Claude: cumplicidade entre filha e pai idoso
Gradativamente, a história exibe a espiral descendente de Claude, à medida que sua demência avança e as suas confusões mentais passam a afetar não somente a ele, mas aos indivíduos que o cercam. Apesar disso, o idoso ainda possui certo controle de suas faculdades mentais e é nestes momentos que conhecemos suas angustias reais em paralelo às que não passam de pura teimosia.

Nas reais, a saudade da filha que mora na Flórida, Estados Unidos, o mantém em constante planejamento para uma visita surpresa da sua caçula. O doloroso nesta expectativa está no fato de que a menina morreu nove anos antes, em um acidente de carro, e Claude, por conta de sua debilidade, esqueceu-se do ocorrido. No resumo de Carole ao revelar tal situação, uma definição perfeita: talvez ele tenha escolhido esquecer para não sofre mais.

Nos momentos resumidos por uma teimosia estão aqueles que demonstram um palpável carisma de Jean Rochefort, como quando o vemos fingir uma queda matinal diária para, assim, causar preocupação na sua cuidadora, bem como na insistência de esconder seu relógio para poder acusá-la de roubo. Sem contar, claro, as suas idiossincrasias relacionadas à preferência de uma marca de suco que o remete à cidade americana onde mora sua filha e o atrito que ele gera ao insistir que o corpo de um antigo amigo com quem se desentendeu anos antes não seja enterrado no mesmo cemitério onde ele será um dia.

Palmeiras: Claude e sua esperança de rever a filha que vive na Flórida
Mas é na relação entre Claude e Carole que está a verdadeira força do filme. Em sua história, Le Guay leva o espectador a presenciar uma experiência de constante desgaste emocional de alguém fiel ao pai, de alguém cuja vida caminha em trilhos confortáveis, mas cujo desastre que sempre parece iminente a faz perder de forma gradativa qualquer esperança. Tal fidelidade a impede de interná-lo em um asilo, mas o modo como essa opção passa a se apresentar como única saída tanto para seu conforto como para o de seu progenitor, acaba por aumentar ainda mais sua instabilidade.

Nessa relação, o público testemunha um teste de paciência e compreensão, mas cujo afeto da jovem pelo idoso contorna as dificuldades atreladas a todo aquele processo. É uma obra cuja reflexão mais importante reside justamente no fato de que a cumplicidade familiar suplanta qualquer período. Cumplicidade essa que é percebida no modo como Carole troca as roupas urinadas de seu pai e em como ela, apesar de todos os percalços, não revela o verdadeiro motivo de Claude não conseguir falar com Alice, sua outra filha, ao telefone. Cumplicidade resumida em um breve abraço, mas que suplanta qualquer diferença entre os dois.

Lembranças: Carole e Claude revisitam um dos símbolos do passado em família
Claude, enfim, caminha para sua percepção definitiva. Ao finalmente confrontar a si mesmo com a dolorosa verdade que optou por esconder em algum lugar de sua lembrança, o senhor conclui sua fase e conforma-se com seu destino. Nesse confronto mental, um sentimento, apesar de doloroso, redentor.  

Em seu olhar repleto de peso, mas, ao mesmo tempo, esperançoso, Carole percebe ter cumprido sua obrigação. Nas palavras carinhosas de Jean após tantas asperezas proferidas, um alívio mais do que merecedor.


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Esquadrão Suicida

(Suicide Squad, EUA, 2016) Direção: David Ayer. Com Will Smith, Jared Leto, Margot Robbie, Viola Davies, Joel Kinnaman.


Por João Paulo Barreto

Existe um problema com a expectativa. Uma das regras em qualquer aspecto da cinefilia reside no fato de que não se deve criar expectativas acerca de nenhum projeto. Aí vem os filmes baseados em quadrinhos, que dominam o mercado atualmente. Bombardear a mídia com imagens, trailers, dentre outros aperitivos destinados aos fãs é via de regra para qualquer estúdio. E a DC/Warner parece ser bem eficiente nesse sentido. Desde muito tempo, friso. Basta dar um google e checar todas as estratégias utilizadas quase trinta anos atrás para promoção do Batman, de Tim Burton.

Em se tratando do seu novo projeto, Esquadrão Suicida, a comparação com a obra de Burton fica somente na estratégia e no fato de que ambas possuem dois personagens em comum. O morcego de Ben Affleck em breve participação e o Coringa, que dessa vez ganha a face e o talento subaproveitado de Jared Leto. Claro, após a encarnação perfeita de Heath Ledger na obra máxima de Christopher Nolan, ficava difícil alguém se arriscar no papel. Sem ser saudosista e evitando comparações, Leto até se esforçou para entregar um vilão à altura do seu talento, mas teve sua participação diluída ao aspecto de um simples coadjuvante de luxo, sem trazer o real impacto que um personagem como aquele poderia causar na história. Não por culpa sua, mas, sim, de um roteiro mal amarrado, que se baseia em vilões sem substância e em anti-heróis sem muito carisma.

Leto como o Coringa: talento mal aproveitado

Na junção da equipe de vilões retirados de uma prisão de segurança máxima com o intuito de colocá-los contra uma entidade demoníaca, agora que o Superman está morto e não há metahumanos com poderes suficientes para enfrentar tal situação, o filme coloca o grupo em literal rota de colisão com diversos obstáculos, até o momento em que chegam ao local onde deverão enfrentar a tal criatura Enchantress, um demônio milenar que foi despertado após uma arqueóloga localizar a caverna onde ele vivia e passar a dividir com ela o mesmo corpo.

Trata-se de um filme de apresentação. Passamos boa parte do longa sendo inseridos no universo de cada um dos personagens, conhecendo suas falhas e motivações, e descobrindo como cada um foi parar naquele contexto, o que não significa que haja um desenvolvimento dos seus elementos, que parecem apenas ser jogados na tela com a função de matar alguma coisa. Ao final de tantas fichas corridas, difícil é o espectador não familiarizado com o universo dos quadrinhos lembrar-se do primeiro apresentado. No mais, nota-se uma necessidade gritante de se inserir Will Smith como protagonista, mesmo que seu Pistoleiro não tenha um peso maior do que o de qualquer outro membro da equipe. Em um filme no qual temos o Coringa como um dos coadjuvantes subaproveitados, quem é que quer ver um personagem cujo talento é conseguir acertar um alvo? Vocês possuem ouro nas mãos. Façam uso dele!  

Smith: protagonista forçado. Robbie: divertindo-se

Além disso, em um período no qual discussões acerca do feminismo estão merecidamente em evidência, Margot Robbie até consegue trazer peso para sua personagem, que diverte em sua postura sociopata, mas que, no final, parece apenas querer ser mãe e dona de casa.  E, claro, o filme precisa apelar para poses pin ups em algumas de suas cenas. No entanto, vale citar o momento desnecessário em que um dos membros do esquadrão acerta um soco no rosto de uma policial feminina sob a justificativa de que “ela tinha a boca suja”. Creio que esse tipo de cena em um filme cujo publico alvo é basicamente adolescente (o que justifica as poses sensuais de Quinn) não contribui em muita coisa, mesmo que certa catarse seja inserida para o personagem agressor.  

A sensação é justamente a de um roteiro frouxo que insiste em inserir reviravoltas frágeis que impedem qualquer fluidez de sua trama.  Com um final em aberto e convenientemente pedindo por uma continuação, espera-se que, ao menos, possamos ver o que Jared Leto ainda poderá fazer pelo seu icônico papel. 

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Entrevista: Virginie Efira

Fotos: Divulgação
Em Um Amor à Altura, Virginie Efira vive Diane, alguém cuja revisão dos próprios conceitos a faz perceber-se apaixonada por um homem cuja estatura é quase a metade da sua (exagero um pouquinho). Trata-se de uma comédia de apelo popular que conta com o carisma de Jean Dujardin como grande diferencial. Além, claro, da química entre os dois protagonistas, cujos diálogos representam a melhor coisa de um roteiro um tanto bobo, mas que gera boas risadas no público.

Em visita ao Brasil para divulgar o longa, a bela atriz belga conversou com o Película Virtual acerca desse projeto, além da experiência de trabalhar com Paul Verhoeven e do seu começo de carreira como apresentadora de programa de auditório.

Confira o papo!

Um Homem à Altura é um filme que traz no seu tema muito sobre essa suposta importância da aparência física e aceitação social. Qual o peso da aparência na sua visão?

É algo visto como muito importante, sobretudo na sociedade de hoje. Mas se liberar de todas essas imposições é uma responsabilidade pessoal de cada um. E o filme também fala disso. Como se libertar desse olhar de terceiros. O personagem do Jean fez todo um trabalho pessoal para aceitar aquilo que ele é e como ele é. Minha personagem ainda está dentro  de uma série de convenções, de estereótipos.  

Trata-se de um longa que utiliza muito do aspecto visual para fazer rir. Como foram feitos os efeitos digitais?

Houve uma série de efeitos especiais. Na maioria das vezes, Laurent (Tirard, o diretor) buscou recorrer a meios mais artesanais, para que nós pudéssemos atuar naturalmente. Às vezes, Jean ficava de joelhos. Ou ele tinha uma espécie de banquinho com rodinhas para se deslocar. Às vezes, eu subia em um estrado e ele tinha dublê também. Mas quando foi feita essa redução digital e estávamos contracenando, eu tinha que olhar para baixo e ele para cima.

Lembrou- me um pouco os efeitos que o Michel Gondry usou em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. No entanto, lá ele usou o cenário para compor os elementos em cena.

Não chegamos a usar o cenário nessa construção, mas houve algumas escolhas propositais, como a do cachorro gigantesco (risos).

A atriz em cena de Um Amor à Altura
E como foi o clima de gravações com Jean Dujardin? Ele é bem conhecido por sua personalidade brincalhona e extrovertida?

Sim, o ambiente foi realmente muito bom. Tivemos um ótimo entendimento. Mas o que acontece é que os efeitos especiais tiravam um pouco do nosso contato. Por exemplo, em uma cena de dança, o que acaba cortando um pouco. Ficamos restritos em nossas atuações. Em outros momentos, como na cena do restaurante, podíamos improvisar e tentar outros meios de atuação.

Você poderia falar um pouco sobre seu trabalho em Elle, novo filme do Paul Verhoeven?

Foi um papel pequeno, mas acho que cada papel conta uma coisa forte e especial. No seu conjunto, o filme consegue encontrar um elo entre a farsa e a sátira social. Conta uma coisa meio louca: como é que em uma situação que se é uma vitima e se consegue recuperar o controle.  

E o trabalho com o diretor?

Paul é um exemplo de que as pessoas muito curiosas não envelhecem (risos). Eu acompanho o trabalho dele faz muito tempo. Eu acho muito legal que ele faça coisas que não se podem ser feitas no cinema americano. Inicialmente, ele queria filmar nos Estados Unidos, mas ao decidir filmar na França, isso deu muito mais liberdade na criação do trabalho. As atrizes, inclusive, começaram a dizer que não entendiam porque que uma personagem que havia sido violentada não tentava se vingar. Como se não fosse mais possível trilhar caminhos diferentes. Essa liberdade da história foi possível por isso.

Em relação a Um Amor à Altura, os personagens se conhecem de modo virtual, através de um telefone celular perdido. Como atriz, como você enxerga essa exposição tão corriqueira na internet atualmente?  Você costuma se expor muito?

Em relação as redes sociais, eu posso dizer que tenho 140 anos de idade (risos). Não tenho Facebook, nem Twitter. As pessoas dizem que eu deveria ter, mas eu tenho dificuldades com isso. É preciso tempo para refletir e esse imediatismo de reação no mundo virtual, essa necessidade de se fotografar uma coisa para que ela possa existir, é algo que me incomoda. Sair da vida real para a virtual é algo que eu não entendo muito bem.

Qual sua opinião em relação à representatividade feminina na indústria do cinema?

Na França, uma coisa boa é que existe um sistema econômico que permite que filmes com narrativas mais tradicionais, como Um Amor à Altura, mas que também possibilita filmes diferentes, que questionam a sociedade. Por exemplo, passando desse principio de que a mulher pode ter uma representatividade no cinema apenas se ela for jovem, se ela for sexy, na França, as mulheres não estão encerradas dentro desse sistema.  Há outras possibilidades, sabe?  Mesmo os filmes que não possuem esse apelo, que não possuem uma divulgação grandiosa ou que possivelmente não vão ter um retorno exorbitante nas bilheterias, esses trabalhos também são financiados. Ainda existe, claro, diferenças em termos de salário, mas não como nos Estados Unidos.

A atriz em cena de Victoria, filme exibido em Cannes ano passado
O que atraiu ao ler o roteiro para aceitar o papel.

(pensativa) O fato de que a personagem feminina não fosse exclusivamente uma acompanhante do protagonista, que ela também tivesse um destaque na trama. Ela tinha realmente algo para interpretar. E, claro, a vontade de trabalhar com Dujardin. E o Laurent é um dos poucos diretores franceses que são mais cuidadosos com a imagem, com a elaboração dos seus filmes.

Você citou esse processo de produção na França, onde, assim como no Brasil, tem nas comédias populares um grande filão para atrair o publico. As pessoas parecem só ir ao cinema para ver comédias populares. Na França, é um pouco assim, uma vez que os números confirmam um pouco disso. O que você acha dessa predominância?

O cinema, claro, é também uma experiência. O fato de irmos ao cinema, de estarmos em uma sala escura, de compartilhar com os outros, sendo algo que reúne as pessoas. E eu penso que a comédia é um gênero importante, mas que é preciso que exista certa exigência intelectual, filosófica e estética na comédia. O filme Victoria (outro trabalho da atriz lançado em 2016) , que foi apresentado em Cannes, eu acho que corresponde um pouco a esse parâmetro. É uma obra com orçamento menor, o que mais dá liberdade. É uma comedia que faz pensar um pouco em Blake Edwards. Há grandes comedias nesse sentido, como as de Billy Wilder, por exemplo.

Você sente que há um preconceito entre os realizadores para com comedias populares?

São coisas diferentes no cinema e na criação dos filmes. Há aqueles que fazem os filmes pelo dinheiro, e outros que dizem: “vou fazer alguma coisa minha e veremos onde isso vai me levar”. Seja uma comedia ou drama, é o fato de se acreditar naquilo que faz.

Você citou sua escolha em trabalhar com Paul Verhoeven e a oportunidade de atuar ao lado de Jean Dujardin. Como foi se deu sua entrada no cinema? Como você planejou sua trajetória como atriz?

(risos) Eu sou muito lenta. Sou belga, fiz o conservatório na Bélgica e eu tinha um problema de autoconfiança. Não me achava boa o suficiente e por isso eu não tinha trabalho. Foi quando comecei a trabalhar na televisão (Virginie Efira trabalhou como host em um programa de auditório belga). Trabalhei com isso um tempo,  mas eu não queria ser uma atriz frustrada que trabalha como apresentadora de televisão, afinal eu tinha que gostar do que estava fazendo. Depois, eu envelheci um pouco (risos) e comecei a compreender que a vida passava muito rápido e eu tinha que tentar aquilo que eu gostava de fazer. Acabaram me propondo comédias populares e eu tive sorte que funcionou nas bilheterias. Com isso, passei a ter mais escolhas. Tendo escolhas, passei a ter mais responsabilidades. Mas não faz tanto tempo assim que eu estou fazendo filmes dos quais eu gosto mesmo.

Próximos projetos?

Há o lançamento de Victoria que acontece em setembro. Depois eu fiz um filme pequeno de uma diretora (Emmanuelle Cuau) que fez três filmes no últimos 20 anos. É um drama. Conta a história de um filho que acaba virando deliquente. Chama-se Pris de Court, de Emanuel Cuau. E, agora, eu não sei (risos). Estou sem planos, o que não é desagradável. Eu fiz oito filmes em dois anos, então, férias bem vindas.

Um Amor à Altura

(Um homme à la hauteur, França, 2016) Direção: Laurent Tirard. Com Jean Dujardin, Virginie Efira, Cédric Kahn.


Por João Paulo Barreto

Curioso caso de história refilmada três vezes (?!) em um período de três anos, sendo a primeira e a segunda sob o nome de Coração de Leão, ambas produções lançadas na Argentina e Colômbia entre 2013 e 2015. A mais recente versão, dessa vez produzida na França, Um amor à altura tem em seu diferencial a presença carismática de Jean Dujardin, que vive Alexandre, um arquiteto bem sucedido no âmbito profissional, mas que encontra problemas na vida amorosa pelo fato de medir menos de um metro e meio de altura.

Ao encontrar o celular esquecido de Diane (Virginie Efira), resolve ligar para a bela mulher na tentativa de se aproximar, uma vez que já a havia avistado no restaurante onde ela deixou o aparelho após discutir com seu acompanhante. O filme começa já denotando justamente essa presença de Dujardin. Em sua conversa por telefone, uma dinâmica na voz, além de um bom humor palpável, cativa não somente Diane, mas, também, o espectador. Trata-se do tipo de personagem cujo carisma torna sua participação deveras impactante, fazendo de um roteiro frouxo, algo divertido de se presenciar.

Boa química:parte do mérito da comédia estão nestes diálogos
Na química entre o casal de protagonistas reside, entretanto, outro aspecto funcional do longa. Nisso e nas gags visuais proporcionadas pelo efeito de diminuição de Dujardin, que mede quase 1,90m, mas que aparenta uma criança em sua estatura. Nesse ponto de comédia, a obra traz bons momentos, como nas piadas com o cachorro do filho de Alexandre, um animal cujo tamanho chega a ser maior que o do arquiteto.

Em relação à presença de Efira e Dujardin em cena, o roteiro adaptado pelo próprio diretor Laurent Tirard consegue aproveitar bem os diálogos e as situações centradas no inicial desconforto de Diane, seguido de um (previsível) gradual encantamento e superação de qualquer impeditivo para aquela relação amorosa.

Momento de entrega entre Alexandre e Diane: bons efeitos visuais
No entanto, há determinados momentos em que a tentativa de se criar risos na platéia acaba por extrapolar qualquer conceito de bom senso ou conveniências forçadas na ideia de se gerar situações que explorem a altura de Alexandre.. Para tanto, cito o momento em que a mãe de Diane fica sabendo do namoro da filha e sua reação é a de, literalmente, atropelar ciclistas em uma ciclofaixa após invadir o trânsito na contramão. Ou quando uma pilha de guardanapos é colocada no alto de uma estante sem nenhuma explicação apenas para se explorar a dificuldade do protagonista em alcançá-los.

Com um final absurdamente forçado no modo escolhido para um desfecho romântico, na mente do espectador ficam apenas os risos gerados pelos diálogos rápidos entre Jean Dujardin e Virginie Efira.

Inofensivo.

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