terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

A Garota Dinamarquesa

(The Danish Girl, UK, EUA, 2015) Direção: Tom Hooper. Com Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Ben Whishaw, Matthias Schoenaerts.



Por João Paulo Barreto

Há uma importância maior do que a contida na avaliação de uma obra como A Garota Dinamarquesa apenas em seu valor estético ou como forma de entretenimento cinematográfico. Em seu momento de lançamento, período no qual o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado nos Estados Unidos, um dos países mais influentes na cultura mundial, bem como a mais do que urgente permissão do uso do nome de identificação escolhida pela pessoa em provas e concursos no Brasil, um filme como do diretor Tom Hooper (Discurso do Rei e Os Miseráveis) ganha um impacto ainda maior por conta da conscientização incluída no seu tema.

Sim, nos últimos anos, diversas obras abordaram questões como homofobia e inadequação de homossexuais perante a sociedade. Filmes como Milk e Brokeback Mountain, apenas para citar dois recentes, trouxeram louváveis discussões sobre o assunto. No entanto, uma abordagem acerca dos indivíduos transgêneros focando no drama particular de suas vidas e na mudança drástica de suas identidades físicas ainda estava a ser apresentado. Longas como Tudo sobre minha Mãe e A Má Educação, ambos de Almodóvar, trabalharam tais tópicos, do mesmo modo como Albert Nobbs e Meninos não Choram, mas o trabalho de Hooper acerta ao ampliá-la na discussão psicológica e no drama interno de seu protagonista.

Einar em seu ambiente de trabalho
No caso, trata-se de Einar Wegener, jovem pintor dinamarquês do começo do século XX, que se descobre identificado com o gênero feminino após começar a posar com roupas de mulher para uma série de quadros pintados pela sua esposa, a artista plástica Gerda Wegener. O que inicialmente era tido como uma brincadeira saudável entre um casal viril e sexualmente ativo, começa a resvalar em um conflito psicológico para Einar, que tem em seu alter-ego, Lili, um encontro que no começo o choca em sua auto-avaliação, mas que começa a fazer sentido de forma gradativa, quando sua personalidade passa a ser dominada pela de Lili.

Frequentando festas vestido como Lili, a suposta prima do interior de Elnar, o rapaz se vê penetrando em sua própria psique, algo que inicialmente lhe causa regozijo, mas que logo em seguida passa a criar um desconforto mental que resvala para um abalo corpóreo. Em um campo que a psicologia da época ainda engatinhava, Elnar é levado a médicos que sugerem os mais absurdos tratamentos, até que um deles, em Paris, lhe informa acerca da precursora possibilidade de mudança de sexo, algo a que Elnar, cada vez mais Lili, se agarra.

O filme acerta em abordar o drama vivido não somente pelo rapaz, mas por sua esposa, Gerda, que por amá-lo de forma incondicional, lhe dá todo suporte nessa decisão. A abordagem do longa neste aspecto até a pinta inicialmente como uma oportunista, que incentiva o marido a continuar travestindo-se apenas para que possa continuar a criar telas com sua imagem, quadros que vêm fazendo sucesso na França. No entanto, tal julgamento acaba sendo descartado pelo roteiro, uma vez que o suporte da garota, mesmo que levando seu casamento a um final inevitável, revela-se, de fato, indubitável.

Gerda e suas criações inspiradas em Lili
Mas é na maneira como Eddie Redmayne constrói as nuances femininas de suas duas personagens, tanto Elnar quanto Lili, que está a grande força de A Garota Dinamarquesa. O modo como seu olhar resvala entre momentos de dúvidas e decisão, demonstrando uma insegurança natural, além de seu sorriso largo que surge como que para esconder aquelas mesmas dúvidas, juntamente como seu toque e o modo como suas mãos se movem tanto no contato com o próprio rosto quanto no acariciar das pessoas que o cercam: são estes os elementos que demonstram uma construção impecável de outro ser humano.

Tom Hooper parece contido em suas utilizações de lentes deslocadas e ângulos de câmera exagerados e sem relação com resultado final, hábito comum em longas anteriores. Aqui, há um acerto no tom de seus enquadramentos juntamente com o ritmo das atuações de seus dois protagonistas, como no momento em que vemos Lili fugir da casa de um dos personagens e a rua é exibida como um corredor infindável de casas idênticas, demonstrando justamente a dificuldade da garota ao ser confrontada em sua identidade civil e a sua busca pela saída daquele mundo estático. 

Einar em seu momento de descoberta
Em sua busca por uma adaptação, a agora definitiva Lili renega tudo que antes pertencia a Elnar, inclusive seu incrível dom para a pintura. Em suas perguntas ingênuas ao médico que decidirá seu futuro, há justamente a esperança de alguém que até bem pouco tempo antes não existia. E como as de uma criança, alguém que “nasceu ontem”, tais dúvidas são presenciadas pelo espectador com uma compreensão tenra, de alguém que, apesar de decidida em sua mudança, sabemos que ainda se vê perdida em todo aquele turbilhão.

No toque das roupas femininas à presença em frente ao espelho de um corpo nu que parece ter acabado de descobrir, Elnar se encontra na busca da forma que o define, na forma que o faz se sentir bem, que o faz se sentir Lili. E não é isso que todos nós buscamos? Conforto e paz interna? Sim.

Um comentário:

  1. Amei este filme,sobretudo como Eddie Reydmany e Alicia Vikander construíram seus personagens. Sutilmente,os dois sintonizaram uma situação carregada de emoção, preconceito e dor, e definiram um caminho inesperado.

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