quinta-feira, 21 de abril de 2016

Truman

(Espanha, Argentina, 2015) Direção: Cesc Gay. Com Ricardo Darín, Javier Cámara, Dolores Fonzi.


Por João Paulo Barreto

Alguns filmes conseguem captar de modo doloroso a força da amizade entre dois homens. A cumplicidade encontrada na relação de longa data, o entendimento mútuo diante de um simples olhar e o suporte para os momentos de dor que um deles possa viver. Truman é um desses filmes.

Apesar de seu pôster enganar a audiência por transmitir a ideia de ser um longa acerca de um cachorro e todas as conotações clichês que esse tipo de trabalho traz consigo, Truman é um trabalho sobre companheirismo, sobre estar presente, sobre compreensão e respeito pelas escolhas definitivas.

É sobre dois amigos de longa data, o ator argentino radicado na Espanha, Julián (Darin) e Tomás (Cámara), espanhol e professor universitário radicado no Canadá, mas que retorna ao país europeu para uma estada de quatro dias por conta de um câncer que acomete o primeiro. No entanto, acaba sendo um filme acerca de algo mais.

Tomás e Julián: amigos em seu reencontro
Desde o primeiro momento dos dois em cena, percebe-se como a cumplicidade faz parte da vida de 
ambos. “Vejo pelo seu pau duro que está feliz em me ver”, brinca Tomás, uma vez que chegou de manhã cedo à casa de Julián e o encontrou ainda em seus trajes de dormir. No olhar e sorriso do amigo ao abrir a porta e reencontrar o outro que não via faz muito tempo, um carinho que o conforta.

Não se engane. Apesar de toda a descrição piegas deste texto, Truman consegue passar longe de qualquer tipo de sentimentalismo barato ou melodrama raso no contar de sua história. A película do diretor catalão Cesc Gay é um alento ao conseguir captar a emoção do espectador sem a necessidade de apelar para qualquer dramalhão envolvendo a história do homem que desiste de seu tratamento de câncer por perceber que não quer passar seus últimos dias entrando e saindo do hospital, convalescendo por conta dos efeitos da quimioterapia.

No título, o nome do cachorro companheiro de Julián, que busca encontrar um novo dono para o animal uma vez que lhe resta pouco tempo. Durante os quatro dias da estadia de Tomás em Madrid, vamos sendo apresentados aos hábitos e teimosia do argentino. Em seu roteiro, o diretor Cesc Gay e o co-roteirista Tomàs Aragay conseguem nos apresentar à personalidade de Julián de modo natural, colocando-o perante sua doença e o modo como a mesma afeta a ele e às pessoas que o cercam. As duas cenas distintas em um restaurante, nas quais Julián confronta e é confrontado por pessoas de seu passado ilustram bem essa ideia.

Os amigos e Truman
É um filme sobre reconhecimento dos próprios erros diante da inevitabilidade, mas sem a ideia de passar um complexo de coitado, que merece perdão pelo fato de estar para morrer. Não. O filme trata do reencontro de um homem com as verdades de sua trajetória. É o momento de abraçar seu filho; é o momento de encarar a despedida da labuta nos palcos que lhe dá um dos poucos prazeres que lhe resta; é o momento em que percebe que precisa deixar para trás seus amigos. E é justamente isso que Julián se prepara para fazer ao tentar encontrar um lar para Truman. 

Em sua história, o diretor Cesc Gay nos faz refletir acerca da importância dessa cumplicidade. Do modo como uma amizade pode sobreviver mesmo diante da incapacidade de se demonstrar emoções. E isso sem descambar para um apelativo melodrama. Os momentos em que Julián cede às lágrimas são aqueles em que poucos não cederiam. Trata-se de um homem que se vê deslocado. Que não consegue se abrir para o próprio filho, mas que o silêncio de um abraço final diz mito mais.

Na presença de um congelado Tomás, estagnado diante daquele turbilhão que se vê diante, tendo que processar tamanhas mudanças na vida do seu melhor amigo, um exemplo de uma pessoa incapaz de ceder às emoções. Quando interrogado acerca deste aparente insensibilidade, se defende, como se alguma culpa lhe caísse sobre os ombros.

Em seu momento final junto ao amigo que, possivelmente, não voltará a ver, os olhos marejados é o máximo que consegue demonstrar. Diferente do belo momento em que, diante do prazer junto a uma paixão da juventude, cede às lágrimas em desespero.

Durante a visita, Tomás pode não somente reencontrar o velho companheiro, como a si próprio. De fato, um filme a se memorado.

O Caçador e a Rainha do Gelo

(The Huntsman: Winter´s War, EUA, 2016) Direção: Cedric Nicolas-Troyan. Com Chris Hemsworth, Jessica Chastain, EmilyBlunt, Charlize Theron, Nick Frost. 



Por João Paulo Barreto

Continuação do divertido Branca de Neve e o Caçador, filme de 2012 que tinha na presença dos anões vividos por alguns veteranos atores britânicos, como Bob Hoskins, Ray Winstone e Toby Jones, seu melhor trunfo, O Caçador e a Rainha de Gelo funciona bem como um simultâneo preview e continuação para a história vista na aventura anterior, apesar de não trazer de volta o grupo completo de anões do original.

Aqui, conhecemos a origem do caçador representado pelo Thor Chris Hemsworth, raptado quando criança e treinado junto a outras para compor a guarda pessoal da rainha do gelo, Freya (a inexpressiva Emily Blunt). Antes disso, a relação da rainha com sua irmã Ravenna, a bruxa má do original (Theron, que parece se divertir com a caricatura), é passada a limpo em um breve prólogo que consegue representar bem as motivações malignas de Freya, cuja trágica história traz elementos dolorosos envolvendo a perda do filho ainda bebê.

A construção da personalidade de Freya, que passa a renegar qualquer tipo de amor quando sofre a morte do próprio bebê, é um dos acertos do roteiro. Ao optar por essa abordagem pesada, representada pela perda mais dolorosa que uma pessoa pode sofrer, o filme consegue criar um forte argumento na motivação de sua vilã inicial, o que, diferente da vaidade da clássica personagem da bruxa má, consegue criar uma crível situação dentro de uma fábula infantil.

Freya no momento de sua maior dor
E justamente por se tratar de uma fábula infantil em sua origem, o longa acaba utilizando alguns artifícios tradicionais nessa construção, como a ideia de um narrador onipresente que situa o espectador em relação à história vista no trabalho anterior, além de manter alguns elementos do conto clássico dos irmãos Grimm. Neste aspecto fantasioso, apesar da necessidade autoexplicativa do narrador incomodar um pouco, o filme se sai bem na inserção dos elementos fantásticos, como minotauros (a cena da luta do caçador com uma dessas criaturas impressiona), fadas e outros seres míticos. 

Ainda em relação ao deslocado uso da narração em off, é valido citar o incômodo em ver a história girar em torno do fato da Branca de Neve estar morrendo, mas, por conta da não participação de Kristen Stewart, que viveu a personagem no original, o filme acaba encontrando saídas fáceis e ineficientes para resolver esse problema, como ao mostrar a personagem de costas em sua convalescência.

Eric e Sara em seu trágico romance
Obviamente, o fato de termos não somente uma bruxa má aqui, mas DUAS, meio que justifica a não utilização de Branca de Neve como personagem de destaque, já que as coisas poderiam ficar um tanto congestionadas no desenvolvimento da história, uma vez que ainda é preciso encontrar tempo para abordar o romance entre o caçador Eric e Sara (Chastain), outra que ainda criança foi treinada para compor o exército de Freya. 

Diante de uma personagem feminina cuja motivação reside apenas no fato superficial de desejar ser a mais bela das mulheres, é louvável ver que o filme tenha a atenção de inserir uma representante feminina a lutar por algo que realmente cause identificação no público. E o filme tem seu mérito ao acertar nas duas personagens, tanto a vilã Freya, quanto a heroína Sara. E Jessica Chastain se sai muito bem na aspereza e no lado violento de sua heroína.

Divertido, o filme consegue captar bem a atenção infantil na reimaginação de um texto clássico.

Amor por Direito

(Freeheld, EUA, 2015) Direção: Peter Sollett. Com Julianne Moore, Ellen Page, Michael Shannon, Steve Carell, Luke Grimes.



Por João Paulo Barreto

Há duas análises que precisam ser feitas acerca de Amor por Direito, novo filme estrelado por Julianne Moore, atriz de admirável entrega aos seus personagens e que, aqui, não faz diferente. A primeira diz respeito à importância do tema abordado pelo longa, que traz na história real do casal formado pela detetive de destaque Laurel Hester (Moore) e Stacie Andree (Page).

No começo dos anos 2000, as duas passaram a viver através de uma união estável devidamente registrada legalmente. Adquiriram juntas uma casa e tocaram a vida. No entanto, um câncer em estágio terminal no pulmão de Laurel, que fumava constantemente, interrompe o que seria um final feliz e a preocupação desta passa a ser não somente por seu tratamento, mas no fato de que, após partir, Stacie não poderá receber a pensão que vai permitir que ela possa manter a casa adquirida por ambas.

Nesta análise inicial, como disse, é preciso abordar a relevância do tema que o filme traz. No ano seguinte ao reconhecimento legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo em solo estadunidense, conhecer uma história como essa, na qual um grupo vereadores de Nova Jérsei decide não conceder a pensão à sobrevivente por conta de detalhes burocráticos, é bastante impactante.

Julianne Moore e Ellen Page em boas atuações
A luta de ambas por reconhecimento movimenta todo o condado onde vivem, com grupos de suporte protestando pela liberação do direito de Stacie ser beneficiária legal de Laurel. Steve Carell rouba a cena como um afetado líder em prol dos direitos dos gays. É uma história deveras tocante e a atuação de ambas, tanto Moore quanto Page, emociona em seu ato final. 

Porém, em sua segunda análise, dessa vez abordando os aspectos técnicos e o trabalho de roteiro escrito por Ron Nyswaner, que já havia concebido a história de Filadélfia, o filme traz certos incômodos impossíveis de não notar. Primeiramente, o modo como a relação das duas mulheres é desenvolvido é um tanto superficial, não gerando (ou tardando a gerar) uma empatia por parte do público. O longa, talvez por conta de suas elipses, falha ao construir para o espectador a sólida relação de Laurel e Stacie. Claro, há os momentos em que ambas encaram o preconceito, mas o filme carece de uma força no sentido de criar a dependência emocional de uma para com a outra.

Claro que existe o fato de que as duas vêm de um universo incontestavelmente machista. Uma é policial, a outra trabalha em uma oficina mecânica. Tais fatos colaboram na ideia de que, calejadas por toda homofobia que vivem no dia a dia, seja difícil demonstrar uma entrega a uma relação de modo aberto e sem amarras. E isso o filme consegue trazer de modo satisfatório, nos momentos em que vemos Laurel recriminar Stacie por atender seu telefone ou quando a policial precisa deixar um bar devido ao fato de que viu um colega de trabalho. Porém, é inegável que o roteiro careça, ao menos em seu primeiro ato, de uma melhor construção emocional daquela relação.

Fase terminal da doença: luta pelos direitos e pela vida
Frisei o primeiro ato por conta do fato de que, em sua segunda parte, após o diagnóstico de Laurel, há uma inegável mudança na narrativa, trazendo os personagens mais estabelecidos em sua conexão emocional. Isso acaba por refletir de modo positivo no espectador, uma vez que a dor, tanto física quanto mental, observada na relação das duas consegue, finalmente, criar junto ao público o necessário envolvimento para com toda aquela situação. Não que seja necessária uma conexão estoica com o filme, mas, por conta da alteração do tom das atuações, principalmente no trabalho de Ellen Page, o longa passa a funcionar melhor neste ponto.

Relevando os momentos panfletários e artificiais, como a já clichê cena de tribunal, quando um esperado veredito é dado e todos aplaudem felizes, ou quando personagens antes insensíveis à causa passam a lhe dar suporte, Amor por Direito consegue captar bem a reflexão do importante tema.

E ter Julianne Moore em mais uma entrega excepcional, não atrapalha de forma alguma.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Em Nome da Lei

(Brasil, 2016) Direção: Sergio Rezende. Com Mateus Solano, Paolla Oliveira, Chico Diaz, Eduardo Galvão.



Por João Paulo Barreto

Lançado em um momento oportuno da cena política brasileira, Em Nome da Lei até que não faz referências explicitas ao juiz Sergio Moro na construção do personagem vivido por Mateus Solano, aqui, também um magistrado. Porém, é impossível não lembrar da figura jovial do responsável pelas investigações da lava-jato na presença do juiz Vitor Ferreira, que assume como titular na comarca de uma cidade situada na fronteira com o Paraguai, terra sem lei e dominada por um chefão do tráfico.

Em seu fraco roteiro, o veterano diretor Sergio Rezende apresenta uma espécie de faroeste moderno e até se sai bem na ambientação do local no que se refere à violência e insegurança. No entanto, há detalhes na construção de seus personagens e na criação um tanto novelesca de suas tramas paralelas que não deixam de incomodar o espectador no decorrer da apresentação e desenvolvimento destes elementos.

Alice e Vitor, procuradora e juiz se envolvem em uma terra sem lei
A começar pelo próprio Vitor, que chega à cidade com ar de galã e já começa a demonstrar uma falta de profissionalismo ao cantar sua procuradora na primeira semana de trabalho. Ok, admito que seria difícil se concentrar tanto na labuta tendo na sala ao lado (e no quarto vizinho do hotel, friso) alguém tão bonita quanto Paolla Oliveira, que vive a procuradora Alice Costa. Mas qualquer credibilidade que o roteiro tente passar para seu protagonista cai por terra quando o vemos secar garrafas de vinho em jantares durante dias úteis (sem qualquer sinal de ressaca no dia seguinte) e tenha como meta levar sua funcionária para cama. O que, claro, acaba por acontecer. 

Deixando de lado esse detalhe da personalidade do juiz Vitor, Solano até consegue transmitir segurança nas ações perpetradas pelo seu personagem. Diante de uma cidade cuja justiça parece sempre omissa, a forma enérgica como o novo juiz passa a agir diante das atividades de tráfico de drogas do chefão Gomez (Chico Diaz) constrói bem um clima de antagonismo entre os dois, colaborando de forma positiva na ideia de um faroeste moderno. Porém, o modo como o roteiro insiste em inserir subtramas que não colaboram em nada para a história e a forma capenga como as motivações que levam ao desfecho frouxo do longa são inseridas na trama acabam por decepcionar.

Chico Diaz no papel do chefão do tráfico, Gomez. 

ATENÇÃO, SPOILERS!

Na figura do chefe do tráfico e senhor do crime na região, Chico Diz até convence. Ator de expressão marcante, Diaz consegue transmitir bem a aspereza de seu personagem, alguém cuja autoconfiança bem como a certeza da impunidade subiu-lhe à cabeça. O problema está na ingenuidade de alguns dos seus atos, como no suposto desespero de sua atitude final, quando decide peitar de arma em punho a figura do juiz, algo que não condiz com a sua frieza construída pelo desenvolvimento do roteiro.

Do mesmo modo, há uma tentativa inútil de se inserir subplots que em nada acrescentam para a trama central, como a história do piloto de avião que leva as drogas para Gomez. Ao tentar estabelecer um conflito com o drama do personagem ao desconfiar de que sua mulher o trai e o resultado dessa dúvida sendo constatado na presença do chefão em fotos nonsenses tiradas com a digníssima, o filme tenta criar um possível choque ao espectador por conta do desfecho de crime passional e suicídio do traído, mas sem nenhum sucesso.

Além disso, há uma constrangedora maneira de se construir um desfecho surpreendente na ação do pacato e frágil oficial de justiça, que atira no vilão por conta de uma vingança cuja motivação é plantada no filme de modo a querer subestimar a inteligência do espectador.

Subestimar e ofender, na verdade.







quinta-feira, 14 de abril de 2016

Mais Forte que Bombas

(Louder Than Bombs, França, Dinamarca, 2015) Direção: Joachim Trier. Com Gabriel Byrne, Jesse Eisenberg, Isabelle Huppert, Devin Druid.


Por João Paulo Barreto

Mais Forte que Bombas tem um inicio precioso, trazendo na imagem frágil de um recém-nascido a segurar com sua pequenina mão a gigantesca ponta do dedo de seu pai. Essa fragilidade física daquele novo ser humano a habitar o mundo encontra paralelo justamente na fragilidade emocional de seu progenitor, Jonah (Eisenberg), alguém cujo sucesso intelectual e acadêmico vai de encontro à insegurança que parece dominar sua atual fase.

Na vida do rapaz, uma família em pedaços por conta da morte precoce de sua mãe, Isabelle, uma conceituada fotógrafa em um brutal acidente de carro. A perda desestabiliza de modo mais evidente não ele, mas seu irmão adolescente, Conrad, e seu pai, o professor secundarista Gene (Byrne), que tenta se aproximar do caçula, cada vez mais distante em seu próprio mundo, mesmo passados alguns anos desde a tragédia.

Mais Forte que Bombas é uma brilhante análise acerca do processo de luto e como essa convalescência afeta de modo diferente cada individuo. Em seu filme, o diretor e co-roteirista Joachim Trier traz para o espectador uma análise não somente de algo trágico e que muitos podem não ter presenciado em suas vidas, mas, sim, um modo de nos fazer refletir sobre o envelhecer, sobre as fases de nossas trajetórias que parecemos não conseguir enfrentar, mas que, ainda assim, teremos. 

Jonah e Conrad: diferentes modos de passar pelo luto
Em seus personagens, pessoas que, mesmo em faixas etárias distintas, encontram-se perdidas em suas próprias autocobranças, inseguranças e dores particulares. Curioso observar Jonah, tão seguro de si, doutor, professor universitário, aconselhando seu pai acerca de questões familiares, mas sem ao menos conseguir estar ao lado da esposa e do filho com semanas de vida. Entrega-se a casinhos mal resolvidos do passado e empurra seus problemas para um futuro que ele espera não chegar, mas que, obviamente, é inevitável. 

Seu pai, Gene, um ex-ator que desistiu da carreira artística a pedido da falecida esposa e que, agora, se dedica a ensinar adolescentes, parece não conseguir se desvencilhar do próprio luto por saber de segredos escusos de sua mulher. Seu relacionamento atual é mantido em segredo, uma vez que namora a professora do seu próprio filho. Na realidade, sua dependência perene à morta recai diretamente em sua preocupação perante seu filho mais jovem, Conrad, o mais afetado pela perda.

Em um período terrível como a puberdade, o garoto segue em sua introspecção e autoisolamento. Seu arco é o mais significativo de todo o longa. Abordando situações identificáveis por todos que passaram por tal fase, vemos o rapaz se apaixonar pela garota popular; o vemos conseguir extravasar algum traço do que parece sufocá-lo em textos um tanto desconexos, mas elogiados por seu irmão mais velho; o vemos encontrar-se mais presente em um mundo virtual de vídeo game do que na sua própria dolorosa realidade. No entanto, mesmo tendo todos esses clichês do período, seu modo de encará-lo acaba sendo distinto por conta de toda dor sufocada em sua perda.

Gene e sua tentativa de decifrar e se aproximar do filho caçula 
O longa tem no uso das imagens captadas por Isabelle em suas passagens por conflitos bélicos, uma comparação da fragilidade da vida em aspectos e realidades diferentes. Se no olhar atento de profissional ela conseguia enxergar momentos que poucos seriam capazes, sua atenção pessoal para o próprio cotidiano familiar se perdia confusa e desesperançosa. 

O diretor Joachim Trier consegue construir um trabalho que, apesar de certo tom melancólico, torna-se um exercício de reflexão acerca não somente da perda e do luto, como já disse antes, mas do modo como isso invariavelmente ficará para traz. Nos diversos simbolismos de suas cenas, há uma mensagem acerca da aceitação, da calma e da necessidade do tempo ao tempo.

Não há finais felizes. Ao menos, não sempre. As cicatrizes surgem e ficarão ali para serem observadas diante do espelho. Como um lembrete de nossas trajetórias. Do mesmo modo que Isabelle fazia observando suas marcas de ferimentos pelo corpo ao perseguir as melhores fotos.



quarta-feira, 13 de abril de 2016

O Escaravelho do Diabo

(Brasil, 2016) Direção: Carlo Milani. Com Thiago Rosseti, Bruna Cavalieri, Marcos Caruso, Jonas Bloch, Lourenço Mutarelli.


Por João Paulo Barreto

Amada por uma geração inteira de jovens leitores dos anos 1980 e 1990, a Coleção Vagalume, da Editora Ática, apresentou a diversas crianças e adolescentes do período o gosto pela leitura. Fui um deles, devorando obras como A Ilha Perdida e Meninos sem Pátria. Outro livro especial daquele período era O Escaravelho do Diabo, de Lúcia Machado de Almeida, que contava a história de um assassino de ruivos, e que, agora, ganha uma versão para o cinema que consegue emular bem o clima soturno da sua fonte literária.

Acertando na mudança da faixa etária de seu protagonista (no livro, ele é um estudante de medicina), aqui, Alberto é apenas um pré-adolescente na faixa dos 12 anos que tem no seu popular irmão, o motociclista ruivo e bonitão Hugo, a presença de um ídolo. Ao receber pelo correio o tal escaravelho do título, ambos pensam se tratar de uma brincadeira de algum amigo, mas, após ser encontrado morto com uma espada cravada no peito, Hugo torna-se a primeira vitima de uma série de crimes que Alberto, fã de programas como CSI, decide investigar.

Alberto encontra o escaravelho destinado a seu irmão
Essa alteração na idade reflete no alcance do filme para com seu público alvo, o infanto-juvenil, que, apesar de não ter tido acesso ao livro na época da alta popularidade da coleção Vagalume, poderá se identificar bastante com os personagens na tela. Aqui, há a inserção do par romântico de Hugo, na pele da jovem Raquel. Também ruiva (a cidade, por razões convenientes, é repleta de pessoas assim), a paixão do jovem detetive não tarda a receber o mesmo escaravelho pelo correio e, também, a estar em perigo nas mãos do tal assassino que tem nas pessoas de cabelos avermelhados suas principais vitimas. 

Com momentos de tensão bem construídos, como nas cenas passadas em um cemitério onde Hugo é perseguido por criaturas horripilantes e cuja explicação surge no ápice da história, O Escaravelho do Diabo cria uma boa atmosfera diante de um tema que o cinema nacional voltado para a faixa etária deste público não costuma abordar.

Jonas Bloch (Pe. Paulo Afonso) e Marcos Caruso (Del. Pimentel): bom elenco
E esse é mais um dos acertos do diretor Carlo Milani e dos roteiristas Melanie Dimantas e Ronaldo Santos. Ao optar por não suavizar de modo exagerado o teor brutal do livro de Lúcia Machado de Almeida, mantendo certo grau de violência visual (essencial para a trama) em suas cenas, os realizadores conseguem tanto agradar os leitores adultos que conheceram a obra na adolescência quanto os jovens atuais, sem necessariamente perder de foco a qualidade da fonte original. 

Trata-se de um filme eficiente, que consegue atualizar um pequeno clássico literário recente em uma trama fluída, na qual as intenções do vilão são críveis e têm um bom respaldo na realidade.

Uma boa homenagem ao livro preferido da infância  e adolescência de alguns trintões.


domingo, 10 de abril de 2016

Ave, César!

(Hail, Caesar!, EUA, 2016) Direção: Joel e Ethan Coen. Com Josh Brolin, George Clooney, Alden Ehrenreich, Ralph Fiennes, Scarlet Johansson, Tilda Swinton, Chanin Tatum.


Por João Paulo Barreto

Existe uma capacidade dos irmãos Coen de criar seus filmes em um universo próprio deles. Há uma identificação por parte do público mais atento quando uma obra possui a assinatura dos dois diretores. E isso não significa que seus filmes sejam reconhecíveis por conta de uma estética especifica, de uma fotografia inconfundível (apesar de trabalharem há tempos com Roger Deakins e este possuir, sim, um tipo de posicionamento de câmera especifico) ou de um tipo único de história a ser contada.

Não, é um pouco mais do que isso. A marca dos Coen está no apuro que seus filmes possuem independente do teor de suas tramas. Em suas produções, o espectador encontrará um nível de qualidade técnica e narrativa independente da seriedade ou não na abordagem de sua história. Assim, os dois conseguem criar obras que, apesar de díspares, carregam semelhante esmero nas construções, seja para denotar um mundo brutal e repleto de monstruosidades com Onde os Fracos não têm Vez, seja em seu trabalho seguinte, a paródia dos filmes de espionagem Queime Depois de Ler.

Em Ave, César!, os dois acertam novamente, mas, dessa vez, o êxito está tanto na capacidade de não se levar a sério quanto na possibilidade de abordar a história na Hollywood dos anos 1950 de modo quase documental. E seu escrevi “quase” é justamente porque com uma comédia dos Coen, essa linha entre fato e ficção tende a se confundir em benefício da comédia (observe o letreiro inicial de Fargo e entenderá o que quero dizer). 

Clooney e seu general romano: a piada preferida dos Coen
Mas, neste novo trabalho, o que acontece é a utilização de versões de personagens e fatos levemente baseados em pessoas e acontecimentos verídicos, mas sem a necessidade de propriamente se abordar questões reais. Não, não houve um sequestro de um astro por comunistas. Não, não havia um agente soviético disfarçado de ator e dançarino em meio às gravações dos estúdios. Claro, aqui e ali, quem conhece um pouco da história da Hollywood dos anos 1950, identifica algumas piadinhas com as fofocas da época. Mas, nenhum dano é causado à memória dos supostos envolvidos e a vida segue. 

Aqui, o tal astro sequestrado por comunistas em pleno período da caça às bruxas é Baird Whitlock, que é levado de dentro do estúdio ainda usando suas sandálias romanas e espada de general. Na escolha de George Clooney para o papel, os Coen corroboram sua insistência em desmistificar a presença de galã do ator ao sempre escalá-lo para papeis estúpidos (colocá-lo em um saiote durante todo o filme não foi algo sem planejamento). Na busca pelo seu astro e tendo que resolver todos os problemas do estúdio, o chefe do local, Eddie Mannix (Brolin), tem seu dia de cão ao lidar com egos inflados, atrizes solteiras grávidas e colunistas sociais feito abutres.

Channing Tatum e seu subliminar sapateado
E neste ponto reside um dos acertos de Ave, César! Para os roteiristas e diretores, há um prazer em brincar com o período dos anos 1950 em Hollywood. E eles não perdem tempo em inserir diversas situações que fazem alusão não somente à década na qual se passa sua trama, mas a outras situações anteriores. É o caso da personagem de Scarlett Johansson, DeeAnna Moran, cuja gravidez remete diretamente a situação vivida pela atriz Loreta Young, cujo resultado do caso com Clark Gable levou o estúdio a encobrir toda a situação. 

Do mesmo modo, a recriação das irmãs, jornalistas e rivais, Ann Landers e Abigail Van Buren, que aqui ganha os contornos de Tilda Swinton vivendo os papéis paralelos de Thora e Thessaly Thacker. Outros pontos da de recriação ficam, claro, para o papel de Channing Tatum como dançarino que remete a Fred Astaire e Donald O´Connor, além do próprio Clooney, cuja presença em cena, naqueles trajes, lembra muito Charlton Heston em Ben- Hur e Robert Taylor, em Quo Vadis.

No entanto, todas essas referências podem levar o espectador a achar necessário um (re)conhecimento enciclopédico da Hollywood da época, mas, não é o caso. O longa tem em sua proposta não uma caça de pistas, mas uma recriação do período com os Coen fazendo piada daquilo que eles parecem utilizar em beneficio próprio, mas sem deixar se influenciar negativamente, que é, justamente, o studio system, cuja modelo de produção industrial de filmes tão bem representado aqui parece não castrar a criatividade dos dois diretores. 

Mannix (Brolin) e sua labuta de afagar egos dos seus astros
Mas é por demais recompensador notar como os dois conseguiram aproveitar a oportunidade para dirigir, no mesmo trabalho, um musical com dançarinos de sapateado cheio de mensagens subliminares; um popular show com dançarinas aquáticas tão comum à época, além, claro, de um faroeste musical. 

E ver Frances McDormand sendo quase morta após sua echarpe prender na moviola que sua personagem usa para montar um filme é perceber que sim, os dois irmãos sabem o que estão fazendo quando decidem referenciar e reverenciar a velha Hollywood.

Ao observar toda a sequência na qual o chefe de estúdio, Manninx, busca opiniões de representantes de diversas religiões acerca do novo filme bíblico que está produzindo, percebe-se como o esmero de um roteiro tão repleto de sutis ironias fazem a diferença.

Deixo o crítico de lado e permito o fã assumir neste fechamento: Joel e Ethan Coen são gênios. Ponto.   

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Festival de Cinema Baiano - FECIBA 2016

O Película Virtual conversou com o cineasta Edson Bastos, produtor e um dos curadores do Festival de Cinema Baiano - FECIBA. O resultado você confere na matéria abaixo. Boa leitura!


Amanhã, dia 08 de abril, tem início na cidade de Juazeiro mais um Festival do Cinema Baiano (FECIBA), que esse ano chega à sua sexta edição apresentando uma variedade de temas nas Mostras tanto competitiva quanto nas demais escolhas que ilustram muito bem a produção baiana de curtas metragens, bem como exemplares do que vem sendo produzido fora do estado.

Entrocamento, de Maria Carolina e Igor Souza
Em uma edição itinerante, o festival acontecerá entre os dias 08 e 10 desse mês na cidade de Juazeiro; em seguida, será a vez de Feira de Santana, entre os dias 13 e 15 de maio, receber as mostras e, fechando as exibições e apresentando os premiados, Itabuna encerrará a mostra 2016 entre os dias 9 e 11 de junho.

Cordilheira de Amora II, de Jamile Fortunato
Com uma curadoria que prima pela variedade de estilos e técnicas nos curtas e longas metragens selecionados, o FECIBA 2016 trará para cidades que dificilmente receberiam estes lançamentos comerciais recentes, obras como Travessia, de João Gabriel; Que Horas Ela Volta?, de Ana Muylaert e Para Além dos Seios, de Adriano Big. Para o idealizador do festival e um dos seus curadores, o diretor e produtor Edson Bastos, o critério de seleção das obras visou justamente diminuir essa carência de distribuição fora das capitais. “[A Escolha] parte da necessidade de fazer com que os filmes sejam vistos e debatidos e do desejo de que a população tenha acesso ao que é produzido”, explica Edson. “Certamente se não fosse por um festival como o FECIBA, muitas pessoas não teriam acesso e não saberiam da existência de muitos dos filmes que estão sendo produzidos dentro do nosso estado”, complementa o idealizador do festival em entrevista para o blog (Confira restante do papo logo abaixo).

Sísifo do Vale, de George Neri é um dos curtas selecionados
Dez curtas metragens baianos participam da Mostra Competitiva 2016, que será dividida em dois programas de cinco filmes cada. Na primeira grade, Cordilheira de Amor II, de Jamile Fortunato; Órun Àiye: A Criação do Mundo, de Jamile Coelho e Cintia Maria; Neandertais, de Marcus Curvelo; Entrocamento, de Maria Carolina e Igor Souza e, fechando, Retomada, de Leon Sampaio.

Salitre, de Lara Belov
Na segunda grade da Mostra Competitiva, os curtas que compõem a programação são: Salitre, de Lara Belov; Sísifo do Vale, de George Varanese; Ana, de Camila Camila; IFÁ, de Leo França e, fechando, Sandrine, de Elen Linth e Leandro Rodrigues. Uma seleção que prima pela variedade de temas e de estilos de cinema, conseguindo alcançar um ótimo apanhado da produção recente na Bahia.


A animação Órun Àiye: A Criaçao do Mundo
Sobre as escolhas, a equipe de curadoria composta pelos cineastas Clarissa Rebouças e Henrique Filho, e pelo comunicólogo e especialista em audiovisual, Victor Aziz, definiu bem a missão de selecionar dez filmes de um universo tão amplo de inscritos.

Retomada, de Leon Sampaio
“Um ponto da curadoria que a gente buscou ressaltar foram filmes com temas que rompessem limites sociais e políticos. Barreiras que não podemos aceitar mais. É preciso dar voz, ouvir e conhecer a história pela perspectiva negra, indígena e da mulher. É preciso ter outros representes como protagonistas dos filmes”, explica Clarissa Rebouças. Sobre a labuta da seleção, a cineasta afirma que “foi bem difícil fazer a curadoria. Neste ano tivemos uma ótima qualidade de filmes inscritos, de diversos lugares e fechar em 10 filmes realmente foi uma tarefa árdua”, completou.


Neandertais, de Marcus Curvelo 
Para o diretor Henrique Filho, o processo de curadoria demanda uma relação com o contexto do período atual. “Estamos em uma época de muita discussão sobre os direitos humanos e inclusão social, então tivemos bastante atenção com o discurso dos filmes. Tivemos uma ótima qualidade técnica e de conteúdo no resultado da curadoria. Bastante coerente com o tema proposto no evento. E estamos muito felizes por ter uma ótima representação do cinema baiano nesta edição do FECIBA”, explicou.

Ana, de Camila Camila
As dificuldades na escolha, bem como a missão de ter uma variedade de temas na seleção foram elementos destacados por Victor Aziz. “Escolher é algo muito difícil, mas buscamos enxergar alem, ultrapassar o limite imposto. Selecionamos no que nos foi apresentado o que há de diverso e com qualidade, não só nas temáticas abordadas, quanto na técnica. Feliz por ver o documentário ter espaço, o experimental revelar talento no interior e a animação mostrar sua força. Optamos pelo cinema baiano sem limites e sem fronteiras”, afirma.
               
IFÁ, de Leo França

Sandrine, de Elen Linth e Leandro Rodrigues
Ainda nesta edição, haverá uma homenagem ao pioneiro do teatro e cinema baianos, primeiro ator negro a se formar pela escola de teatro da UFBA e símbolo da luta pela resistência, Mário Gusmão. Na ocasião, será exibido o documentário Mário Gusmão - O Anjo Negro da Bahia, que conta com a direção de Elson Rosário.

Cena do documentário abordando a vida de Mário Gusmão
Para Edson Bastos, a escolha de Gusmão como homenageado na Mostra Retrospectiva acerta pelo fato da memória do ator baiano gerar um debate. “Mário Gusmão nos leva a um debate amplo, ao mesmo tempo em que rememoramos a sua história e tomamos seu exemplo de resistência”, afirma o produtor do festival. “Quando começamos a debater sobre o homenageado, Victor Aziz, diretor do Núproart [e curador do FECIBA], sugeriu o nome de Gusmão e concordamos de imediato”, relembra Edson. “Num tempo em que questionamos sobre o protagonismo do negro na cena audiovisual, Mário Gusmão, por ser pioneiro, é referência para esse debate. E precisamos debater, pois mesmo nosso estado sendo tão diverso, com sua capital sendo a cidade com maior número de descendentes de africanos no mundo, é a sétima no ranking em homicídios contra negros em todo o país”, enfatiza.

Além da exibição do seu filme, Elson Rosário ministrará uma oficina de produção de elenco. Outras duas oficinas na área do audiovisual serão realizadas, entre elas a de Produção de Curta-Metragem, com a roteirista e diretora Paula Gomes, bem como a de Direção de Fotografia, com o diretor de fotografia, Jerônimo Soffer.

Outras mostras do festival vão apresentar trabalhos voltados para o público infantojuvenil, além de outros longas recentes, como os documentários A Loucura entre Nós, de Fernanda Fontes Vareille e Faz-se Filmes, de Violeta Martinez.

Outro ponto alto do evento será a mesa “A Linha de Fronteira se Rompeu” (Wally Salomão) que, nas três cidades, contará com a presença de diversos representantes do audiovisual nacional.

O Película Virtual conversou com o idealizador do festival, produtor e um dos seus curadores, Edson Bastos, acerca do projeto, do desafio de realizá-lo em três cidades, além da política de editais atualmente realizada na Bahia e no Brasil. Confira a continuação do papo logo abaixo. 

O diretor, produtor, curador e um dos idealizadores do FECIBA, Edson Bastos
Passando por três cidades do interior da Bahia, o FECIBA ganha um alcance bem maior de publico, podendo ir até onde está o espectador. Esse é um formato que você acredita que deveria ser adotado por outros festivais? A logística dificulta muito?

Edson Bastos -
Ainda não sabemos o resultado. Só no final para avaliarmos. Mas já percebemos dificuldades e limitações em realizar o projeto, agora em 03 cidades, com o mesmo orçamento dos outros anos. Acredito que a itinerância é algo importante para possibilitar acesso, sobretudo em lugares carentes de recursos e o FECIBA, por ter o papel de apresentar o que o nosso estado produz, precisa estar cada vez mais próximo dos espectadores, da população.

Juntamente com o Panorama Internacional Coisa de Cinema, o FECIBA tem conseguindo manter uma regularidade das suas edições, principalmente por conta do incentivo de editais. No entanto, outros importantes eventos, como a tradicional Jornada de Cinema da Bahia e o Festival Cinco Minutos, não aconteceram em 2015. Qual sua opinião em relação à política de editais oriunda tanto do governo da Bahia quanto do MinC?

Edson Bastos - É uma política importante, na medida em que antes, precisávamos ir ao balcão, pedir ao secretário, ou ter amizade com deputado para conseguir realizar um projeto. Os editais possibilitam a concorrência entre os produtores, que precisam cada vez mais se aperfeiçoar. Mas ao mesmo tempo, é uma política ainda excludente pois, aprova 50 projetos e exclui 250. Sem contar a concentração de recursos na Capital e Região Metropolitana (85%), uma vez que no último Edital Setorial de Audiovisual de 2013, o último aberto pelo Fundo de Cultura, apenas 15% foi direcionado para projetos do interior da Bahia. A SECULT-BA não lança editais setoriais desde 2013 (o resultado do edital saiu em 2014), estamos há dois anos sem os Editais Setoriais. Não fosse pelo Fundo Setorial do Audiovisual, do Governo Federal, as produtoras estariam paradas. Mas hoje temos, aproximadamente, 15 a 20 longas e séries de ficção, documentais e de animação, sendo produzidos nos próximos meses. É preciso haver uma continuidade, os editais precisam ser garantidos anualmente, pois são eles que têm possibilitado a realização de diversos projetos em nosso estado, têm gerado emprego, renda, além de estar mostrando uma diversidade de imagens nunca antes vista. Em contraponto é preciso pensar em outras políticas que agreguem mais, que diminuam as diferenças territoriais, que descentralizem mais recursos.

Outros eventos, como o itinerante Cine Avuadora, do CUAL, o Cineclube Walter da Silveira, em Salvador, o Cine Odé, em Ilhéus, têm conseguido manter viva a importante questão do “discutir cinema”. Você acredita na possibilidade de haver incentivos para que mais importantes eventos como estes possam acontecer?

Edson Bastos -
Sim, existem incentivos em diversas instâncias, privado, público, sobretudo para o debate, a formação, muito mais que a produção. Todos esses eventos, assim como o FECIBA, foram fruto do Edital de Agitação Cultural, promovido pela SECULT-BA. Eles pegaram todo o recurso de caixa do Fundo, 15 milhões, e investiram exclusivamente nesse edital. Esperamos que neste ano de 2016, além de serem abertos os editais Setoriais de Audiovisual, que seja aberto novamente o Edital de Agitação Cultural, com o dobro do valor investido.

Qual sua expectativa para o FECIBA 2016?

Edson Bastos
- Que as fronteiras sejam rompidas em todos os aspectos. Desde a perspectiva de público, à formação de mão-de-obra, aos temas dialogados, nas reflexões proporcionadas e nas ações a serem tomadas após essa edição.

Mais informações sobre o FECIBA 2016 você encontra no site do festival: www.feciba.com.br

quarta-feira, 6 de abril de 2016

De onde eu te vejo

(Brasil, 2016) Direção: Luiz Villaça. Com Denise Fraga, Domingos Montagner, Manoela Aliperti, Marisa Orth, Laura Cardoso. 


Por João Paulo Barreto

Parceiros em diversos projetos, o casal Luiz Villaça e Denise Fraga volta a trabalhar junto nesta comédia romântica que utiliza a nostalgia paulistana de modo curioso e, diferente de outros longas oriundos da Globo Filmes, sem o escracho exagerado e a caracterização forçada de seus personagens. É um filme de atuações bem sutis, o que não deixa de ser um alívio.

De onde eu te vejo exibe um casal em processo de separação. Mas, de modo estranho, o espectador não consegue enxergar as razões para aquele divórcio estar acontecendo. O filme não denota nenhum problema entre Ana Lúcia (Fraga) e Fábio (Domingos Montagner). Pelo contrário. Ela o ajuda a decorar seu apartamento, ele ainda lhe pede para arrumar sua gravata. Curiosamente, as brigas só começam quando eles não estão mais juntos.

Ex-casal entre janelas: gag visual criativa, mas que cansa após diversas utilizações
Excetuando o fato dele sair de casa para morar em um apartamento no prédio em frente (algo que funciona inicialmente como gag visual, mas que cansa um pouco após diversas inserções), não há muitos elementos no roteiro de Rafael Gomes e Leonardo Moreira para convencer o espectador de todo o drama que o casal aparentemente atravessa. Inevitável lembrar-se de outras comédias que trabalharam de maneira satisfatória a questão da crise em relacionamentos e o modo bem justificado como um divórcio ou tempo entre os casais foram inseridos. A História de Nós Dois, Separados pelo Casamento e Annie Hall são três dos que vieram à mente. 

Superado esse incômodo, o filme agrada pela boa química entre os dois protagonistas. Como dito antes, há uma eficiente utilização do sentimento da nostalgia para ilustrar boa parte da fase ruim que o casal atravessa. A ideia de que era no passado que as coisas davam certo, de que a era de ouro de nossas vidas parece já ter ficado para trás, de fato, acomete várias pessoas. E o filme, com uma bela trilha sonora instrumental composta por Dimi Kireeff, consegue ilustrar muito bem essa sensação dos personagens, transmitindo-a para o espectador. 

A cidade de São Paulo, com seus cinemas de rua fechando e restaurantes tradicionais virando estacionamentos, colabora nesse sentimento nostálgico. Na profissão de arquiteta não atuante, mas trabalhando na função de localizar imóveis para compra e demolição, Ana Lúcia cria uma interessante metáfora de sua vida pessoal com sua atual ocupação. Uma pena que os diálogos proferidos nos momentos de discussão entre ela e Fábio precisem salientar isso, preterindo qualquer sutiliza planejada.

Ana Lúcia e Fábio: a aparente distância que lhes fez bem
Na interação entre os protagonistas, percebe-se o acerto na escolha do elenco. Domingos Montagner consegue manter bem o tom entre a graça de suas situações e a tristeza que seu personagem carrega. Do mesmo modo, Denise Fraga deixa um pouco de lado os trejeitos de suas personagens televisas e entrega uma atuação sutil, tanto nos momentos de graça quanto nos de lágrimas. Ou até mesmo quando ambos os sentimentos se mesclam, como na boa gag dos dois se debulhando em lágrimas após deixar a filha na república estudantil de outra cidade. 

É um filme notoriamente sem grandes ambições e que, no final, agrada justamente por isso.

PS 1. A produção acerta em não utilizar versões jovens do casal ou tentar rejuvenescê-los de alguma forma para exibi-los em flashbacks. Após uma breve explicação de Ana Lúcia na breve quebra da quarta parede que o filme traz, conseguimos nos localizar facilmente na linha temporal da narrativa. 

PS 2. Que satisfação ver Laura Cardoso atuando com tamanha desenvoltura em sua personagem. Com um sorriso cativante, a veterana atriz entrega um dos belos momentos do filme, quando sua personagem ilustra, a partir de um simples raio de sol, as pequenas coisas que lhe dão alegria. 


Decisão de Risco

(Eye in the Sky, UK, 2015) Direção: Gavin Hood. Com Helen Mirren, Aaron Paul, Alan Rickman, Barkhad Abdi.


Por João Paulo Barreto

Decisão de Risco tem em seu inicio a simbólica cena com a pequena Alia, uma criança do Quênia, a brincar com um bambolê que seu pai acaba de construir. É uma imagem forte que causa reflexão justamente por observarmos o fato de que a garotinha só pode fazê-lo escondida entre os muros de sua casa, no país africano. Em Londres, o general Benson (Rickman) escolhe um brinquedo para sua filha enquanto segue para o local de trabalho, onde, naquele dia, definirá o destino de algumas pessoas.

O longa dirigido por Gavin Hood (da decepção Wolverine: Origens) começa de forma promissora ao levar ao espectador uma rima narrativa bastante eficiente na comparação entre dois mundos tão distintos, mas que, de modo trágico, se unirão em poucas horas.

Fora dos muros da casa de Alia, fanáticos religiosos e milicianos impõem o que julgam ser verdade através do terror. Na residência vizinha, exemplos dessas pessoas arquitetam mais uma ação sanguinária e suicida. O local é observado pelo “olho no espaço” do título original, um avião não tripulado e guiado a partir de uma base militar nos Estados Unidos. 

A vida de inocentes nas mãos de militares e burocratas em uma sala
O filme consegue situar muito bem o espectador em seus vários pontos geográficos. Além da base americana e do quartel militar em Londres, outra base comandada pela coronel Katherine Powell (Helen Mirren) dialoga diretamente com os agentes de rua no Quênia, cujas câmeras de vigilância embutidas a animais cibernéticos fariam inveja a 007. Aos poucos, o diretor nos apresenta cada ponto de sua narrativa. O que inicialmente nos leva a crer que será uma confusão, passo a passo acabamos por nos familiarizar com os ambientes e a fluidez do roteiro se torna palpável. 

Muito dessa boa fluidez se deve também à montagem de Megan Gill, parceira habitual do diretor em outros trabalhos, que consegue, após o didático momento inicial de “apresentação” das locações, mesclar bem os cortes entre um ponto e outro, principalmente quando toda a tensão imposta ao espectador pela história se faz presente nos dramas individuais de cada personagem e qual peso suas decisões terão naquele mosaico.

Mas é através do modo como Hood consegue se valer de uma trama simples para contar uma história de impactante reflexão que Decisão de Risco ganha força. O drama principal do longa está na decisão dos militares em atacar ou não a tal casa vizinha, repleta de terroristas procurados e prestes a iniciar outro ataque. O problema da decisão está na possibilidade de que a criança citada no início venha a morrer por estar vendendo pães no perímetro atingido pelo impacto do míssil teleguiado.

Coronel Powell (Mirren) no comando das operações de caça a terroristas
Neste impasse, o roteiro Guy Hibbert apresenta um retrato pertinente do modo como burocratas e militares têm o poder de deliberação em ações cujas consequências se apresentarão de modo fisicamente dilacerante não em suas vidas, mas nas de pessoas comuns, sem nenhum tipo de ligação com atitudes de fanáticos. Pessoas cujas rotinas passam à margem daquele mundo, mas que, invariavelmente, terão seus dias marcados por aqueles indivíduos. 

Na presença da coronel Powell, a imagem da militar pragmática, cujo tempo e dedicação têm sido usados quase que exclusivamente na missão de capturar, vivos ou mortos, terroristas britânicos que se converteram à jihad. Uma delas, ela rastreia por quatro anos e tem nessa missão a chance de abater. Para Powell, a perda de apenas uma criança inocente justifica alterar previsões de mortalidade por conta do risco de um ataque terrorista muito maior a ser evitado.

Um dos pontos de acerto do filme está na escalação de Aaron Paul no papel do jovem piloto que guia, da base americana, o avião não tripulado que capta as imagens aéreas e é responsável por qualquer ataque com míssil. Aqui, fica impossível não nos remeter à preocupação e ao cuidado que seu Jesse Pinkman, de Breaking Bad, possuía com crianças, personalidade que lhe rendeu um excelente arco dramático na aclamada série. Na composição de seu Steve Watts, o senso de responsabilidade militar, apesar de fiel à missão, não ultrapassa seu principio ético e humano diante do impasse que se vê colocado. E na emoção captada por Paul no desenvolvimento de seu personagem percebe-se bem isso.

Watts (Paul) e seu conflito ético
Do mesmo modo, a presença em cena do saudoso Alan Rickman, aqui em um dos seus últimos trabalhos, dá ao ex-soldado e agora militar de alta patente, um convencimento ao espectador diante do que ele mesmo classifica na sua última fala como “conhecer profundamente o preço da guerra”. Ao notar sua surpresa ao se ver diante da trivialidade com que sua vida fora daquela sala de batalha se apresenta a ele, percebe-se como essa mesma guerra pode ser implacável para alguns e indiferente para outros. A pequena Alia com seu bambolê e a filha do general a ganhar uma boneca de presente são exemplos claros destes dois tipos de pessoas.

O filme consegue inserir em seus personagens uma compreensão exata de suas ações. Não há intenções de se desenhar um cenário maniqueísta.

Com um poderoso final, Decisão de Risco deixa claro como o tal efeito colateral de qualquer guerra é tão insano como o próprio conflito em si. E o preço para aquilo será sempre pago por inocentes.

Constatação óbvia, mas impossível de não se alcançar ao se deparar com o sorriso da pequena Alia a bailar com seu humilde presente.


Em tempo: satisfação reencontrar o talentoso Barkhad Abdi em outro papel de destaque após o sucesso de Capitão Phillips. Aqui, ele interpreta um dos soldados infiltrados em território miliciano e que comanda um dos gadgets inventivos de vigilância do filme. Ator de origem pobre na Somália, merece ter seu talento reconhecido mais vezes. 






terça-feira, 5 de abril de 2016

Rua Cloverfield, 10

(10 Cloverfield Lane, EUA, 2016) Direção: Dan Trachtenberg. Com John Goodman, Mary Elizabeth Winstead, John Gallagher Jr.


Por João Paulo Barreto

Rua Cloverfield, 10 tem em seu inicio uma sutil homenagem ao score dos créditos de abertura de O Iluminado, do Kubrick. Com a sequência da garota arrumando as malas e pegando a estrada (em um take oportunamente captado em plongée, salientando ainda mais a referência), a trilha aqui composta por Bear McCreary emula de forma inteligente a tensão da trilha clássica de Wendy Carlos e Rachel Elkind. Ao percebemos qual será o destino claustrofóbico da protagonista, bem semelhante ao de Wendy e Danny na obra prima, um sorriso de canto não tardou a aparecer.

Aqui está um eficiente e curioso modo de se criar uma franquia. Sem trabalhar inicialmente nenhuma das referências ao catastrófico Cloverfield, filme de 2008, o novo longa capta a atenção do espectador justamente por utilizar a premissa de seu original apenas como um pano de fundo, sem uma relação direta à trama local que aqui nos é apresentada. Há dramas mais urgentes a serem resolvidos e o fato do mundo estar sendo destruído por um monstro em Nova York não vai afetar, pelo menos inicialmente, o trio de protagonistas vivendo em um bunker abaixo do número dez da Rua Cloverfield.

Os três sobreviventes do apocalipse em seu seguro bunker
De fato, de modo inicial, seriam duas obras totalmente independentes se não fosse pelo seu título utilizar um elemento tão trivial quanto o nome de um logradouro para referenciar o ótimo trabalho anterior. Com um tratamento voltado para o drama psicológico, quando Michelle (Winstead) se encontra presa, junto a Howard (Goodman) e Emmett (Gallagher) no tal abrigo subterrâneo e passa a se perguntar o que está fazendo ali e como foi levada para aquele lugar, Rua Cloverfield prima por criar uma atmosfera de tensão que tem em um dos seus vários trunfos a sempre eficiente presença de John Goodman em cena. 

Baseando seu personagem em um viés voltado exclusivamente para a sobrevivência, Goodman acerta ao não abusar do aspecto paranoico caricatural que sua personalidade poderia ter e se faz valer do pragmatismo e de sua presença corporal para denotar justamente sua autoridade junto aos dois jovens presos com ele. Do mesmo modo, o filme acerta ao torná-lo inapto na resolução de alguns problemas no abrigo justamente por conta de seu tamanho não condizer com um local claustrofóbico como aquele. Excetuando isso, trata-se de um homem que, ao menos aparentemente, tem total controle de seu ambiente e sente-se recompensado pela construção do bunker que salvou sua vida após o suposto ataque nuclear que o mundo sofreu. E essa é a ideia que ele vende à jovem Michelle para convencê-la de que ela está em segurança, ao contrário de como estaria lá fora.

Howard (Goodman) e sua intimidante presença perante a "aparentemente" frágil Michelle
A construção do roteiro de Rua Cloverfield, 10 e o modo gradativo como o diretor Dan Trachtenberg (que demonstra uma boa mão em seu primeiro longa) nos entrega as respostas para todas as dúvidas e suspeitas plantadas durante o desenvolvimento de sua trama, criando uma notável fluidez em sua história. Aos poucos, passamos a entender tudo o que aconteceu com aquelas pessoas e como o que aparentemente ocorreu lá fora poderá afetá-las. 

Com a criação de uma heroína e sobrevivente no desenlace surpreendente de seu arco final, esse segundo capítulo se encerra de modo recompensador, demonstrando que a volta a um tema que parecia encerrado pode render uma ótima sequência se houver um bom planejamento.

Curioso pela inevitável continuação.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Invasão a Londres

(London has Fallen, EUA, 2016) Direção: Babak Najai. Com Gerard Butler, Aaron Eckhart, Morgan Freeman, Angela Bassett. 


Por João Paulo Barreto

Continuação do bem sucedido Invasão a Casa Branca, de 2013, Invasão a Londres repete a mesma fórmula do seu original e, por consequência, os mesmos erros. No entanto, apesar de tal frase fazer parecer que o longa não possui seus méritos, não é o caso. Mesmo já sabendo o que irá encontrar ao iniciar os créditos, há diversos bons momentos reservados para o espectador.

Apesar de parecer sair do ambiente claustrofóbico da Casa Branca para a batalha de campo em Londres, os melhores momentos do filme ainda são aqueles que acontecem dentro dos espaços sufocantes e escuros onde o infalível agente Mike Banning (Butler) consegue demonstrar seu total comprometimento e competência na proteção do presidente americano Benjamin Asher (Eckhart).

Banning e Asher: fuga pelas ruas de Londres
Ainda com uma deficiência constrangedora na criação de seus efeitos visuais para as explosões em espaços abertos, Invasão a Londres traz justamente em tais situações um dos seus pontos falhos. Aqui, temos alguns dos cartões postais londrinos sendo destruídos na ação de terroristas contra os principais chefes de estado do mundo, reunidos na cidade para o funeral do primeiro ministro. Parecendo não finalizadas, as cenas denotam certo descuido por parte da produção, mas que, ao menos, são recompensadas nas sequências de ação sem a necessidade das vergonhosas firulas visuais.

Em fuga pelos subterrâneos do metrô de Londres, em vielas estreitas e em pequenas casas que servem como esconderijo para o MI5, serviço secreto britânico, é justamente quando o filme se sai melhor. O diretor iraniano Babak Najafi conseguiu criar boas cenas de ação, principalmente quando optou por longos planos sequência acompanhando toda a tensão do protagonista nos tiroteios e lutas corporais para resgatar o presidente. 

Filme funciona bem quando a ação deixa de ser megalomaníaca e explosiva
Gerard Butler convence como o agente secreto de habilidades de luta fenomenais, bem como um exímio (e, às vezes, inacreditável) atirador. Novamente no papel de produtor, o ator escocês demonstra real comprometimento nas suas cenas, ajudando a criar mais um personagem que, em uma produção mais apurada e sob a batuta de outro diretor, poderia ganhar ares de um Jason Bourne. 

Repetindo, ainda, os deslocados discursos ufanistas e de valorização falsa de um suposto american way of life, o filme não chega a entregar momentos de vergonha alheia como o que vimos na sua primeira edição (quando a personagem de Melissa Leo jura fidelidade a bandeira antes de quase morrer), mas fica difícil esconder o incômodo ao vermos Banning explicar a um terrorista as razões da supremacia estadunidense em um diálogo travado nos momentos finais de vida do antagonista.

Aguardando para saber se o próximo presidente ameaçado será o Donald Trump.

Para Minha Amada Morta

(Brasil, 2015) Direção: Aly Muritiba. Com Fernando Alves Pinto, Lourinelson Vladmir, Mayana Neiva, Giuly Biancato, Vinicius Sabbag.


Por João Paulo Barreto

Para Minha Amada Morta consegue transmitir um tipo de sentimento singular a partir de seu protagonista, o fotógrafo forense Fernando. Viúvo e ainda preso ao amor que sente pela sua esposa, se dedica a manter a memória de seus dias com ela através do cuidado e do apego às roupas da falecida. Sob sua responsabilidade, o filho pequeno segue o mesmo caminho do pai na postura de não deixar para trás a presença da mãe em suas vidas.

É um filme sobre apego. Ao mesmo tempo, é sobre o tal do “deixar passar”. Mas é também sobre o reconhecer dos erros de quem se ama e, apesar de não perdoá-los, compreendê-los e viver com eles. Deixe-os estar. Certo, mas escrever isso é fácil. Vá experimentar fazer, vai. Complicado.

Fernando descobre que sua mulher o traia ao encontrar fitas VHS que ela gravou nos momentos de intimidade com seu amante. Após isso, qualquer tipo de afeto nostálgico que sente se torna algo pernicioso. Seus dias de cuidado e lembranças se tornam de desleixo e amargor. A pistola de seu trabalho em cima da mesa enquanto dorme no sofá vira brinquedo na mão do filho pequeno. Mal percebe que uma nova tragédia o ronda. 

Perda de um romantismo idealizado: Fernando encontra outra persona de sua amada
Desesperado, arquiteta encontrar o tal homem e se vingar de alguma forma. Pelo menos, é isso que pensamos. No entanto, nem mesmo ele sabe o que fará. Aly Muritiba é cuidadoso na criação e desenlace de sua história. Brinca com a tensão de seu público. Em certo momento, vemos os dois homens conversarem, enquanto Fernando manipula todo o dialogo na intenção de escutar Salvador, o amante, falar sobre seu caso de amor. A conversa é toda registrada sem cortes, sem trilha. Apenas o som da pá sendo utilizada pelo marido traído para limpar um terreno. E toda a tensão vai sendo construída justamente por esperarmos pela reação explosiva do homem. Mas, não. Nada de saídas fáceis aqui. Nada de sangue no olho e clichê violento. O que importa para Muritiba é o estudo de seus personagens. Cada nuance, cada camada daquele trauma psicológico que vai se construindo. 

O tipo de vingança que vemos o protagonista buscar acaba se tornando algo além. Inicialmente, o ódio que vemos em seu olhar ao observar Salvador nos leva a crer que a explosão será inevitável. Mas há certo aspecto doentio no modo como Fernando se tortura ao optar por conviver durante dias junto à família do homem que lhe tirou de uma ilusão romântica. Aos poucos, ele começa a perceber como qualquer atitude de dano físico que ele busque não lhe trará satisfação. Em paralelo, percebe que não há mais nenhuma magia em sua idolatria pela tal amada morta. Sendo assim, qualquer ato “por sua honra” será inútil.

Fernando encontra Salvador
Foi preciso muito mais do que um processo de luto para fazê-lo chegar a tal conclusão. O tal sentimento singular que citei no começo deste texto é justamente esse. A satisfação de Fernando ao seguir por vingança contra aquele que lhe tirou de seu transe de romance idealizado acabou não sendo aquilo que ele buscava. 

Em seu quadro final, Para Minha Amada Morta denota o que realmente vale a pena para Fernando daqui para frente. Mas, claro, não sem antes compartilhar com quem, mesmo que indiretamente, lhe abriu os olhos para um pouco de seu amargo apego.