quarta-feira, 22 de março de 2017

T2 Trainspotting

(UK, 2016) Direção: Danny Boyle. Com Ewan McGregor, Ewen Bremner, Robert Carlyle, Jonny Lee Miller.


Por João Paulo Barreto

Vinte anos é bastante tempo. Eu ainda estava no curso ginasial há vinte anos. Curioso olhar para trás e perceber suas mancadas e seus acertos. Seus arrependimentos, seus sucessos e seus lamentos. 
Reencontrar-se com seu passado, não somente com uma fase específica, mas todo um apanhado do que você fez durante esse tempo até o dia de hoje, pode ser um exercício ao mesmo tempo satisfatório e perigoso. Nostalgia vicia. Vicia quase (eu disse quase) da mesma forma que a heroína que vinte anos atrás dominava a vida de Renton (McGregor). Vicia quase da mesma forma que a mesma droga dominou a vida de Spud (Bremner) pelas últimas duas décadas. Vicia do mesmo modo que a violência e agressões físicas tornam a trajetória de Franco Begbie (Carlyle) mais aceitável em sua própria vida. E vicia tanto quanto o rancor que mantém Simon “Sick Boy” (Miller) vivo e, claro, mais dependente das carreiras de cocaína. Mas essa mesma nostalgia te ensina a refletir e a reparar antigos erros.

T2 Trainspotting possui uma cena na qual Sick Boy censura Renton por querer reviver fatos do passado daqueles quarentões, quando todos ainda estavam com vinte e poucos anos. “Isso é nostalgia. Você é um turista em sua própria juventude. Nós éramos jovens. Coisas ruins aconteceram”. E mesmo com toda sua roupagem pop, trilha sonora envolvente, cortes secos e rápidos característicos do estilo de Danny Boyle desde o primeiro filme de 1996, essa continuação não escapa de uma roupagem triste, de pessoas em busca de uma redenção e do próprio perdão pelos erros do passado. Pessoas que exibem agora as marcas da idade (e das frustrações e insanidades) em seus rostos. Na mesma cena, Simon censura Renton, fazendo-o lembrar que foi ele quem vendera a primeira dose de heroína ao falecido Tommy. Renton revida e atinge o amigo em cheio ao devolver a lembrança de que, agora, o bebê morto de Simon seria uma moça cheia de vida e planos para o futuro. T2 Trainspotting, ao final, se resume a isso. Golpes certeiros na consciência de cada um. Por debaixo da graça inerente ao longa, há um sabor amargo e uma camada de tristeza por debaixo do seu tom de comédia.

Down to the memory lane: Simon, Renton e Spud honram Tommy

Para o espectador, porém, é um reencontro com os personagens marcantes. A ideia de mostrar cada um deles em suas vidas atuais e compará-las com as pregressas causa graça, principalmente quando o foco está no ingênuo Spud, que, desde o inicio, já se mostra como a melhor coisa do filme, como quando explica a razão para seus fracassos está no fato de estar sempre uma hora atrasado para seus compromissos da vida pós-heroína. “Como eu poderia saber que existia algo como o horário de verão se eu fui um junkie pelos últimos vinte anos?” Pergunta relevante...

Trata-se de um filme que funcionaria bem sozinho, mas a opção de Danny Boyle em inserir constantes referências ao original, no começo, funciona. Porém, no decorrer das duas horas de projeção, acaba por cansar um pouco. Mas não ao ponto de enfraquecer demais o longa. No entanto, isso acaba por torná-lo dependente demais de seu predecessor. Mas entendemos que a pretensão de Boyle é a de fechar um ciclo. E, por isso, qualquer intenção forçada em referenciar a obra de 1996 acaba sendo relevada em nome da ótima atmosfera captada pela continuação.  E isso ele consegue sem necessariamente querer causar a mesma revolução visual que foi o longa noventista. Aqui, não houve nenhuma autocópia ou busca do impacto sensorial que foi a cena do banheiro. Aliás, é delicioso pescar as referências feitas durante a projeção, como quando Renton cai por cima de um capô de carro e sorri para a câmera, ou quando Spud se vê diante da mesma rua onde anos antes correra após um furto.

Begbie e sua fúria contra Renton
No aspecto visual, Boyle resgata os tons pastéis e os papeis de parede em casas populares escocesas em uma bem sucedida autorreferência. E nesta mesma passagem, uma sombra familiar na parede parte o coração do espectador. O momento em que Renton adentra em seu antigo quarto causa no espectador quase o mesmo impacto que nele mesmo. E o medo do efeito que o disco de Iggy Pop com a faixa Lust for Life causará nele é bem compreensível. Apenas a batida inicial da faixa já é suficiente para deixá-lo apreensivo. E o espectador parece também sentir o mesmo impacto e receio.

A percepção final é a de estarmos diante de três caras atormentados (Begbie não conta. Continua o mesmo psicopata de sempre). Atormentados e fracos, como podemos perceber pela recaída de Renton e Sick Boy pela agulha na veia. Apesar de seu discurso atualizado do monologo Choose a Life, Renton, mesmo com 46 anos, ainda denota o mesmo grau de imaturidade de vinte anos atrás. Não há muita redenção para aqueles indivíduos e é um alivio perceber que o filme não se rende a esse artifício sentimental. Quando vemos Begbie pedir perdão ao filho e se despedir de sua mulher, uma pretensa intenção piegas e inserida, mas, ainda bem, logo cai por terra. Aquele personagem está aquém de qualquer salvação. Sua dependência da violência já o dominara.

Contudo, é ótima a sensação ao percebemos ser Spud o mais forte dos três, o mais fiel ao seu processo de desintoxicação. Como disse o próprio Renton, Spud nunca machucou ninguém. É com regozijo que percebemos um final feliz para o coitado. 

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