sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Millennium - Os Homens que não amavam as mulheres

(The Girl with the Dragon Tattoo, EUA, 2011) Direção: David Fincher. Com Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgard, Robin Wright, Ulf Friberg.


Adaptação americana do best seller The Girl With the Dragon Tattoo, escrito pelo sueco Stieg Larsson, Millennium- Os Homens que não amavam as mulheres é, definitivamente, um trabalho exato para o apuro técnico na direção que os filmes de David Fincher sempre demonstram. A começar pela brilhante introdução dos créditos iniciais que, ao som de Immigrant Song, apresenta um cenário high tech em uma eficaz analogia da podridão humana que o jornalista vivido por Daniel Craig e a hacker interpretada por Rooney Mara irão testemunhar. A versão da canção do Led Zeppelin, executada por Karen O e Trent Reznor (do Nine Inch Nails, em sua segunda parceria com Fincher), confere desde os segundos iniciais da produção, uma identidade soturna que veremos se desenvolver durante todos os 158 minutos do longa.

Ainda não li o livro no qual foi baseado o filme. Ele, inclusive, já teve uma primeira adaptação cinematográfica em 2009, com Noomi Rapace no papel da hacker Lisbeth. Com a versão de David Fincher e o roteiro de Steven Zaillian, houve a criação de uma atmosfera claustrofóbica com um crescente clima de tensão que se mantém até o surpreendente final. Apesar de bastante eficiente, faltou justamente essa ambientação à versão sueca. Enquanto o filme de Fincher investiu em uma fotografia propositalmente escura que, mesmo nas cenas externas onde a neve poderia gerar um cenário menos ameaçador, há um intenso clima de desconforto. Já o filme de Niels Arden Oplev possui diversas cenas em dias ensolarados, o que acaba não colaborando muito com as intenções de suspense que o longa almeja.

A história narra a investigação do jornalista sueco Mikael Blomkvist (Craig) na tentativa de desvendar o desaparecimento de uma adolescente ocorrido na década de 1960. Mikael, um dos sócios da revista Millennium, acaba de perder um processo judicial no qual foi acusado de calúnia e difamação ao investigar os negócios duvidosos do milionário Hans-Erik Wennerstrom (Friberg). Sua carreira como jornalista investigativo acaba sofrendo um impacto no qual suas finanças e reputação serão totalmente abaladas. Para piorar a situação, ele também é afastado do periódico pela sua editora (e amante) Erika Berger (Wright). É quando recebe o convite para sair de Estocolmo e viajar até Hedestead, também na Suécia, onde receberá do bem sucedido empresário Henrik Vanger (Plummer) o trabalho de investigar o desaparecimento de sua sobrinha Harriet, a quem ele procura desde o final dos anos 60. Com a possibilidade de conseguir um aliado no processo legal contra Wennerstrom e ainda ser bem pago pelo seu ofício de jornalista, Mikael aceita a proposta apesar de ter que se mudar para a cidade que, devido ao frio intenso, parece estar localizada no Pólo Norte.      

Henrik Vanger (Plummer) coloca Mikael (Craig) a par do desaparecimento de Hanriet
A investigação de Mikael esbarra na dificuldade de coletar informações das principais fontes envolvidas no processo. Para seus familiares, Vanger inventou o álibi de que o jornalista está escrevendo sua biografia. No entanto, alguns deles sabem do interesse do empresário em desvendar o sumiço de sua sobrinha. Ele, inclusive, desconfia que um dos seus parentes, totalmente anti-sociais e, alguns, anti- semitas, foi o responsável pelo desaparecimento da garota, uma vez que, na ilha onde todos se reuniram para o jantar em família no dia do ocorrido, não havia como nenhum deles sair devido a um acidente que interditou a ponte que liga a propriedade de Vanger ao continente.

Diferente do estilo de diálogos acelerados visto em A Rede Social, dessa vez Fincher preferiu manter a narrativa menos frenética, desenvolvendo cuidadosamente cada um dos pontos da história. O filme, inicialmente, possui duas tramas paralelas. A de Mikael em sua busca e a da hacker Lisbeth Salander (Mara), que já havia sido contratada pelos advogados de Vanger para levantar a vida do jornalista. Intrigante e riquíssimo personagem, Lisbeth chama a atenção do espectador na trama de modo a suplantar até o desenvolvimento do personagem de Daniel Craig. Com uma aparência andrógena e instigante, repleta de tatuagens e piercings faciais, Rooney Mara merece colher os louros da sua indicação ao Oscar pelo papel.

Lisbeth Salander (Mara) :andrógina e ameaçadora
Sempre demonstrando uma segurança no olhar, como um animal acuado que, quando ameaçado, sabe responder na mesma ferocidade de seu predador, a jovem Lisbeth vive sob a tutela do Estado devido a seu violento e conturbado passado familiar. Desse modo, ela não pode ter acesso ao espólio de sua família sem a avaliação de um psicólogo e mediante a aprovação de um assistente social. Após seu tutor sofrer um derrame, ele é substituído por outro guardião legal. Cínico e ameaçador, Nils Bjurman, o novo tutor, chantageia Lisbeth na concessão de dinheiro à garota. Em uma cena ao mesmo tempo chocante e repleta de regozijo, a resposta dela a todo aquele processo humilhante faz valer a descrição de animal acuado respondendo ao abuso de predadores.
Mesmo mantendo os diálogos sem o frenesi já citado de A Rede Social, a montagem de Millennium se destaca. Remetendo ao quebra cabeça narrativo de outro trabalho de Fincher, Zodíaco, seus habituais montadores Angus Wall e Kirk Baxter, vencedores ano passado e novamente indicados ao Oscar esse ano, dão um ritmo ágil ao filme, mas sem apelar para a banalidade gratuita de rápidos e constantes cortes com intuito de causar um pretenso impacto no espectador. Observe, por exemplo, a cena em que Lisbeth é roubada na estação do metrô. Com uma pontual e impressionante velocidade, o trecho, que poderia possuir um decupagem simples, acaba tendo um ritmo ágil, mas não gratuito, onde os poucos cortes conseguem explicar toda a ação ao espectador.
Com a tensão constante mantida até o surpreendente e tocante desfecho da trama, algo digno de Agatha Christie (mas, claro, com pontos muito mais chocantes que qualquer conclusão escrita pela inglesa), a versão de Fincher perde força apenas no final anticlímax. Óbvio que as origens literárias da história exigem certa fidelidade para a trama. No entanto, não há como não perceber certo desequilíbrio no longa quando uma nova mini trama é inserida uma vez que todo o final da história já foi apresentado ao espectador e digerido por este.

Fica a chamada para a continuação, uma vez que na versão literária, a história é contada através de uma trilogia. E que David Fincher volte a encabeçar o projeto, obviamente.

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