quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Boi Neon

(Brasil, 2015) Direção: Gabriel Mascaro. Com Juliano Cazarré, Maeve Jinkings, Alyne Santana, Vinicius de Oliveira


Por João Paulo Barreto

Em Boi Neon, o universo bruto dos vaqueiros traz uma diferente aura.

Vaqueiro com aparência bruta, suja, quase violenta, mas que esconde uma sensibilidade disfarçada. Nem mesmo ele sabe que a possui. Apesar de não parecer pertencer àquele lugar, soa como algo natural, nada que seja alheio àquele seu universo.

No sonho de ser estilista, Iremar cata em meio à lama de um depósito de materiais descartados de uma fabrica de tecidos, partes de um manequim que o ajudam, mesmo que de forma pequena, a tornar aquela ambição mais palpável.

O diretor Gabriel Mascaro traz no construir daquele ambiente toda uma reestruturação de seus personagens, retirando-os da obviedade e da previsibilidade que suas aparências supostamente trariam como bagagem. Aqui, a mulher, Galega, é a caminhoneira a levar o pesado veículo repleto de bois de vaquejada em vaquejada. Na boleia do veículo é onde encontra sua privacidade feminina. Onde serve de modelo para que Iremar retire suas medidas para as roupas e onde ela se depila para transar com Júnior, o vaqueiro de chapinha no cabelo e que usa aparelho nos dentes não porque precisa, mas “porque acha massa, mesmo”.

Cacá e Iremar se adaptam a hostilidade do ambiente que têm em comum
Nesse ínterim, Galega cria sua filha sem um pai por perto. A menina, Cacá, sonha em possuir um cavalo e os desenha nas páginas ejaculadas de uma revista pornô que Zé, um dos vaqueiros, carrega consigo. Naquele ambiente, é o único lugar onde ela consegue desenhar para ilustrar seus pequeninos sonhos. Na mesma revista, Iremar rabisca suas peças de roupas por cima das mulheres nuas, gerando uma raiva quase cômica em Zé, que “paga dez reais pra ver buceta”, mas encontra as páginas riscadas. São personagens presos àquele mundo hostil que, apesar de não maltratá-los, os restringe, castrando-os de suas ambições. 

Em pequenas ações inseridas naquela rotina restrita, encontram suas formas de extravasar. Iremar costura suas próprias peças de roupas, enquanto Cacá sonha com cavalos e brinca com um deles nos lombos dos bois do curral. O banho é coletivo, com todos os homens compartilhando um único chuveiro e poucos baldes de água. Mãe e filha tomam banho atrás do caminhão, com um lençol a dar pouca privacidade. 

Cacá tenta ser criança em meio aos bois de sua rotina
Em uma rotina onde a sensualidade se faz presente de forma inerente, aquelas pessoas acabam por encarar seus instintos humanos de modo a adaptá-los ao ambiente que restringe suas vidas. Ao comprar calcinhas sexy de um ambulante, Galega tem um pouco de seu perfil feminino aflorado, o que é logo recriminado pela filha insolente. “Calcinha de puta”, tacha a pequenina. A bela cena serve como desabafo para a mãe chorar ao recriminar a garotinha ao dizer que não aguenta mais. É um dos poucos momentos em que percebemos como aquela rotina a incomoda, mas não há meios de sair.

Nesse incontido aflorar de sua sensualidade, Galega transa com o novo vaqueiro, Júnior, alguém que ainda lhe é desconhecido e que, talvez por isso, facilite sua aproximação, uma vez que não vemos a mesma energia entre ela e Iremar. O sexo é feito em pé, dentro de um curral, em meio aos bois. Nada mais apropriado para quem vive naquele mundo. Já Iremar é seduzido pelo presente de uma vendedora de perfumes grávida e a liberação de todo aquele desejo se representa em uma das cenas de sexo mais belamente filmadas no cinema nacional.

Mascaro convida o espectador a visitar aquele mundo, a perceber como aqueles indivíduos se adaptam às suas ambições em seus sonhos impossíveis e os modos como a vida os castra. Uma obra fascinante.

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