domingo, 23 de julho de 2017

De Canção em Canção

(Song to Song, EUA, 2017) Direção: Terrence Malick. Com Michael Fassbender, Rooney Mara, Ryan Gosling, Natalie Portman. 


Por João Paulo Barreto

Terrence Malick possui ao seu redor uma áurea de mistério. Pouco fotografado ou visto em público, já é notório o fato de que, após dois filmaços dirigidos na década de 1970 (Terra de Ninguém e Cinzas no Paraíso), o realizador entrou em um exílio cinematográfico.  Só voltou a dirigir vinte anos depois, em 1998, com Além da Linha Vermelha, uma poética e brilhante, porém não muito unânime, visão da Segunda Guerra Mundial. Após isso, um novo hiato, dessa vez mais breve (sete anos) e o diretor trouxe, em 2005, O Novo Mundo, sua versão live action da lenda de Pocahontas, que a Disney já havia popularizado nos anos 1990.

Percebia-se, no entanto, que apesar de certo tom aventureiro na adaptação, os vinte anos passados entre Days of Heaven e The Thin Red Line haviam mexido com o modo do diretor fazer cinema. As questões existencialistas inseridas no filme bélico passaram a fazer parte de suas narrativas com cada vez mais presença. Após o teor histórico da exploração branca para com o povo nativo americano (filme que já trazia certo tom existencial em sua proposta), Malick levou seis anos para criar sua mais simbólica obra após o drama de guerra do final do século passado. Com A Árvore da Vida, de 2011, o também roteirista elevou os padrões para o que se pode chamar de cinema contemplativo, criando uma profunda reflexão acerca da perda e sua relação com o que podemos chamar evolução humana. Um trabalho que exige bastante do espectador, mas que, ao seu final, sabe trazer uma pertinente reflexão acerca da função do cinema como algo além do puro entretenimento.

O fato de que não foi abraçado por muita gente vai sem dizer, apesar de indicações ao Oscar de melhor filme e diretor terem feito o longa atrair bastante curiosidade. Mas, o mais importante, porém, é a percepção de que ali o cineasta registrava uma marca de criação que tornariam seus filmes identificáveis com poucos segundos de projeção. Os dramas individuais, as angústias intimas, a dor oriunda da ansiedade, o medo às vezes infundado e vários outros sentimentos comuns que atormentam as pessoas passariam a ser abordados de forma crucial e essencialmente humana por Malick em seus roteiros.

Vida glamourosa, mas a sensação de vazio permanece
Chega-se a 2017 e o diretor reúne em uma só história não somente a já marcante percepção de análise comportamental dos indivíduos em seus auto questionamentos, mas, também, acerta ao inseri-la em um contexto no qual a música e a indústria por trás da falsa atmosfera glamourosa do showbizz no rock and roll são colocadas como ponto de partida da suposta beleza a rodear o mundo daqueles personagens. Trata-se de pessoas cujas vidas, repletas de cores, sons e sorrisos disfarçam certo vazio que seus questionamentos tendem a tornar evidentes. Entre belos semblantes, corpos e peles perfeitas, contas bancárias recheadas e rotinas aparentemente de pura diversão, um incômodo constante parece atormentá-los, e é justamente a ausência de uma definição para ele que mais causa o conflito. É aí que reside a proposta de Terrence Malick.

Michael Fassbender, Rooney Mara e Ryan Goling formam aquele triangulo composto por um empresário e dois músicos. Os últimos são artistas apresentados a todo conforto concedido pelo sucesso comercial que o tino para negócios do primeiro lhes traz. Entre viagens em jatos particulares, festas em ostentosas casas, encontros com pesos pesados do rock, suas rotinas parecem feitas apenas de deslumbramento, algo que a fotografia do premiado Emmanuel Lubezki, com toda sua claridade exposta juntamente com a opção já marcante de câmera fluída e os poucos cortes de Malick denotam de forma nítida diante do espectador.

Patti Smith, de modo singelo, entrega grandes momentos no filme
Mas, claro, aquelas vidas não são feitas somente de alegrias. O recorte do envolvimento daquelas pessoas traz uma sensação de vazio. Quando a personagem da garçonete vivida por Natalie Portman surge em cena (algo que salienta ainda mais a ideia de que a beleza plástica proposta pelo filme em seus personagens os tornam ainda menos alcançáveis ao público), a esperança de que encontraremos alguém mais próximo de realidade não dura muito tempo, uma vez que ela também é dragada para aquele universo. E o mais curioso é que tal entrada acontece a partir de uma confissão feita pelo empresário Cook, personagem de Fassbender, ao brincar (será?) que precisa dela, pois não pode ser deixado sozinho. Precisamente essa sensação que o define durante todo o longa.

Esse medo e essa fuga da solidão são os sentimentos que melhor enquadram aquelas pessoas. Dentre os momentos mais marcantes a ilustrar essa ideia de tentativa de escape, o encontro com a cantora Patti Smith quando esta explica as razões de ainda usar sua aliança mesmo viúva, é um que reverbera exatamente por ilustrar, ao espectador atento, a tragicidade que envolverá um dos personagens apresentados. Dentre cobranças familiares em suas comparações, exigências auto impostas na tentativa de se alcançar algo que se acredita ser a felicidade, essa fuga é das apreensões que mais torturam aqueles indivíduos. E não é o que nos atormenta a todos? É justamente disso que Malick busca tratar.


2 comentários: