quinta-feira, 30 de março de 2017

Ghost in the Shell

(EUA, 2017) Direção: Rupert Sanders. Com Scarlett Johansson, Pilou Asbæk, Takeshi Kitano, Juliette Binoche, Michael Pitt.


Por João Paulo Barreto

O desafio aqui é falar de Ghost in  the Shell, versão live action, sem cair na armadilha raivosa de criticar a escolha do elenco norte americano para viver personagens que, na animação, são orientais. Cinema é indústria. Indústria custa caro. Estampar a cara da Scarlett Johansson no pôster atrai investidores e público. E, no final, o interesse principal dos produtores é esse. Então, se não quiser assistir à versão live action, a excelente animação sempre servirá de consolo.

Dito isso, passemos a análise da obra propriamente dita. Como entretenimento, Ghost in the Shell funciona bastante. Trata-se de uma produção caprichada, repleta de boas sequências de ação, uma direção de arte que se destaca pelo modo como cria um futuro que, em parte, se vê de acordo com o esperado para a humanidade, no qual superpopulações se espremem em grandes metrópoles e a publicidade parece invadir o dia a dia das pessoas de forma incisiva. A cidade do filme, inclusive, mescla uma espécie de Nova Iorque futurista, com a Los Angeles de Blade Runner (em todas as suas óbvias referências) com a Tóquio original da animação.

Neste futuro, crimes são previstos com antecedência, algo que remete à obra de Phillip K. Dick, seres humanos podem ser aprimorados com tecnologia cibernética e ciborgues coexistem com pessoas. Major (vivida por Johansson) é uma agente da organização Section 9, que persegue um suposto terrorista virtual com a capacidade de hackear mentes que possuem melhorias cibernéticas.

Major em momento de reconstrução
É curioso observar como o filme trabalha a questão da solidão e dos questionamentos tão comuns à humanidade, mas a partir da óptica de um robô, ou, no caso, de um ciborgue, uma vez que Major possui apenas o cérebro humano. Neste sentido, o filme busca trazer certa profundidade à sua protagonista, colocando-a em uma busca que, diferente da que vemos na animação, até que enriquece a personagem, apesar de torná-la um tanto deslocada dentro da trama central, que na animação trata exclusivamente da caça ao terrorista Puppet Master, um ser virtual que consegue, como um vírus de computador, penetrar no sistema da organização a fim de destruí-la.

No longa, claro, há algumas mudanças referentes às motivações da protagonista, que ganha toda uma trama relacionada à busca de suas origens. Compreensível, uma vez que se trata do maior destaque do filme. Porém, é decepcionante perceber que os roteiristas Jamie Moss e William Wheeler cederam à armadilha de colocá-la em uma relação direta com o personagem do Puppet Master que, aqui, de modo deslocado, ganha uma face humanóide na figura de Michael Pitt. Ao ceder à tentação reducionista de usar um vilão convencional (e clichê), ao invés de se ater à animação original, a versão em live action perde força.

Puppet Master ganha a face de Michael Pitt
Do mesmo modo, a inserção de uma personagem que representa alguém diretamente oriundo do passado da Major não colabora tanto para o seu desenvolvimento. Entretanto, apesar disso, a justificativa para a diferença étnica e o uso de um nome oriental para a personagem de Johansson (Motoko Kusanagi) é bem justificada dentro da trama, uma vez que o invólucro (ou Shell, como queira) da Major pode até ser anglo-saxão, mas seu cérebo continua bem japonês, como confirma o nome (ok, haters, não deu para resistir a esse comentário).

Com cenas de luta e invasões com tiros que remetem a Matrix, algo divertido de se observar uma vez que o longa de 1999 já usava assumidamente toda e qualquer referência à animação lançada quatro anos antes, Ghost in the Shell peca por um falta de criatividade neste sentido, usando momentos clichê como personagens subindo em paredes ou atravessando vidraças com os cacos causando aquele já conhecido efeito visual. Ao menos, uma referência direta ao visual gore da animação é feita quando a personagem precisa destruir um dos seus membros. Mas as explosões faciais tão hipnotizantes no desenho fizeram falta. Compreensível, uma vez que na versão americana, a classificação indicativa (e consequentemente o faturamento) impediria.

Sequências já vistas em outros filmes, mas que ainda funcionam
Há, no entanto, momentos marcantes, como a participação de Takeshi Kitano como o fodão Aramaki, que no melhor estilo “I´m too old for this shit”, entrega, para regozijo dos fãs, uma ótima sequência de vingança. Ou ainda as assustadoras inserções das gueixas cibernéticas logo em sua abertura.E como é curiosamente bom ver Juliette Binoche em papeis tão pop!


Deixe de lado o mau humor. Desapegue e dê uma chance. Depois reveja o desenho duas ou três vezes para compensar. 

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