sábado, 15 de julho de 2017

Entrevista: Fiona Gordon e Dominique Abel



                                                                                              Foto: Rogério Resende
Por João Paulo Barreto

O casal de cineastas Fiona Gordon e Dominique Abel passam boa parte da entrevista com um sorriso no rosto. É um clima amistoso, de quem parece visar um cinema calcado justamente na gentileza, mas sem apelar para artifícios de manipular a audiência na ideia tão comum do feeling good movie. A proposta dos dois está na utilização do audiovisual como uma possibilidade de construir comédias baseadas na pureza de seus personagens e, principalmente, no uso do gestual e não tanto do verbal para desenvolvimento dos mesmos, algo que remete a mestres como Tati, Buster Keaton e Chaplin. “Desde a Escola de Teatro Jacques Lecoq, onde estudamos mais de quarenta anos atrás, na França, buscamos aprimorar essa ideia do uso do corpo, dessa linguagem tão espontânea”, afirma Fiona. Ela canadense, ele belga, acabaram por se unir tanto na profissão como romanticamente, buscando uma arte que aprimorasse essa utilização do corpo como forma de comunicação. Comemoram quarenta anos de carreira em 2017 e continuam na busca desse aprimoramento. O cinema agradece.

No filme, é perceptível uma utilização do gestual, da comunicação corporal no intuito de substituir a verbal. Como se dá esse processo de criação?

DOMINIQUE - Nós adoramos a linguagem corporal. Adoramos observar as outras pessoas. O corpo fala, sabe? E muitas vezes o corpo fala uma coisa diferente do que a boca está falando. A linguagem do corpo é mais difusa. É menos precisa do que a palavra. Mas a palavra, às vezes, pode matar a verdade. O corpo, neste caso, é mais espontâneo. Você não controla tanto o corpo. Você o controla menos do que a palavra. Nós, como diretores, gostamos de observar as situações em que as pessoas não sabem o que dizer, quando ficam embaraçadas em expressar o que pensam. Muitas vezes, é o ato físico que entrega tais reações, como por exemplo, a vergonha sentida ao tropeçar, ou cometer algum ato estabanado. Esse tipo de constrangimento, de embaraço, diz muito sobre a própria humanidade. Cada corpo tem a sua linguagem, uma vez que eles são diferentes uns dos outros e essa diversidade é algo que admiramos bastante. A linguagem do corpo é algo mais subterrâneo. A linguagem normal, a fala, as palavras, fazem parte de uma algo maior, claro, mas elas são apenas a ponta de um iceberg para nós. O corpo fala muito mais, possui muito mais expressão do que as palavras em si.

O casal de diretores com a atriz Emmanuelle Riva

FIONA – Sim, mas não se trata apenas de expressão corporal, claro. Ela é muito importante para nós, mas é importante que ela esteja inserida, que tenha um contexto. Por exemplo, um mendigo que faz seu acampamento debaixo da representação da estátua da liberdade em Paris é diferente de um que faça um acampamento no campo, ou que faça na frente de um parlamento, por exemplo. Então, o contexto é um pouco como o corpo. Ele fala do que está acontecendo de uma maneira mais aberta, e deixa o espectador poder interpretar também. E para nós, além disso, há um sentido mais profundo na linguagem corporal. Muitas vezes a gente não consegue se expressar, não achamos as palavras certas. Tem gente que não é bom com as palavras, mas o corpo não mente.

Eu li uma declaração de vocês acerca do seu modo de fazer cinema, que vocês buscam um cinema que seja calcado na pureza e na ingenuidade, e não tanto no cinismo, que como a gente vê muitas obras hoje sendo feitas.

FIONA - Não chegou a ser uma escolha proposital. Isso vem um pouco da nossa natureza, uma vez que somos assim. Nosso prisma enxerga as coisas desse modo, e não de uma forma que busca fazer uma parodia de tudo. Nós gostamos de entrar na pele dos personagens, mostrar as emoções reais, as fraquezas, os seus vieses. E essa ingenuidade é uma pequena forma de resistência contra essa obscuridade e negatividade que o cinema gosta de descrever sempre, que já dura muito tempo. Nossa proposta de cinema visa navegar o mundo com essa pureza, com esse modo de resistência.



Seu filme foi um dos últimos trabalhos da Emmanuelle Riva. Como foi a experiência e como essa oportunidade se apresentou?

DOMINIQUE – Perdidos em Paris foi o primeiro filme burlesco que ela fez. Isso nos deixou muito felizes. Ao conversar com ela, percebemos que ela gostava muito do Buster Keaton, mas, curiosamente, nunca havia tido chance de trabalhar com esse tipo de cinema. Somente aos 88 anos é que ela foi ter essa chance e nos disse que adorou, chegando a dizer que queria fazer outro, que adoraria fazer outro. Sua morte nos deixou muito entristecidos por conta dessa vontade que vimos nela em querer trabalhar mais. Nós somos muito gratos a Emmanuelle. Curioso que nossa busca inicial era que a personagem fosse interpretada por uma atriz amadora. Nós gostamos muito desse lado não profissional que os atores amadores têm a oferecer. Esse jeito um pouco desajeitado de se expressar. Mas, quando a personagem estava se desenvolvendo no papel, começamos a pensar em uma atriz profissional. E nós não tínhamos ideia de que a Riva possuía esse outro lado mais voltado para a comédia. Nós a conhecíamos de papeis dramáticos. Mas, em 2012, na ocasião de sua indicação ao Oscar pelo trabalho em Amour, ela fez um vídeo destinado ao New York Times em que aparecia brincando com um guarda-chuva, imitando o vagabundo, personagem do Chaplin, soltando bolinhas de sabão, usando uma capa de plástico com o S do Superman, algo bem descontraído e brincalhão. Então, percebemos esse lado criança dela, essa face divertida. E ela tinha uma risada muito infantil, algo bem espontâneo. Lembro-me de ouvi-la dizer que se sentia com quatorze anos, mas seu corpo não entendia que ela estava com 88 anos. Ela alimentou muito o filme através dessa personalidade. Ela era poetisa. Costumava levantar de manhã, escrever poesias, uma pessoa que não tinha filhos, vivia sozinha, e era alguém realmente insubmissa, sabe? Radical em suas escolhas e, realmente, esse lado poetisa que ela possuía foi imprescindível para nosso filme.

É bonito que ela venha a encerrar sua carreira com papel tão leve, quando sua imagem esteve associada a papeis tão pesados quanto os que fez com Pontecorvo, Resnais, Haneke, por exemplo.


FIONA – Nós acreditamos ter feito bem a ela, tanto quanto ela nos fez bem. Nem todos os nosso filmes são tão leves assim, mas Perdidos em Paris, sim. O seu resultado final foi muito, muito leve. Isso é algo que nos deixa muito orgulhosos por ter podido contar com ela. 

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