quarta-feira, 7 de março de 2012

Drive

(EUA, 2011) Direção: Nicolas Winding Refn. Com Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Albert Brooks, Ron Perlman, Oscar Isaac.


Em certo momento de Drive, o personagem anônimo de Ryan Gosling  utiliza a velha metáfora do escorpião que pica outro animal que o havia ajudado e se justifica dizendo que não poderia evitar: aquela era a sua natureza. Ao sermos apresentados ao motorista sem nome, percebemos seus trejeitos calculados, sua personalidade monossilábica e a forma como ele parece esconder algo sobre si. E durante todo o primeiro ato do filme, ficamos esperando para que aquela máscara caia. Quando ele afirma, sem precisar aumentar o tom de voz, que vai empurrar os dentes de alguém garganta abaixo, não é com surpresa que descobrimos a verdadeira natureza do rapaz. E quando sua face ensanguentada toma toda a tela, temos a certeza sobre quem é aquele homem.

Drive apresenta-se como um filme lento não no sentido negativo da palavra. Longe disso. Muito longe. O ritmo do filme é conduzido pela constante postura de observador que o motorista mantém sobre a própria vida e sobre a vida de quem o cerca. Ao explicar como funciona seu método de trabalho e o quão irredutível é a sua ideia dos cinco minutos nos quais ficará disponível para seu contratante, já vemos mais uma prova do seu metodismo. Nas palavras do próprio, ele apenas dirige. Não porta armas, não entra em esquemas. Só dirige, levando ladrões do ponto A ao B exibindo com maestria o domínio da arte da fuga. Observar como ele prefere parar ao invés de seguir em disparada salienta o quão calculista é sua visão.

A delicadeza de Irene contrasta de modo gritante com a brutalidade de seu mundo
Ao se envolver com uma mãe solitária (Carey Mulligan), cujo marido está na cadeia, o motorista percebe-se inserido em um mundo que, até então, lhe era desconhecido. Sempre exibindo um olhar de curiosidade acompanhado por um sorriso tímido (a atuação contida de Gosling é mais uma prova de seu talento), sua personalidade encontra uma paridade em Irene e no pequeno Benicio. Os três parecem precisar dessa unidade que o convívio lhes traz. E ver o protagonista observando o trafego da janela do apartamento de Irene, nos faz perceber o quanto ele almeja não ter que voltar para aquele universo novamente.

Com uma trilha sonora setentista e créditos iniciais que parecem ter saído direto dos anos 80, o filme reinventa o gênero da violência urbana de modo a deixá-la impactante sem apelos gratuitos. A montagem econômica traz uma velocidade à trama que dispensa cenas desnecessárias. Observe o momento em que Irene precisa da ajuda do motorista. Em dois cortes e sem nenhum diálogo, entendemos toda a sequência.  Usando de modo eficaz a edição de som, as cenas onde a brutalidade do filme é exibida causam ainda mais impacto. Principalmente a cena que se passa em um elevador. Vemos por apenas um brevíssimo momento o que está acontecendo, mas o som está presente de modo a nos fazer perceber exatamente o que ocorrera com o homem que cruzou o caminho do anti-herói.

Louvável ver um filme capaz de elevar a um patamar de qualidade tão notório o conceito de violência não estilizada. A sua presença consta como algo intrínseco à trama, não como uma alegoria. E quando vemos o motorista caminhando naturalmente na rua com seu habitual casaco branco tingido de sangue, percebemos como ela faz parte de sua natureza. O escorpião em sua costas lhe cai muito bem.

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