quarta-feira, 6 de abril de 2016

Decisão de Risco

(Eye in the Sky, UK, 2015) Direção: Gavin Hood. Com Helen Mirren, Aaron Paul, Alan Rickman, Barkhad Abdi.


Por João Paulo Barreto

Decisão de Risco tem em seu inicio a simbólica cena com a pequena Alia, uma criança do Quênia, a brincar com um bambolê que seu pai acaba de construir. É uma imagem forte que causa reflexão justamente por observarmos o fato de que a garotinha só pode fazê-lo escondida entre os muros de sua casa, no país africano. Em Londres, o general Benson (Rickman) escolhe um brinquedo para sua filha enquanto segue para o local de trabalho, onde, naquele dia, definirá o destino de algumas pessoas.

O longa dirigido por Gavin Hood (da decepção Wolverine: Origens) começa de forma promissora ao levar ao espectador uma rima narrativa bastante eficiente na comparação entre dois mundos tão distintos, mas que, de modo trágico, se unirão em poucas horas.

Fora dos muros da casa de Alia, fanáticos religiosos e milicianos impõem o que julgam ser verdade através do terror. Na residência vizinha, exemplos dessas pessoas arquitetam mais uma ação sanguinária e suicida. O local é observado pelo “olho no espaço” do título original, um avião não tripulado e guiado a partir de uma base militar nos Estados Unidos. 

A vida de inocentes nas mãos de militares e burocratas em uma sala
O filme consegue situar muito bem o espectador em seus vários pontos geográficos. Além da base americana e do quartel militar em Londres, outra base comandada pela coronel Katherine Powell (Helen Mirren) dialoga diretamente com os agentes de rua no Quênia, cujas câmeras de vigilância embutidas a animais cibernéticos fariam inveja a 007. Aos poucos, o diretor nos apresenta cada ponto de sua narrativa. O que inicialmente nos leva a crer que será uma confusão, passo a passo acabamos por nos familiarizar com os ambientes e a fluidez do roteiro se torna palpável. 

Muito dessa boa fluidez se deve também à montagem de Megan Gill, parceira habitual do diretor em outros trabalhos, que consegue, após o didático momento inicial de “apresentação” das locações, mesclar bem os cortes entre um ponto e outro, principalmente quando toda a tensão imposta ao espectador pela história se faz presente nos dramas individuais de cada personagem e qual peso suas decisões terão naquele mosaico.

Mas é através do modo como Hood consegue se valer de uma trama simples para contar uma história de impactante reflexão que Decisão de Risco ganha força. O drama principal do longa está na decisão dos militares em atacar ou não a tal casa vizinha, repleta de terroristas procurados e prestes a iniciar outro ataque. O problema da decisão está na possibilidade de que a criança citada no início venha a morrer por estar vendendo pães no perímetro atingido pelo impacto do míssil teleguiado.

Coronel Powell (Mirren) no comando das operações de caça a terroristas
Neste impasse, o roteiro Guy Hibbert apresenta um retrato pertinente do modo como burocratas e militares têm o poder de deliberação em ações cujas consequências se apresentarão de modo fisicamente dilacerante não em suas vidas, mas nas de pessoas comuns, sem nenhum tipo de ligação com atitudes de fanáticos. Pessoas cujas rotinas passam à margem daquele mundo, mas que, invariavelmente, terão seus dias marcados por aqueles indivíduos. 

Na presença da coronel Powell, a imagem da militar pragmática, cujo tempo e dedicação têm sido usados quase que exclusivamente na missão de capturar, vivos ou mortos, terroristas britânicos que se converteram à jihad. Uma delas, ela rastreia por quatro anos e tem nessa missão a chance de abater. Para Powell, a perda de apenas uma criança inocente justifica alterar previsões de mortalidade por conta do risco de um ataque terrorista muito maior a ser evitado.

Um dos pontos de acerto do filme está na escalação de Aaron Paul no papel do jovem piloto que guia, da base americana, o avião não tripulado que capta as imagens aéreas e é responsável por qualquer ataque com míssil. Aqui, fica impossível não nos remeter à preocupação e ao cuidado que seu Jesse Pinkman, de Breaking Bad, possuía com crianças, personalidade que lhe rendeu um excelente arco dramático na aclamada série. Na composição de seu Steve Watts, o senso de responsabilidade militar, apesar de fiel à missão, não ultrapassa seu principio ético e humano diante do impasse que se vê colocado. E na emoção captada por Paul no desenvolvimento de seu personagem percebe-se bem isso.

Watts (Paul) e seu conflito ético
Do mesmo modo, a presença em cena do saudoso Alan Rickman, aqui em um dos seus últimos trabalhos, dá ao ex-soldado e agora militar de alta patente, um convencimento ao espectador diante do que ele mesmo classifica na sua última fala como “conhecer profundamente o preço da guerra”. Ao notar sua surpresa ao se ver diante da trivialidade com que sua vida fora daquela sala de batalha se apresenta a ele, percebe-se como essa mesma guerra pode ser implacável para alguns e indiferente para outros. A pequena Alia com seu bambolê e a filha do general a ganhar uma boneca de presente são exemplos claros destes dois tipos de pessoas.

O filme consegue inserir em seus personagens uma compreensão exata de suas ações. Não há intenções de se desenhar um cenário maniqueísta.

Com um poderoso final, Decisão de Risco deixa claro como o tal efeito colateral de qualquer guerra é tão insano como o próprio conflito em si. E o preço para aquilo será sempre pago por inocentes.

Constatação óbvia, mas impossível de não se alcançar ao se deparar com o sorriso da pequena Alia a bailar com seu humilde presente.


Em tempo: satisfação reencontrar o talentoso Barkhad Abdi em outro papel de destaque após o sucesso de Capitão Phillips. Aqui, ele interpreta um dos soldados infiltrados em território miliciano e que comanda um dos gadgets inventivos de vigilância do filme. Ator de origem pobre na Somália, merece ter seu talento reconhecido mais vezes. 






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