segunda-feira, 26 de março de 2018

Mostra Tiradentes 2018 - Homenagem a Babu Santana


Pensar em homenagem é algo que me emociona por saber que a luta é dura. Isso é um oxigênio para minha carreira” 



O ator Babu Santana em seu lar, no Vidigal

Em Café com Canela, Babu Santana, rosto marcante da recente geração de atores brasileiros, pôde reencontrar suas origens. Sim, com o filme de Glenda Nicácio e Ary Rosa, mais do que conseguir sair de um padrão de personagens violentos, o jovem oriundo do Vidigal, notória favela do Rio de Janeiro, voltou a Cachoeira e a São Felix, cidades às margens do rio Paraguaçu onde nasceram seus avós, e que ele chegou a visitar durante a infância. “Lembro-me de chegar a Cachoeira para iniciar as filmagens, o pessoal me deixar na pousada e eu me perguntei se, sozinho, ainda conseguiria chegar à casa onde moravam meus parentes”, relembra Babu durante o papo por telefone. Em sua voz, é perceptível um ar de saudosismo. “Quando sai, dobrei a esquina e vi a ponte. Cara, pareceu que tinha sido ontem. Consegui chegar direitinho até lá”, diz entre sorrisos.


Entre o resgate dessa memória afetiva e a criação de um personagem distante dos vividos por ele em filmes como Cidade de Deu, Batismo de Sangue e Estômago, dentre diversos outros, Café com Canela proporcionou justamente uma quebra de estereotipo. Com Ivan, um médico  homossexual, casado com Adolfo (Antonio Fábio), um experiente e mais velho agente de viagens aposentado, Babu capta uma sensibilidade que difere de qualquer personagem que já tenha feito antes. “Eu queria interpretar alguém justamente como o Ivan, o personagem escrito pelo Ary. E essa minha vontade acabou reverberando até ele, que me convidou”, afirma.

Babu em cena de Café com Canela

Em 2018, Babu completa vinte anos como ator profissional. Teve sua trajetória homenageada na Mostra Tiradentes, que conta com Café com Canela como longa de abertura e que aconteceu na cidade mineira em janeiro. “Brother, quando eu penso nesse negócio de homenagem, me vem à mente todos os perrengues, toda a luta dura que é tentar viver de atuação aqui no Brasil. Principalmente para o povo miscigenado que busco representar. Então, para mim, isso é como uma medalha, um oxigênio para minha carreira”, salienta.

Após viver com impressionante fidelidade o cantor Tim Maia na cinebiografia lançada em 2014, e deixar a violência para o personagem de Lázaro Ramos no impactante Mundo Cão, filme de 2016, Babu Santana reafirma sua versatilidade na sensível obra baiana premiada no festival de Brasília do ano passado e, agora, com estreia internacional confirmada no prestigiado festival de Rotterdam, na Holanda.

Confira o papo também publicado no Jornal A Tarde. 

Babu, como se deu o convite para sua participação em Café com Canela?

Cara, foi uma coisa de cosmos, sabe? Realmente, cósmica. O Ary (Rosa) e a Glenda (Nicácio, diretores do filme) estavam fazendo um trabalho em alguma cidade do interior. No lugar onde eles estavam hospedados só pegava dois canais na TV. Em um deles passava um programa da Marília Gabriela no qual eu era o entrevistado. Ela me perguntou o que eu ainda gostaria de fazer no cinema, algo que me desafiasse. Lembro-me de ter respondido que queria interpretar um personagem homossexual. E esse pedido acabou tocando o Ary e a Glenda, lá no sertão da Bahia. O Ary conseguiu entrar em contato com um grupo de teatro que eu fiz parte, o Nós do Morro. Uma amiga minha de lá me colocou em sintonia. Os dois me mandaram um roteiro e eu me apaixonei de cara pela história que eles queriam contar em Café com Canela.

E como foi essa coincidência de a história se passar justamente na região do recôncavo de onde surgiu sua família?

Foi uma surpresa, mesmo. Quando li o texto, senti que era algo especial. Era um roteiro gostoso de se ler.Só que em momento algum eu me antenei que se passava em Cachoeira, sabe? Na minha cabeça, as cenas seriam rodadas em Salvador. Foi somente na semana anterior a minha viagem foi que eles me falaram que rodariam tudo em Cachoeira e São Felix. Lembro do Ary me perguntando se eu conhecia a região. “Não acredito. Vocês estão de brincadeira comigo”, respondi. Gente, foi muita coincidência (risos).  Foi por isso que eu te falei que me senti como parte de algo cósmico. Por conta de uma entrevista com a Marília Gabriela na qual eu protestava: “por que eu não posso fazer certos tipos de personagens? Por que tenho que ficar preso a estereótipos?” Todo esse meu questionamento acabou reverberando e foi ecoar justamente no recôncavo baiano, onde vivem Ary e Glenda, e de onde minha família, minha bisavó, meu avô, meu pai, enfim, de onde, de certa forma, eu surgi, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro. Isso é pura magia, cara. Algo cósmico, mesmo.

Já com diversos filmes na bagagem e muita experiência em sets, como foi a experiência de participar do primeiro longa da dupla de diretores?

Desde o momento que eu cheguei a Cachoeira, tudo foi mágico. Porque eu me deparei com uma equipe de estudantes liderados por Glenda e por Ary. E foi assim que eu comecei no cinema. Estudando, fazendo diversas atividades. Quando comecei a fazer cinema, eu fazia a arte, a cenografia. A gente não só estudava teatro, mas o ofício do cinema, mesmo. Então, quando eu vi toda aquela mobilização da cidade, oficinas com moradores, tudo aquilo me cativou. Glenda e Ary, inclusive, montaram uma forma diferente de filmar. A gente fazia diurna e noturna no mesmo dia. E isso eles conseguiam captar o lugar. Não sei e foi proposital, mas foi algo de gênio. Em alguns momentos, eles conseguiam captar o som ao redor da cidade. Eles queriam muito que fosse uma história bem regional, mesmo. Acabou sendo algo mágico. E, depois, quando eu soube do resultado do filme nos festivais que ele participou, fiquei maravilhado. Porque, inclusive, eu ainda não assisti (risos). Eu vou ver agora em Tiradentes. Quando eles começaram a rodar os festivais com o filme finalizado, eu estava fazendo novela lá na Globo e não estava com agenda para poder viajar. Mas, agora, finalmente vou conseguir ver. Estou muito feliz com as pessoas terem ficado mexidas com esse trabalho de Glenda e de Ary. O roteiro escrito por ele mexeu muito comigo.

Seu personagem no roteiro de Ary Rosa se junta a outros recentes que você interpretou no cinema, como o pai de família Santana, em Mundo Cão, e o próprio Tim Maia, algo que acaba por lhe tirar de um estereótipo violento, inclusive.

Olha, preciso dizer que a coragem que o Ary teve na escrita desse roteiro foi linda. Quando ele resolveu quebrar esse estereotipo de personagens anteriores. Em me trazer para fazer um médico, um cara super seguro da própria identidade, sabe? Mais do que um homossexual, que eu acho que seja a última coisa do personagem, para mim é a construção de um homem sensível, um médico negro, da cidade do interior, com uma história tão bonita. E o mais importante é essa quebra  do estereotipo, que é algo que a gente precisa se acostumar. Porque o camarada quando senta lá pra estudar artes cênicas, ele está estudando para atuar. Eu não estou estudando para fazer um único tipo de personagem. Apesar de, claro,  gostar, também. Eu acho que esses tipos violentos, populares que eu faço, também precisam de uma representatividade. Mas, cara, eu não sei você, mas eu quando vejo nossa dramaturgia, principalmente televisão e cinema, eu me sinto em um país nórdico. E nós somos um país completamente miscigenado. É bacana ver na TV um casal de jovens bonitos. Mas eu também quero ver casais de velhinhos, quero ver o carinha gordinho com a menina magrinha e vice versa. O rapaz feio com a menina bonita e vice versa. Mas quando ligo a TV, eu me sinto pouco representado. Eu fico me sentindo em um comercial de pasta de dente, sabe? (risos) Então, para mim, um roteiro como o de Café com Canelo tem essa coragem de mostrar outras histórias. Porque todo mundo tem uma história a ser contada. Todo mundo tem que ser representado. A história de um todo, de um país do tamanho do nosso, precisa ser contada. E isso é um pouco que acontece com Café com Canela. Uma cidade do interior, do recôncavo baiano, tão rica culturalmente. Se você observar, nós somos um país muito grande e temos apenas dois pequenos eixos. E aí quando você sai desse eixo não só para contar, mas para produzir essa história, para mim é muito importante para ter esses novos olhares. Para que a gente possa evoluir até como mercado, como nação e como pensamento. 

Embate com Lázaro Ramos em Mundo Cão

Em 2018 você completa vinte anos como ator profissional.  Como foi esse caminho?

É, cara, exatamente esse ano, eu completo vinte anos como ator profissional. Minha primeira de teatro aqui no Rio foi em 1998. Chamava-se Abalou - Um Musical Funk. Para mim, essa coisa de homenagem vem como uma medalha, sabe? De uma luta que ainda é muito dura. Ainda é muito duro. A gente ainda não tem o nível de representatividade, o volume de trabalho que preciso. Algo que possa me trazer uma tranquilidade de vida. Eu até hoje estou na luta. Uma vez por mês chego a pensar em desistir (risos). Porque, olha...(pausa). Quando vem algo assim, uma homenagem? Brother...  Primeiro porque eu achei até que era mentira, que era alguém querendo pregar uma peça em mim (risos). Até porque eu não construí minha carreira pensando em ser homenageado. Eu só queria sobreviver daquilo que eu amo fazer.

Para você, qual o peso dessa homenagem em Tiradentes e o que representa para o futuro de sua carreira?

Quando um festival como o de Tiradentes vem  propõe uma homenagem como essa para mim, puxa, é como um tubo de oxigênio, sabe? Algo que vai me dar um gás para que eu possa um dia olhar para trás e ver uma carreira bacana. Mas não composta só por prêmios e homenagens, mas, sim, por fazer o que eu gosto, por sobreviver com o que eu gosto. Quando eu comecei a atuar, quando eu manifestei a vontade de ser ator, minha família ficou muito preocupada. Imagina só na década de 1990, sabe, a gente não tinha essas figuras que nos representassem. Que nos dava essa possibilidade de ter essa profissão. Era muito raro. A gente tinha quem? O Grande Otelo, que havia ficado lá atrás, o Milton (Gonçalves), o (Antônio) Pitanga, a dona Ruth (de Souza). E aquilo que essas pessoas alcançaram era pouco diante da grandeza delas, sabe? Então, eu lembro até hoje quando minha mãe chegava para mim e dizia: "Mas, filho, você vai ser ator, mas como é que você vai alimentar sua família?". Eu fui pai muito cedo. Eu tinha 22 anos quando minha filha, a Laura, nasceu. E inclusive, uma curiosidade: eu soube do nascimento da Laura justamente lá em Tiradentes. Eu estava fazendo um filme chamado Alegres Comadres e eu lembro que falei: "Olha, mãe, olha aí. Vai dar certo. Vai dar certo (enfático)". Essa homenagem me fez lembrar disso. Lembrar que eu quis ser ator para mostrar, para comunicar, para mostrar minha arte. E eu tenho feito. Tenho realizado cada vez mais sonhos. E, puxa, eu vou poder brindar toda essa luta lá em Minas. Para mim, toda vez que eu penso em homenagem, eu me emociono muito porque é uma luta muito dura, velho. É uma luta muito dura! E saber que as pessoas estão observando essa luta, saber que minha arte toca as pessoas a ponto delas quererem me homenagear, ou me premiar com alguma coisa, é um símbolo de vitória, sabe? E eu fico muito feliz. Fico muito emocionado, mesmo. Tudo na minha vida parece mágico. Essa homenagem vem do mesmo lugar onde eu estava quando soube do nascimento da minha primeira filha, o filme de abertura da Mostra, Café com Canela, vem do berço da minha família, então, brother, eu estou assim em êxtase. Eu estava até fazendo um dietazinha aqui para tirar o Tim Maia de vez de mim (risos), mas eu vou abrir uma  exceção em Tiradentes para tomar um pequeno porre para comemorar e ganhar um fôlego para mais trinta, quarenta anos de carreira, se Deus quiser.  



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