segunda-feira, 18 de agosto de 2014

The Rover - A Caçada

(The Rover, Austrália, 2014) Direção: David Michôd. Com Guy Pearce, Robert Pattinson, Scott McNairy.



Por João Paulo Barreto

Diferente da ambientação urbana de seu longa anterior, o premiado Reino Animal, de 2010, o diretor David Michôd trouxe para The Rover um teor pós apocalíptico característico do outback australiano, local que parece sempre repleto de desespero e terror latentes oriundos de personagens psicopatas.

Aqui, a coisa não é muito diferente. No tal futuro pós-apocalíptico que o letreiro inicial informa se passar 10 anos depois de um colapso da sociedade (colapso esse que parece ser econômico, e não causado por algum agente biológico ou coisa do tipo), Eric, um maltrapilho homem com aparência de poucos amigos, tem seu carro roubado por supostos assassinos que abandonam o próprio veículo após um acidente.  Começa, então, a busca pelos ladrões e pelo seu carro, que parece ser seu último bem material.

Funcionando como um road movie suicida, The Rover traz Guy Pierce como um protagonista no limite emocional que o faz não pensar duas vezes antes de executar a sangue frio um traficante de armas que não aceita negociar preços ou encarar um revolver apontado para sua testa com a mesma coragem de quem encara uma briga justa. É o tipo de personagem perdido, sem esperanças de redenção, mas com um único norte como meta, algo que leva o espectador a torcer por ele mesmo sem conhecer nenhum traço de seu passado brutal.

Eric: atitudes suicidas de quem nada tem a perder
Na busca pelos ladrões de seu carro, topa com o irmão deficiente mental de um deles. À beira da morte, o rapaz pede ajuda e acaba servindo de guia para Eric seguir os rastros dos bandidos. A relação que se desenvolve entre ambos torna-se a tona do filme. Robert Pattinson, no papel do jovem assassino Rey, volta a confirmar que há vida pós Crepúsculo e apresenta uma atuação complexa, repleta de tiques nervosos, com um pesado sotaque australiano e sem vaidades na entrega.

A história da relação da amizade baseada na sobrevivência dos dois protagonistas, apesar de se valer de certas conveniências do roteiro para seguir em frente, é o que torna intrigante a história escrita pelo ator Joel Edgerton (Guerreiro) e pelo próprio diretor. Enxergando na imagem do homem mais velho uma autoridade paterna, a personalidade manipulável de Rey torna-se evidente e passamos a vê-lo como uma vitima dos homens que agora persegue.

Rey: confusão mental, carência afetiva e instinto assassino
Na construção de seu personagem, Pattinson, em trajes sujos, olhares desencontrados e repletos de confusão, esconde uma profundidade palpável. O choque entre a dureza de Eric e o pedido involuntário por socorro de Rey é perceptível quando este o questiona sobre o fato dele não conseguir parar de pensar em uma de suas vítimas. “É o preço a se pagar por ter tirado uma vida. Você tem que carregá-la consigo para sempre”, é a resposta de Eric, que define a personalidade e entrega parte do passado daquele homem.  

Um dos pontos de acerto da produção está na escolha de elenco, com a inserção de atores direcionados a personagens cujas aparências incomuns e estranhas refletem o ambiente inóspito onde vivem. Os rostos marcantes acabam por se tornar peças na construção visual do filme. Não somente em suas aparências físicas, com queimaduras oriundas do sol escaldante e aspereza visual denotando bem o universo onde vivem, mas suas atitudes refletem um desenho daquele mundo destruído social e economicamente.

Em certo momento, vemos um comerciante condicionar uma informação à compra de qualquer mercadoria de sua loja caótica. Ao parar em um posto de gasolina, Eric argumenta com o vendedor que só tem dólares australianos e este, de modo agressivo, replica dizendo que apenas americanos são aceitos. Pelo visto, a economia estadunidense se manteve dominadora naquele caos. Uma mensagem subliminar para quem seria o maior beneficiado em uma situação social como aquela? Divago.

[ATENÇÃO, SPOILER] Na aparente irracional busca pelo seu carro, Eric apresenta uma motivação apenas revelada na última cena do filme e que, infelizmente, acaba por não conseguir trazer o impacto desejado pelo diretor ao inseri-la. Quando o vemos retirar um animal morto do porta-malas (algo que, aparentemente, pretende enterrar de forma digna), obviamente temos um vislumbre da complexidade daquele personagem, que descarta vidas humanas de forma tão banal, mas se importa em dar a um animal uma simbólica e apropriada despedida.

No entanto, não deixo de imaginar como seria o impacto do roteiro se o visemos retirar do porta-malas o corpo da esposa, que ele admitiu ter assassinado por conta de uma traição.





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