segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Boyhood

(EUA, 2013) Direção: Richard Linklater. Com Ellar Coltrane, Patrícia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater.


Por João Paulo Barreto

A infância e adolescência, quando olhadas em retrospecto, nos parecem as melhores fases de nossas vidas. Em momentos de introspecção, olhar para trás sempre causa aquele sentimento curioso de saudade, acompanhada por um sorriso de canto de boca, um fugaz brilho nos olhos e um amargo despertar para a realidade atual, que, invariavelmente, nos faz perceber que era no passado que nossa felicidade estava.

Claro, o parágrafo acima faz parte daquela ilusão que vem atrelada à nostalgia. Aquela ideia de que, no período em que não tínhamos preocupações, contas a pagar e responsabilidades pesadas a cumprir, nossas vidas eram mais felizes. Pode até funcionar para algumas pessoas, mas, quando a maturidade chega, nem sempre essa variação romântica da vida permanece. Mas, enfim, é possível que isso seja apenas uma reflexão amarga.

No entanto, Boyhood, perfeição costurada pelo diretor Richard Linklater no decorrer de doze anos, nos faz pensar com mais carinho e doçura sobre nossos dias de juventude, quando constatações inocentes de um menino sobre o surgimento de mariposas nos espirros vão, gradativamente, se tornando, na adolescência, perguntas existenciais sobre o sentido da vida. É aquele tipo de filme tão cativante que te permite adentrar de modo completo na vida de seus personagens e, ao final, fica difícil deixá-los para trás quando a luz se acende.

Rigidez e doçura: Patricia Arquette vive a mãe do pequeno Mason
Narrando a vida do garoto Mason (o pequeno autor das questões citadas antes) entre os seis e os 18 anos de idade, Linklater conseguiu apresentar uma obra concisa, enxuta, que, apesar de sua duração acima da média, consegue manter o espectador atento, levando-o por todas as fases da juventude do menino sem se tornar maçante ou enfadonho. Já é notório o fato de que o diretor usou os mesmos atores durante todos os 12 anos de gravação, reunindo-os uma vez por ano para gravação de novas cenas. Além da percepção de observarmos o protagonista crescer cena após cena de forma tão natural e orgânica, com elipses precisas, sem fades, flashbacks desnecessários ou montagem complexa, é o impacto da passagem do tempo na vida dos adultos nos leva a essa reflexão citada antes sobre o gosto amargo que ela pode deixar.

Não somente as mudanças físicas, como, por exemplo, as que a personagem de Patrícia Arquette teve no decorrer do período, mas as mudanças psicológicas que os traumas de casamentos fracassados, divórcios dolorosos, homens de personalidade difícil e, às vezes, até violentos trouxeram. No decorrer do tempo, suas posições firmes junto ao casal de filhos e a constante busca por melhorias em suas vidas, denotam em sua personagem essa força que a coloca como um pilar na vida deles, mas que, em sua última e mais tocante cena, não resiste às lágrimas ao perceber que o final de um ciclo na sua vida familiar chegara ao fim.

Mason sir e Jr. dividem uma juventude que parece se confundir
No papel do pai de Mason, o amigo e parceiro de longa data de Linklater, Ethan Hawke traz para seu personagem aquela descontração que pais jovens parecem possuir de forma natural, sem a necessidade de forçar um estereótipo moderninho para agradar os filhos pré-adolescentes. Ele é naturalmente assim. Afinal, tornou-se pai por acidente aos 22 anos e continuou com a mesma personalidade jovial que, apesar de transparecer uma postura irresponsável, garante a ele uma melhor aproximação do casal de filhos em conversas acerca de sexualidade e outros temas espinhosos na relação paterna.

Coube a ele uma das cenas mais belas do filme, quando presenteia o adolescente com uma compilação das melhores músicas dos quatro Beatles em suas carreiras solo e traz uma  precisa explicação da razão para a banda ter feito tanto sucesso. É o aniversário de 15 anos de Mason. Ele está indo passar o dia com o pai e sua nova mulher, que já tem um bebê e parece ter colocado a vida de seu velho no eixo. É um momento que representa bem a cultura do Texas, estado onde se passa o filme. Neste dia, Mason ganhou de presente uma espingarda e uma bíblia. Nada mais de acordo.

Essa fase da vida do adolescente e de seu pai representa bem as mudanças que as pessoas podem sofrer no decorrer de uma década. Mason sir, antes um garotão de trinta e poucos, agora sustenta um bigodão formal, se veste de modo um tanto carola e procura seguir as opções religiosas de sua esposa e sogros. No entanto, lá ainda está um pouco daquele sujeito aventureiro, ainda desprendido de muitas ambições, mas que sabe que, apesar de estar encerrando um ciclo de criação, tem outro pela frente com seu novo bebê.

Maturidade chega para pai e filho
Sobre Mason, o que mais chama atenção é sua personalidade calma, seu modo reflexivo de encarar o mundo que o cerca sem deixar que as coisas que possam machucá-lo ganhem muita importância. A atuação de Ellar Coltrane evolui de uma espontaneidade  infantil para um jeito sempre introspectivo de observar o mundo à sua volta. Crescendo juntamente com seu personagem, Coltrane acerta em manter uma atuação discreta, de voz calma: um adolescente que não chega a ser antissocial, mas que não deixa que nenhuma agressividade do ambiente ao seu redor lhe afete.

Mais do que um registro da vida de uma família ao longo de 12 anos, Boyhood é uma registro histórico da década passada. Com sua trilha sonora a passear por diversas músicas icônicas dos anos 2000, como Wilco e Coldplay, além de alguns clássicos, como Band  on the Run, de Paul McCartney, o roteiro de Linklater marca sua passagem do tempo com  inserções sutis, como quando vemos Mason sir fazer campanha contra a reeleição de George W. Bush em 2004; a favor da eleição de Barack Obama ou ainda quando cita postagens do Facebook para aconselhar sua filha adolescente em seus relacionamentos amorosos.

Mason e seu constante (e pertinente) questionamento da vida
Neste aspecto, vale citar que o longa se vale de um modo já comum na filmografia de seu cineasta. Galgado em diálogos, Boyhood remete bastante à trilogia do Antes, filmes estrelados pelo próprio Ethan Hawke e por Julie Delpy, sob a batuta de Linklater. Diversos momentos nos fazem pensar no jovem Jesse, um dos protagonistas da trilogia, em suas conversas com Celine. Vide o momento em que Mason conversa com sua namorada sobre a futilidade do Facebook; ou quando está caminhando em direção a faculdade onde a mãe leciona e encontra com uma colega de sala e o papo se equilibra entre livros preferidos e potenciais relacionamentos; ou, para fechar, no belíssimo diálogo final acerca da busca irrefreável do ser humano em aproveitar o momento.

Acompanhar 12 anos da vida de um garoto como Mason acaba por nos fazer pensar a respeito de nossa própria vida e no modo como podemos acabar não percebendo a forma como a passagem do tempo pode, para o bem ou para o mal, nos afetar. 



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