quinta-feira, 26 de abril de 2012

Titanic

(EUA, 1997) Direção: James Cameron. Com Kate Winslet, Leonardo DiCaprio, Billy Zane, Kathy Bates, Frances Fisher, Gloria Stuart, Bill Paxton, Bernard Hill. 




Talvez a inserção dos supostos efeitos 3D em Titanic não seja a razão primordial para a escrita de qualquer texto sobre um filme que milhões de pessoas em todo o mundo já conhecem frame por frame. Muito provavelmente, falar de Titanic em 2012, quase quinze anos após a sua estreia em 1997 e exatos 100 anos após a tragédia que inspirou a produção de James Cameron, seja mais um exercício de admiração, nostalgia  e (para aqueles que, como eu, o assistiram na adolescência) cinefilia.

Então, nesse texto, o que eu gostaria de propor é uma análise da obra a partir de sua essência, seja ela a bela (e simples) história de amor e, mais profundamente, o contexto em que seus personagens são construídos. Alguns textos que li a respeito da obra de Cameron apontavam falhas no que se refere a essa construção, acusando (não totalmente de forma injusta) vários personagens de maniqueístas e caricatos. Ok, vamos combinar: Billy Zane, o maléfico, arrogante, inescrupuloso e ganancioso (ufa!) Cal, noivo de Rose, é tudo isso e um pouco mais. Parece não haver nenhuma camada de humanidade no homem, fazendo-nos pensar, apenas, se é possível existir personagem de tamanha unidimensionalidade. E a interpretação de Zane, repleta de muletas, caras e bocas específicas já não colabora muito.

O mesmo se aplica à persona de Ruth, mãe de Rose, alguém cuja ganância e costumaz vivência no mundo da ostentação e nobreza, a fazem esquecer das pessoas em quem ela precisa pisar para manter-se no alto. No entanto, é a partir das precipitadas acusações de maniqueísmo sobre os tais “vilões” do filme que, na segunda visita à sala de cinema para a sessão em 3D, eu preferi ficar atento a tais personagens no intuito de, justamente, tentar encontrar alguma profundidade e justificativa para seus atos. Ao final, acabei saindo da sala de cinema não somente emocionado (tá, vai dizer que você também não chorou?) como feliz por ter podido compreender melhor as suas motivações.
Rose e sua mãe, Ruth: vítimas de uma sociedade patriarcal
Em determinada cena, por exemplo, vemos Ruth conversar com Rose, após saber de uma explosão de raiva de seu genro, Cal. Visivelmente nervosa, ela proibe a filha de rever Jack em qualquer circunstância. O argumento utilizado explica muito sobre a personagem. “O dinheiro sumiu. Seu pai nos deixou apenas um nome e muitas dívidas”, explica a senhora. E ao ouvir a filha dizer que não é justo, a reposta de Ruth não poderia ser mais adequada para o entendimento de sua personagem: “Para nós, mulheres, nunca foi justo”. Ora, o ano é 1912. A sociedade ainda é totalmente patriarcal. Qualquer mulher, ao conhecer um pretendente como Cal, não pensaria duas vezes em aceitar seu pedido de casamento. Claro que Rose, como se sabe, é uma exceção. E Jack aparece em sua vida justamente em um momento de total desespero.

Falemos agora a respeito da unidimensionalidade do personagem de Zane. Garoto mimado, afetado (a atuação não ajuda, volto a repetir) e herdeiro de milhões, Cal representa a figura do jovem ganancioso do pós Revolução Industrial em todas as suas facetas. Talvez, nesse personagem, a justificativa das acusações maniqueístas que o filme recebeu encontre um alvo justo. Afinal, o cara chegou ao ponto de usar uma criança como fácil acesso a um bote (a descartando logo em seguida) e a empurrar com o remo pessoas que se afogavam e queriam embarcar. Certo, não há nada que possamos salvar nesse cidadão e as acusações de maniqueísmo são totalmente aceitáveis.

O homem de uma só face: Cal Hockley é a personificação da ganância
Trazendo o foco desta análise para o casal apaixonado, o que se vê é a imagem da ingenuidade de uma garota de 17 anos que, no auge de sua sexualidade, encontra em um rapaz aventureiro e livre o reflexo de todos os sonhos que ela sempre desejou viver. Obviamente, a imagem idealizada e sem nenhum traço de falhas de caráter de Jack é algo surreal, levando-nos a pensar se toda aquela paixão iria perdurar se eles realmente conseguissem desembarcar juntos. Ao imaginar isso, me veio à mente a cena em que a personagem de Meryl Streep, em As Pontes de Madison, reflete sobre a ideia do encanto acabar quando os quatro dias de paixão junto ao fotógrafo vivido por Eastwood virarem uma rotina. Divago...

A paixão em sua tragicidade: se desembarcassem juntos, quanto tempo o encanto duraria?
No elenco secundário, tais facetas de bem ou mal acabam por não ser muito desenvolvidas. Não que isso seja uma falha, friso. Afinal, personagens como o do engenheiro Thomas Andrews, o responsável pela construção do barco, acabam por representar apenas carisma e doçura, trazendo uma pretensa simpatia ao público que enxerga nele a figura de um homem que viveu pelo seu ideal, mas que, manipulado por hierarquias irresponsáveis, viu seu projeto ser destruído. Acaba sendo parte de um grupo de elementos que compõem a trama secundária, criando um contexto histórico (nem sempre fiel, claro) para a estória principal que o filme se propõe a contar.

Ao final, quando vemos todo o núcleo de “personagens bondosos” reunidos em torno do casal apaixonado, percebe-se que a intenção do roteiro de Cameron era justamente essa. A de manter clara a separação entre bom e mal no filme. Mesmo que isso, claro, acabe sendo feito de forma não tão natural quando o olhar apurado consegue sobressair-se da tocante trilha de James Horner e toda a fragilidade das citadas construções se torne tão evidente. Mas, em seu climax, quando todo o brilhantismo técnico da produção enche os olhos, não há como não se encantar. É o filme de uma geração de pessoas que o viram nos anos 90 e se emocionaram. Felizmente, eu fiz parte desse grupo.

PS. Havia 3D? Mesmo? Excetuando pouquíssimos momentos onde a posição dos atores em cena era supervalorizada pelo efeito (o momento em que Jack desenha Rose é um deles), esta foi apenas mais uma forma de extorquir espectadores com ingressos enganosos e mais caros. Nas cenas onde seria óbvio vê-lo   acontecer, quando, por exemplo, a água invade os corredores do navio, nada se viu em 3D. Uma pena, uma vez que o nome de James Cameron virou um sinônimo de excelência nesse tipo de efeito especial.

7 comentários:

  1. Meu caro JP, não me leve a mal por tentar desconstruir o melodrama do filme em posições de maniqueísmo, mas ainda assim não consigo ver Titanic de uma outra forma. O grande problema dele (coisa que somente um olhar mais apurado consegue ver, como você mesmo fez atualmente) é uma utilização primária dos recursos do melodrama, tudo é fácil demais, demarcado demais, sem muita profundidade, e isso me incomoda bastante. Essa é minha maior bronca com o filme. Você pode até buscar um pouco de complexidade nos personagens e seus atos, mas sempre encontra pouco demais.

    O filme todo é marcado por uma simplicidade na forma como posiciona as peças do jogo de amor que tenta vencer obstáculos. Com a grandiosidade do acidente e da monumental reconstituição que o Cameron faz, é fácil perceber como o filme fez e continua fazendo tanto sucesso.

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  2. Concordo, Rafa. Realmente, todo o arco dramático dos personagens é centrado em uma estrutura frágil. No entanto, creio que o fato da trama ter como pano de fundo a tragédia, torna verossímil tudo o que acontece. Obviamente, Cameron não é um primor na originalidade de roteiros (Avatar prova isso), porém, na minha opinião, Titanic funciona pelo fato de, justamente, ter essa construção baseada nesse contexto. Mas, observe, não estou dizendo que qualquer arco pode se sair bem desde que exista um, digamos, desvio de atenção ou foco do quadro principal (não que seja esse o caso de Titanic), mas, ainda assim, discordo de você quando afirma que tudo seria demarcado ou sem profundidade. A tal estrutura frágil do roteiro independe da profundidade do drama de Rose e Jack. Para mim, a tragédia (não somente envolvendo o navio), mas a vida intima de seus dois protagonistas é tão profunda quanto (com o perdão da piada) o oceano onde Jack foi parar. = P

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  3. Viciante seu site! Entrei pra ler uma crítica e acabei lendo outras de outros filmes que curto muito! É sempre bom ver com "outros olhos" um filme que gostamos, saber se gerou em outros o mesmo sentimento, o mesmo entusiasmo, que em nós! Parabéns João Paulo, pelo site e pelos textos!

    Aproveitando a deixa, quanto ao Titanic em 3D, notei os efeitos de profundidade do início ao fim do filme, foi o primeiro que vi com essa tecnologia e fiquei impressionado! Em umas 3 ou 4 cenas vi coisas "saindo" da tela, fora isso, a sensação de imersão foi completa, foi como se eu estivesse mesmo no navio!

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    1. Obrigado, John. Com tantos espaços virtuais excelentes na blogosfera, tento manter uma regularidade de textos aqui (apesar de estar um tanto atrasado com os últimos filmes vistos). Mas esse tipo de comentário empolga e me faz querer voltar à rotina de escrita.

      Em relação ao texto de TITANIC, busquei fugir um pouco do óbvio focando a escrita em um aspecto menos trabalhado em outros textos que li, afinal, é um dos filmes mais vistos e resenhados na história e não valia a pena ficar no óbvio falando dos efeitos especiais. Em relação ao 3D, tenho uma resistência grande em relação a filmes convertidos. Ainda os acho puros caça niqueis. Acho que até hoje, somente com HUGO, do Scorsese, que pude ter um real entendimento do que é essa tal terceira dimensão.

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  4. E foi exatamente isso que me chamou a atenção no seu blog, você fuge do previsível e escreve coisas realmente interessantes! Muitas críticas que leio abordam o mesmo mimimi e as que eu vi aqui não, me surpreendi, conteúdo sem parcialidade e um texto muito bem contruído! Meus parabéns novamente! :)

    Quanto ao Titanic, é um filme que sempre me marcou, vi zilhões de vezes e confesso que fiquei maravilhado com essa versão em 3D, foi demais! Mas claro, filmes diretamente gravados são diferentes de conversões, acho que ainda vou me surpreender muito com essa tecnologia!

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  5. Essse filme me deixou muito saudade.. é um filme que marcou a vida de todo mundno... eu sou fã . Amooo muito esse filme ... vai ser pra sempre.... vai fika marcado no meu coração...bjs

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    1. De fato, Karinr. Um filme que marcou muita gente. Inclusive a mim. = )

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