terça-feira, 21 de março de 2017

Fragmentado

(Split, 2016, EUA) Direção: M. Night Shyamalan. Com James McAvoy, Anya Taylor Joy, Betty Buckley, Haley Lu Richardson, Jessica Sula.


Por João Paulo Barreto

Com uma carreira repleta de altos e baixos (mais baixos do que altos, é bem verdade), M. Night Shyamalan acerta a mão em Fragmentado, trabalho no qual ele volta a mirar nas questões psicológicas do ser humano e suas consequências para o mundo à sua volta tal qual havia feito no subestimado A Visita, seu longa anterior.

Aqui, diferente da psicopatia cruel e displicente do casal de idosos do filme de 2015, James McCavoy traz para seus vinte e quatro personagens (mas somente seis evidenciados e desenvolvidos pelo filme) uma mescla exata da citada crueldade, de frieza, doçura, inocência, pragmatismo, aspereza e brutalidade, características inerentes a cada uma das pessoas que habitam sua mente. Com uma atuação precisa, o jovem ator escocês parece flutuar de uma performance para a outra, trazendo para o público uma marca reconhecível para cada personalidade que habita o corpo do protagonista, seja ela a postura inflexível, um olhar ou um modo infantil de se expressar. Em uma construção na qual as nuances são imprescindíveis, McAvoy coloca cada uma delas em serviço da sua excelência.

McAvoy e sua versão infantil
Na história, o atormentado homem sequestra três jovens e as mantêm como reféns em um ambiente subterrâneo. O pretexto é o de que elas servirão como alimento para uma criatura que ainda surgirá, algo que logo percebemos se tratar de uma nova personalidade do sequestrador. Em seu roteiro, Shyamalan cria uma atmosfera incomoda de tensão justamente pela ideia de que o foco dessa vez possui raízes no universo real, sem qualquer tipo de escape relacionado com algo sobrenatural ou imaterial. O perigo aqui é calcado no plausível. E o incomodo principal do espectador está diante justamente desse fato.  

Na figura da personagem de Anya Taylor-Joy, que já havia se destacado no thriller A Bruxa, Shyamalan aproveita para explorar uma de suas marcas como roteirista que é a perda da inocência infantil, além de voltar a aplicar outra marca que é a da câmera subjetiva a partir do olhar de uma criança. No caso, Casey Cooke, personagem vivida por Joy na adolescência, possui um passado de abusos, no qual foi molestada pelo seu tio (a forma como o diretor opta por evidenciar choca pelo modo ao mesmo tempo sutil e monstruoso como tal fato é mostrado). Neste arco, a riqueza de interpretações que o roteiro oferece denota bem a profundidade da escrita do diretor. Em uma história na qual um personagem monstruoso esconde sua verdadeira face no intuito de conquistar a confiança de uma criança, o que dizer de um personagem que possui várias personalidades, mas todas elas são fieis ao próprio conceito de autenticidade, sem dissimulações ou truques? Ele é o que é. Curioso exercício o de imaginar quem é o verdadeiro monstro aqui. 

Casey em seu primeiro momento de desespero
Mas o que impressiona de fato no filme ainda é a atuação de McAvoy. Seja em uma sutil homenagem de Shyamalan ao seu principal ídolo, Alfred Hichcock, com tomadas que referenciam Norman Bates e Psicose (principalmente quando uma personalidade feminina do protagonista é inserida em rápidos vislumbres para depois se revelar), ou quando a tal última e definitiva pessoa na mente dele é trazida à vida e sua característica animalesca é evidenciada de modo ao mesmo tempo fascinante e asqueroso.  

É bom tê-lo de volta à velha forma, M. Night.


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