terça-feira, 12 de setembro de 2017

Entrevista: Sam Garbarski

O cineasta Sam Garbarski, diretor de Bye Bye Alemanha

Por João Paulo Barreto

Dez anos depois de Irina Palm, sucesso premiado em diversos festivais e exibido em mais de quarenta países, Sam Garbarski, cineasta radicado na Bélgica, volta à sua Alemanha natal para tratar de um tema delicado: a sobrevivência de ex-prisioneiros de guerra no período pós queda do Terceiro Reich, na Frankfurt arrasada pelo conflito bélico. O que poderia descambar para um drama maniqueísta, consegue se equilibrar muito bem entre a comédia sutil junto com uma dose pertinente de reflexão perante o peso de seus personagens. Bye Bye Alemanha aborda justamente a adaptação dos judeus nascidos no país germânico a uma rotina de sobrevivência, em 1946, logo após a vitória dos Aliados. “Hitler está morto. Mas nós, não”, afirma David Bermann, um típico malandro de bom coração, vivido por Moritiz Bleibtreu, ao incentivar seus conhecidos a entrar com ele na área de varejo, muito bem azeitada, friso, por técnicas incomuns e não muito éticas para convencer clientes. Trata-se de alguém que, apesar de tamanho trauma vivido nos anos anteriores, conseguiu, na medida do possível, utilizar seu bom humor, boa lábia (e uma dose de mentiras) para sobreviver aos horrores da guerra e, agora, ao capitalismo selvagem. Um filme que, de modo sagaz, acaba abrangendo não somente o período histórico em questão, mas, também, os xenofóbicos e racistas tempos atuais, como bem salientou o diretor em entrevista exclusiva ao jornal A TARDE.

Seu filme consegue trazer um equilíbrio muito eficiente entre humor e drama, abordando um tema tão pesado quanto a situação dos judeus no pós e durante a Segunda Guerra. Como se deu essa construção?
A ideia na criação do roteiro sempre foi essa. A de conseguir criar uma linha entre o humor e o drama. Mas ao optar por abordar esse humor, a intenção não era fazer algo pastelão, mas utilizar a sutileza daquelas situações de graça. De respostas rápidas e irônicas para situações tensas. No caso do filme, de alguém que precisa usar desse humor para sobreviver. E o personagem de Moritz Bleibtreu é justamente isso. Um sobrevivente.

Nessa sutiliza, é perceptível muito de um humor tipicamente do povo judeu, não é mesmo?
Sim. A minha intenção era de abordar aquele tema como uma sutil comédia, algo bem comum ao humor do povo judeu, na verdade, mas sem perder o peso dramático que a história possui. Da mesma forma, busquei um equilíbrio no estilo. Não queria que fosse um filme de gargalhadas rasgadas, mas algo que, através do riso, trouxesse uma reflexão sobre a seriedade de tudo aquilo.

Técnicas não muito ortodoxas de vendas: Moritiz Bleibtreu vive David Bermann
Creio que o longa vai gerar muita identificação com o público no Brasil por conta de um imaginário popular que temos aqui no Brasil. O do malandro de bom coração, que busca escapar de situações difíceis usando a boa lábia e o seu humor.
É mesmo? Que bom! Fico feliz em saber que a identificação poderá ser ainda mais forte com o público brasileiro. Sabe, esse tipo de postura, de usar o bom humor perante as dificuldades que encontramos no caminho, é um pouco a minha própria filosofia de vida. Então, ao fazer o filme, eu tinha um pouco dessa identificação, também.

Apesar de tantos momentos de graça, existe força nas situações dramáticas. Entre estas, lembro de uma cena que desenha esse drama de forma bem impactante, quando o protagonista é desafiado a jurar pela vida de alguém de sua família, mas percebe que não há mais ninguém por quem fazer isso.

Eu concordo com você. Este é um momento muito forte para o personagem vivido por Moritz Bleibtreu, David Bermann. O filme possui essas situações de graça, mas, por debaixo, está a dor do seu passado de sobrevivente. No entanto, mesmo assim, ele não deixa de lado aquele seu bom humor. Eu busquei esse equilíbrio, sabe? É um estilo de comédia discreta, um humor tipicamente judeu.

Podemos dizer que se trata de algo até mesmo filosófico, um atenuar da dor, não?
Sim. Algo mais filosófico, de fato. Não é o tipo de comédia em que o espectador gargalha. Eu queria mostrar naquela história que ele sempre buscava uma forma de usar seu otimismo e graça para escapar de situações que não eram nem um pouco engraçadas.

David e suas mercadorias valiosas
O filme conta com um roteiro adaptado de Michel Bergmann, a partir do livro escrito por ele mesmo. Como foi essa parceria entre você e o autor da obra original na criação da história?
No começo foi bem fácil, uma vez que eu realmente gosto do livro e tinha os personagens desenvolvidos em minha mente. Após um tempo, nós tivemos nossas discordâncias no processo de criação, porque eu tive que cortar alguns personagens que ele conhecia muito bem, afinal eram baseados em seu livro.

Na versão literária original, os personagens divergiam muito?
Eles eram um pouco diferentes dos que eu tinha em minha mente para o filme. Não era sempre que eu e Michel Bergman estávamos na mesma sintonia durante o processo de criação. Aliás, foi um processo de escrita longo, quase dois anos. Tivemos nossas diferenças naquele período, mas, ao final, após alguns ajustes, conseguimos um equilíbrio.

David e o adorável Motek: "Ele é alemão, mas nunca foi nazista"
Há bastante sutileza em suas metáforas relacionadas com o preconceito. Creio que a melhor delas envolve o cão de três patas adotado pela família judia e a cena em que Bermann afirma que, apesar de alemão, “o cachorro nunca foi um nazista”. Bastante pertinente em relação ao período atual.
Fico muito feliz com sua percepção desse detalhe no filme. Essa era a intenção. Bom, trata-se de um cachorro com apenas três patas. Como não se afeiçoar? (risos)

Exatamente. Mas o filme não abusa dessa artimanha de conquistar o público com animais adoráveis.
Na verdade, o cachorro é um sobrevivente alemão. Perdeu sua pata em algum bombardeio, foi abandonado pela família alemã e adotado pelos judeus quando encontrado vagando pelas ruas devastadas após a guerra.  Seu nome, Motek, vem do hebraico e significa “querido”.  Eles o apelidam assim, com um nome judaico, mas eles sabem que ele é alemão. Essa é a beleza desse detalhe e o modo como essa metáfora se adapta bem aos nossos tempos. Do mesmo modo que naqueles dias nem todos alemães eram nazistas, hoje, nem todo muçulmano é um terrorista.

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