quarta-feira, 22 de abril de 2015

Um 2015 cinematograficamente baiano

Um breve panorama do vem por aí na produção baiana para cinema e TV, abrangendo curtas e longas metragens de ficção, documentários e séries para a telinha.



Por João Paulo Barreto

Homenageado com uma Mostra especial na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, dedicada aos seus cinquenta anos de carreira, o ator Paulo José disparou duras críticas ao atual cinema feito no Brasil. Especialmente por conta do domínio de uma produção que parece reciclar o que se vê nas telenovelas, Paulo José, em matéria publicada no jornal O Globo, apresentou uma pertinente visão sobre o que os diretores têm feito na mágica de “transformar roteiros incipientes em filmes medíocres”. Indo mais fundo na sua crítica ao atual cenário praticamente dominado por produções vazias da Globo Filmes, o ator entrega a fórmula de sucesso que prega o macete de utilizar “atores e atrizes de TV fazendo caretas nas cenas de riso e vertendo lágrimas nas de emoção”. No entanto, o veterano salienta uma luz ao afirmar que, sim, ainda há quem faça cinema por uma necessidade de expressão, “mas são poucos”, frisa.

Esse trecho final de sua declaração poderia definir bem o que vem sendo realizado no cinema baiano. A necessidade de expressão é o que rege muito do que é feito aqui atualmente. Não temos uma Globo Filmes bancando execução e distribuição por trás de projetos (e, pensando bem, é provável que nem queiramos correr o risco que esse pacto poderia acarretar) e, quando não contamos com editais que têm demonstrado exemplos de atrasos de pagamento, acaba-se por fazer cinema com o próprio bolso. É o caso de cineastas como Maurício Amorim, que, em 2014, trouxe seu segundo longa metragem (O Seminarista) à vida sem nenhum suporte de edital.

Após a notável presença de Depois da Chuva, longa de estreia dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes, em diversos festivais mundo afora, além dos prêmios de melhor roteiro, ator e trilha sonora em Brasília, o longa deixou uma boa ansiedade para o que mais o nosso cinema terá a apresentar daqui para frente. E tem muita coisa boa despontando.

O cineasta Daniel Lisboa ao lado de peça de divulgação do filme
O exemplo citado no quesito atraso de repasse de verbas de edital está em Tropikaos, longa de Daniel Lisboa (O Fim do Homem Cordial, Sarcófago) que sofreu com o não pagamento de uma das parcelas do edital, mas que, regularizado esse problema, pôde dar continuidade ao projeto que, atualmente, se encontra na fase de pós-produção. A história aborda o calor de Salvador e sua “ultraviolência solar” assim como seus problemas sociais e desigualdades a partir do olhar de um poeta viciado em crack. Tropikaos, a julgar pela filmografia de seu diretor, promete ser uma experiência inquietante.

Outro cineasta baiano com filme praticamente pronto é Henrique Dantas. Diretor dos documentários Os Filhos de João - Admirável Mundo Novo Baiano e Sinais de Cinza – A Peleja de Olney Contra o Dragão da Maldade, Dantas, dessa vez, retorna seu olhar para o período da ditadura militar, tema central do doc sobre o cineasta Olney São Paulo, uma das vítimas do período. Em seu novo trabalho, A Noite Escura da Alma, o diretor traz um recorte do período aqui na Bahia. Sem trabalhar com imagens de arquivo, o longa conta com depoimentos de nomes como Juca Ferreira, Lúcia Murat, Emiliano José, dentre outros. Ao todo, foram trinta entrevistados ouvidos no Forte do Barbalho, local notório por ter sido utilizado nas torturas realizadas pelos militares. As gravações ocorreram sempre durante a noite, o que explica o título do filme, relacionando-o, também, com a densidade de seu tema. As falas são alternadas com performances de atores, algo que ilustra o peso dos depoimentos. O filme teve uma exibição teste no começo do mês para uma platéia paulistana e, agora, encontra-se em fase de montagem. Segundo Henrique, a intenção é exibi-lo em festivais durante 2015 e batalhar por um espaço no circuito comercial em 2016.

A Noite Escura da Alma, documentário de Henrique Dantas
Apesar de nascido na França, Bernard Attal já pode ser chamado de baiano. Radicado no Brasil desde 2005, Attal teve seu primeiro longa, A Coleção Invisível, premiado em diversos países do mundo. Estrelado por Vladmir Brichita e Walmor Chagas, sendo este o último trabalho do veterano ator, que faleceu em 2013, a obra foi rodada em Salvador e no interior da Bahia, e traz a tocante história de um homem em busca da superação do trauma das mortes de amigos enquanto tenta decifrar a relação de um colecionador com seus quadros raros. Attal foi um dos contemplados no Edital de Fomento à Produção Audiovisual Baiana de 2014. Seu próximo longa, A Finada Mãe da Madame, será um telefilme inspirado na peça homônima de Georges Feydeau e narra a história de um bancário boêmio, na Bahia dos anos setenta, que enfrenta uma crise familiar com inesperadas conclusões. Atualmente, o projeto está em fase de pré-produção.

Bernard Attal em entrevista ao BahiaDoc
Contemplados no mesmo edital, os cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes já iniciaram as gravações do filme A Cidade do Futuro, longa rodado na cidade de Serra do Ramalho e que, segundo os próprios realizadores, “é um documentário de encenação-construída com fortes elementos dramáticos, onde os personagens são os atores de suas próprias trajetórias”. Após a primeira experiência na construção de um longa-metragem com o êxito de Depois da Chuva, a dupla, que já possui na carreira diversos curtas, assume o desafio de criar mais um longa a partir de um tema de contexto atual no qual quatro jovens enfrentam as dificuldades de assumir sua homossexualidade na cidade localizada no sertão baiano. Apesar de ser uma produção inicialmente voltada para TV, o co-diretor Cláudio Marques planeja uma versão também para as salas de cinema.

Na primeira foto oficial, vemos Serra do Ramalho, local do segundo filme
Vencedores da edição do ano passado do Panorama na categoria Filme Baiano com o curta Menino da Gamboa, a dupla Rodrigo Luna e Pedro Perazzo já tem o próximo trabalho agendado para o segundo semestre desse ano. O Enterro de Neide será um longa metragem ambientado na Chapada Diamantina que conta a história de um jovem de classe média que decide realizar o desejo da empregada doméstica de sua casa que pediu para ser enterrada no mesmo vilarejo onde nasceu. O filme abordará a viagem do jovem que leva o corpo da mulher que praticamente o criou para o local remoto onde ela passou os primeiros anos de sua vida.

Luna e Perazzo  recebem o prêmio de Melhor Curta no Panorama
SÉRIES DE TV

Além de longas, a produção audiovisual baiana também tem em 2015 uma excelente representatividade com séries de TV. Através do Edital de Fomento à Produção Audiovisual Baiana 2014, séries de episódios vão ilustrar essa diversidade de produções. E nomes de notória qualidade vão estar por trás desta empreitada. Um deles é o de Sofia Federico, diretora de elogiados curtas como o Cega Sega (2003), Vermelho Rubro do Céu da Boca (2005) e Caçadores de Saci (2005). No projeto Francisco só quer jogar bola, série infantil com 13 episódios, a diretora apresenta o garoto Francisco, que vive em uma cidade grande que tem de tudo, menos espaço para o futebol. Com roteiro escrito em parceria com João Rodrigo Mattos (Trampolim do Forte), a série será exibida na TVE.

Outra série também destinada à TVE tem a direção de Jorge Alfredo, cineasta por trás do documentário Samba Riachão. Em O Senhor das Jornadas, Alfredo traça um panorama sobre o trabalho de Guido Araújo, cineasta e criador da Jornada do Cinema Baiano. Um dos pioneiros na produção de cinema na Bahia, Guido terá nessa série de cinco episódios de 26 minutos de duração cada, um dossiê acerca de sua filmografia e trabalhos voltados para o audiovisual baiano.

Após o impactante Joelma, curta que aborda o universo LGBT e a violência e preconceitos sofridos por gays e transexuais, o diretor Edson Bastos, em parceria com o cineasta Henrique Oliveira, apresenta a série em 13 episódios, A Professora de Música. Trata-se de um projeto que aborda as dificuldades de Íris, a professora do título, com a preparação de um recital em uma escola de música. A série também terá exibição na TVE.

No universo LGBT, o representante é a série de cinco episódios Diversidade, dirigida por Leandro Santos Rodrigues e Elen Linth, que “acompanhará durante cinco meses oito personagens em processos legais em instituições pública e/ou órgãos jurídicos de direito”. A sinopse oficial publicada no site da Ancine chama atenção para um problema que aflige os membros da comunidade LGBT e a busca por reconhecimento de seus direitos legais em diversos segmentos.

CURTAS METRAGENS

Na produção de curtas metragens, a Bahia se destaca com curtas que alcançaram grande relevância nacional, como é o caso de trabalhos como Menino do Cinco e Carranca, curtas selecionados para festivais como o de Gramado e Paulínia. Seus diretores, Marcelo Matos e Wallace Nogueira, inclusive, já estão com dois novos projetos previstos. Sob o título provisório de A mulher que replicava quadros, um deles aborda a história de amor entre uma deficiente visual e um rapaz que, gradativamente, vem perdendo a visão. ”É um filme que mescla cegueira, amor e arte. Estamos em fase de pré-produção. A ideia é quase a totalidade dos atores seja formada por deficientes visuais”, explica o co-diretor Marcelo Matos. A previsão é que o lançamento fique para o primeiro semestre de 2016.

Os diretores Marcelo Matos e Wallace Nogueira

Outro curta da dupla com a mesma previsão de lançamento é Cavalo Baio, filme que encerra a trilogia da infância iniciada com Menino do Cinco e Carranca. Rodado na cidade de Cachoeira, o roteiro aborda o ciúme de um garoto filho de fazendeiro e o filho de um dos peões por conta do amor que ambos sentem por um cavalo de estimação.

Com uma produção constante, a equipe do CUAL – Coletivo Urgente Audiovisual faz jus ao seu nome e tem três trabalhos em produção no momento. Selecionados para a competitiva nacional da décima edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema, ano passado, com o curta Com fome no fim do mundo, os jovens do coletivo realizaram, recentemente, no Espaço Itaú Glauber Rocha, uma premiere do filme Gaivotas ou o que fazer com os braços. O curta discute o processo de atuação através da conversa de dois atores durante uma cena do texto teatral “A Gaivota”, do dramaturgo e escritor russo, Anton Tchekhov. Além deste, o coletivo trabalha na produção de Vandalismo, próximo a ser finalizado e que aborda o atual contexto político brasileiro. Junto com este, porém já encerrado, aparece o Estamos aqui, que, segundo Ramon Coutinho, um dos cineastas da equipe, “trata-se de um filme hibrido sobre o próprio coletivo, um trabalho ficcional sobre a nossa amizade”, explica. Neandertais é outro trabalho que se une a prolífica produção dos rapazes em 2015. Atualmente em fase de pré-produção, o curta vai abordar “dois funcionários de uma rede de fast foods que acreditam ter encontrado um homem-de-neandertal faminto”. Observando o tom tragicômico de alguns trabalhos do coletivo, esse parece seguir linha semelhante. Fechando, temos o curta Feio, Velho e Ruim, uma crítica à necessidade constante que a geração dos selfies têm de ser aceita, amada e, claro, curtida. Confira o trailer no link: http://cualcinema.com/feiovelhoeruim/

Galera do Coletivo Urgente Audiovisual - CUAL
A dupla Pedro Perazzo e Rodrigo Luna também está envolvida na produção de curtas esse ano, só que em projetos separados. Restos, por exemplo, é um curta metragem cujo roteiro é do próprio Perazzo e a direção ficou com Renato Gaiarsa (que trabalhou na montagem de Menino da Gamboa e Jessy, curta dirigido por Luna em parceria com Paula Lince e Ronei Jorge). Neste novo curta, uma greve de funcionários da limpeza pública cria um cenário caótico na cidade, onde o lixo se acumula. A situação nos é apresentada através do olhar de Souza, um dos garis da região que, apesar de não possuir consciência de classe, observa seu poder crescer a cada novo saco de lixo nas ruas.

Renovando a parceria premiada de Jessy, Rodrigo Luna voltará a trabalhar com Paula Lice e Ronei Jorge em Ridículos. Trata-se de um documentário sobre o ofício e a arte dos palhaços. Com a excelente incursão no universo das drag queens de Jessy, este é mais um curta baiano que promete.

Luna, Lice e Jorge voltam à parceria
Diretor de Nunca mais vou filmar, curta de montagem ágil e história simples, porém cativante e que remete à trilogia do Antes de Richard Linklater, o cineasta Leandro Afonso apresenta nesse ano o curta Argentina, me desculpe. Realizado unicamente através de fotografias, o filme tem em sua sinopse a polêmica rivalidade entre os brasileiros e seus hermanos, só que, aqui, essa rivalidade não fica só no futebol, mas, também, nas mulheres de cada país.

Durante a entrevista para a coleta de dados dessa matéria, o papo com Afonso foi, no mínimo, engraçado e curioso. Ao ser arguido sobre a sinopse de Gengivas Sangrentas, curta dirigido por ele e com o roteiro de Bruno Bandido, foi com surpresa que recebi a resposta de que ele não saberia dizer. “É que eu e Bruno temos em comum uma péssima capacidade para fazê-las”, brincou Leandro. Ao final, consegui extrair o seguinte plot: “Pedro e Mel fugiram de suas cidades e agora vivem num quarto e sala onde recebem a visita de Julio”. Quando perguntei acerca da amizade entre esses três personagens, o diretor respondeu que eles não são amigos. “Na verdade, a palavra ‘tensão’ se aplica melhor entre eles que ‘amizade’”, frisou.

Confesso que bateu um calafrio e a curiosidade foi lá pra cima depois dessa...

O diretor na preparação do set de Argentina, me desculpe (Foto: Bruno Bandido)
Mesmo que este texto seja apenas um breve panorama sobre o que desponta aqui na Bahia nesse ano, dá para concluir que sim, a polêmica declaração de Paulo José citada lá no começo da matéria tem seu embasamento. O atual contexto cinematográfico brasileiro subsiste em produções pobres, mas que, com uma distribuição assombrosa e excludente, drena rios de dinheiro e multiplica esse tipo de filmografia.

No entanto, ao observar o cenário de produções baianas já em andamento nesse 2015, conclui-se que, sim, ainda há aqueles que fazem cinema de expressão . E não, pelo menos por aqui, não são poucos. Não mesmo.

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