quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Gonzaga - De pai pra filho


(Brasil, 2012) Direção: Breno Silveira. Com Chambinho do Acordeon, Land Vieira, Adélio Lima, Julio Andrade, Cyria Coentro, Cláudio Jaborandy, Giancarlo di Tomazzio, Nanda Costa, Silvia Buarque, Zezé Mota, João Miguel.


Por João Paulo Barreto

Ao transformar a história de Luiz Gonzaga em filme, o diretor Breno Silveira sabia o desafio que tinha pela frente. Afinal, o monumento da cultura nordestina apelidado de “Rei do Baião”, é uma das figuras mais icônicas da música popular brasileira e uma fonte quase inesgotável de histórias e “causos” que permearam seus quase oitenta anos de vida. Ao optar pelo enquadramento dramático na conturbada relação de Gonzaga e seu filho, o cantor e compositor Gonzaguinha, Silveira acerta, uma vez que esse viés permite que o filme fuja da simples estrutura documental, inserindo, assim, uma carga dramática das mais eficientes
.
Mesmo optando por esse enquadramento, o roteiro de Patrícia Andrade (que já havia trabalhado com o diretor nos seus três filmes anteriores) não foge da estrutura cronológica, que traz, apesar dos flashbacks, uma forma didática de apresentar a vida do autor de Asa Branca. Então, logo nas primeiras cenas, já encontramos o idoso Gonzaga (Adelio Lima), que recebe em Exu, sua cidade natal, o amargurado filho Gonzaguinha (impressionante atuação de Julio Andrade) que busca convencer o pai a entrar em turnê novamente para, assim, melhorar as finanças. É, também, uma forma que seu primogênito tem de se aproximar para que possa, finalmente, conhecer aquele a quem chama de pai.

Julio Andrade como Gonzaguinha: semelhança impressionante
Gonzaga – De pai pra Filho, pode ser considerado, desse modo, um drama familiar dos mais eficientes. O modo lento como a relação entre aqueles dois estranhos é apresentada nos ajuda a compreender as razões para as diferenças entre eles. Compreender e nos identificar. Desde suas raízes familiares, a relação estreita com o pai Januário (Cláudio Jaborandy), de quem herdou o ofício de sanfoneiro, ou com a rígida mãe Santana (Cyria Coentro), cuja relação com os filhos oscilava entre o amor incondicional e a necessidade de manter uma criação severa, o que vemos aqui é um homem inquieto. Alguém que está disposto a arriscar a própria vida pelo que acha certo. Sendo assim, não é com surpresa que o vemos desafiar o coronel por cuja filha se apaixona, ou assumir no futuro a paternidade de uma criança que, provavelmente, não gerou. O Luiz Gonzaga visto aqui é um homem cujos princípios se confundem com seus ímpetos.

A partir das fitas com entrevistas feitas entre pai e filho, o roteiro de Andrade cria uma sensível relação entre aqueles dois homens. Nesse ponto, Gonzaga ­– De pai pra filho consegue aprofundar de modo envolvente aquele embate de personalidades. Porém, é perceptível a fragilidade do texto no que tange ao desenvolvimento da trajetória de vida pessoal e profissional de Luiz Gonzaga. O filme não se propõe a contar toda a vida dele, claro, algo que não seria possível por conta do tempo de projeção. No entanto, alguns momentos como o artifício clichê da tosse com sangue para indicar a doença de alguém denunciam certa fragilidade do texto. Além disso, pontos marcantes da vida de Luiz, como o acidente de carro ou o seu flerte com os militares durante a ditadura passam quase despercebidos, como se o roteiro os inserisse apenas para constar.

Gonzaguinha entrevista o Rei: resgate da memória e do amor pelo pai
Inegavelmente, esse é um filme de atuações. O trio de atores que interpreta as diferentes fases do sanfoneiro impressiona pela transição quase imperceptível. O já citado Julio Andrade apresenta um trabalho impressionante de recriação de Gonzaguinha. Sua postura, seu tom de voz, tudo remete ao filho de Luiz Gonzaga. Cyria Coentro traz em seu olhar uma doçura e amor materno que entra em conflito com a dureza que o sertão lhe impõe. A cena em que ela e Land Vieira, o jovem Luiz, entram em conflito, é uma das mais belas do filme justamente por percebermos a dor de Santana em punir seu filho por não querer vê-lo morto.

As canções, sim, são o ponto alto do longa. Com a inserção de imagens e áudio originais durante a projeção, Silveira cria uma estrutura documental que dá vazão à grandeza daqueles artistas. Quando ouvimos e vemos Chambinho do Acordeon cantando na fachada da Cine Pax, no Rio, com todo o povo gritando o nome de Luiz Gonzaga, lá está o Rei do Baião. É como se lá víssemos, realmente, aquele sorriso largo do Rei. Aquela simpatia e carisma que espelha o nordeste. E as imagens reais do homem indo de encontro ao excelente trabalho de atuação de de Land Vieira, Chambinho do Acordeon e Adélio Lima dão a real dimensão da grandeza desse artista.

Gonzagão é o nordeste. Sem tirar nem por.   

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