segunda-feira, 26 de março de 2018

Mostra Tiradentes 2018 - Cinema baiano presente


Com três curtas metragens e o longa de abertura, produções baianas
se destacaram na mostra mineira de cinema


Cartazes de Mamata, de Marcus Curvelo, e Peio Vazio, de Leon Sampaio e Yuri Lins



O audiovisual baiano esteve bem representado na edição 2018 da Mostra de Cinema de Tiradentes, que aconteceu em janeiro na cidade mineira. Além da abertura do evento, com o premiado Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, a Bahia conta com o curta Mamata, um esmero da desconstrução dos símbolos relacionados à falsa sensação de patriotismo e de democracia que vivemos. O filme foi agraciado com o prêmio da crítica no Festival de Brasília do ano passado, além de conceder o candango de melhor ator a Marcus Curvelo pela sua interpretação do protagonista, Joder, um videomaker em busca de emprego e da possibilidade de deixar o Brasil. Dirigido pelo próprio Curvelo, a produção do Coletivo Urgente Audiovisual – CUAL é uma ode à desesperança de uma geração desiludida diante da inércia e do retrocesso que o país apresenta em sua política pós golpe de 2016. Ao unir o humor e as referências à cena política, Curvelo acerta em cheio com uma ácida tragicomédia, mas que causa reflexão.  “Mamata, na verdade, é uma comédia de desespero. Algo que se baseia no rir para não chorar. Há uma coisa de crônica, de catarse no personagem, mas também existe uma auto-crítica, uma vez que ele não faz muito para tentar melhorar aquela situação. Tudo o que ele busca é fugir”, afirma o diretor.

Co-dirigido pelo baiano Leon Sampaio, juntamente com o pernambucano Yuri Lins, Peito Vazio é outra produção que será exibida na Mostra. Sobre ela, Leon faz pertinentes observações acerca do diálogo que o seu filme possui com o dirigido por Marcus Curvelo. Do mesmo modo que Mamata, Peito Vazio apresenta um protagonista em conflito com questões internas que acabam por refletir em seu pensamento acerca do momento em que vive o Brasil. “No roteiro, eu e Yuri buscamos abordar a ideia da crise e do desamparo como uma possibilidade de afeto. Existe uma questão da indeterminação, de sujeitos que precisam se reconstruir. O personagem principal passa por uma crise pessoal, algo de relacionamento em um plano subjetivo individual, mas que acaba se reconstruindo a partir de um plano coletivo”, explica Leon. Trata-se de dois curtas que dialogam bastante, sendo que acabam por se diferenciar por conta dos perfis que almejam em seus resultados finais. “Enquanto Mamata aponta para uma melancolia debochada, mas não menos reflexiva, Peito Vazio é um curta que segue um perfil mais sério, sendo que nosso maior desafio foi a não romantização do protagonista”, afirma Leon.

DISCUSSÃO GEOPOLÍTICA E IDENTITÁRIA

Oriundo de Barreiras e residente na cidade de Luís Eduardo Magalhães (antiga Mimoso do Oeste), o cineasta Michel Santos traz uma discussão geopolítica e de identidade de um povo para Latossolo, impactante curta que consegue, sem diálogos,  ilustrar para o espectador o impacto que a fugaz transformação urbana de uma cidade pode causar em seus moradores em termos de sensação de não-pertencimento. “Em uma cidade muito jovem como Luís Eduardo Magalhães, cujo crescimento está pautado basicamente no agronegócio, o que existe entre os moradores e o município não é uma relação afetiva, uma vez que não há a sensação de pertencimento, de memória de um passado atrelado ao lugar”, explica Michel.
Em seu filme, o diretor aborda o fato de que, por funcionar unicamente na relação da produção agrícola, não há um pensar na cidade como algo que mereça uma elaboração, um pensamento voltado para o desenvolvimento do município como algo voltado para seus habitantes, principalmente em termos culturais. “Isso acaba fazendo com que o lugar se torne uma ‘não-cidade’, justamente por não possuir essa identidade junto ao seu povo”, afirma. Latossolo se relaciona de modo pertinente com os outros curtas exatamente por abordar as relações humanas subjugadas diante de um modelo de desenvolvimento que não prioriza as pessoas. “Quando se coloca esse progresso desenvolvimentista como prioridade, o que é afetado são as relações sociais, ambientais e culturais. É essa reflexão que o filme busca trazer”, complementa.



INTERIORIZAÇÃO DO AUDIOVISUAL

No longa de abertura da Mostra Tiradentes, Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, a questão das relações afetivas são prioridades, sendo que a identidade com as cidades de Cachoeira e São Felix é plena. “Como já se diz por aqui, não é a gente que escolhe Cachoeira, mas Cachoeira que nos escolhe”, brinca o co-diretor e roteirista, Ary Rosa.  “Nós nos propusemos a colocar a cidade em primeiro plano. Pensamos as duas cidades como uma representação. Algo forte, mesmo. Como um personagem e com suas personalidades”, complementa.  Encontro e afeto são palavras que definem bem o contato entre o espectador e a obra. Na triste história de Margarida (Valdinéia Soriano), uma mãe a se recuperar de um passado traumático, o reencontro com Violeta (Aline Brunne), uma de suas ex-alunas, lhe dá forças para suplantar a tragédia.

“Temos uma preocupação em pensar na interiorização do cinema em busca de outros pólos, um cinema que vá para além do atual eixo Rio-SP.  Em Café com Canela, buscamos fazer um filme de identidade, uma obra do interior, com o interior e para o interior, também”, salienta Ary,  Observando a trajetória de sucesso do longo, é notório o objetivo alcançado.



Matéria publicada originalmente em A Tarde, dia 21/01/2018



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