sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Cachoeira Doc 2016 - Mostra Competitiva II


Em sua segunda Mostra Competitiva, o Cachoeira Doc apresenta mais três curtas.  Abaixo, discorro acerca deles. Confira! 

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Tança (Minas Gerais, 2015, 31 min) Direção: Irmandade dos Atores da Pândega e Associação Quilombola Mato do Tição.

A reconstrução de uma personagem através apenas dos relatos das pessoas que a conheceram ou que apenas cresceram em contato com a lenda que sua figura representa. O grande mérito de Tança, curta dirigido pela Irmandade dos Atores do Pândega e pela Associação Quilombola Mato do Tição está na fato de conseguir manter viva a memória da matriarca do Quilombo do Matição, Tança, que teria vivido por 130 anos durante o período da escravidão.

Através de depoimentos de seus descendentes mais velhos (muitos deles com dificuldades em suas falas e locomoção), pessoas que a chamam de tia Tança, em uma fala cujo carinho do seu tom denota justamente o respeito que a matriarca ainda emana entre os seus, o filme consegue levar o espectador a uma reconstituição de sua figura, algo que acaba por suplantar qualquer necessidade de imagens de arquivo para ilustrar a sua persona.

Do mesmo modo, os depoimentos lúcidos dos idosos colaboram para uma reconstituição detalhada do quilombo em seu período de existência, mantendo viva a sua memória, algo que o curta representa como uma de suas missões.

Tança é o tipo de trabalho cuja recompensa está neste fato. Manter viva para as gerações futuras e ligadas àquela história a importância da missão de sua matriarca na luta contra a opressão.

No momento em que seus descendentes recebem um retrato falado de Tia Tança e seus olhos chegam a brilhar com a precisão do trabalho a rimar em suas lembranças, é quando o filme alcança seu principal intento. O de reencontro e de resgate.

Os descendentes de Tia Tança mantêm viva sua história



Há Terra! (Distrito Federal, 2016, 12min) Direção: Ana Vaz.

Um filme de comunhão entre os elementos que o compõem, no qual a presença física de uma personagem feminina serve como seu fio-condutor, levando o espectador a acompanhar sua perseguição pela relva enquanto a mesma simboliza diversos elementos da cultura popular oriunda o sertão.

O curta desenha de modo sutil suas referências culturais, inserindo contos do imaginário, como o representado pela história da mulher picada por uma cobra, cujo pé ferido pela peçonha do animal acaba por inchar em momentos distintos e relacionados sempre à passagem das fases da lua. Do mesmo modo, o filme aborda de modo sutil, e sem ser panfletário, a violência rotineira na vida desses sertanejos, como quando traz as palavras das pessoas acerca de um major acusado de roubar terras através da violência.

Além disso, Há Terra!, em seu ode proferido de modo constante durante o filme, juntamente com ordens de “remem!”, traz, ainda em sua sutileza distante de qualquer teor artificial, uma oportuna observação voltada para a importância providencial de uma reforma agrária.

Somando-se a isso, as inserções referenciais ao cinema do português Manoel de Oliveira corroboram uma ideia de resistência deveras urgente.

Um filme cujo impacto visual encontra vazão na relevância de sua mensagem sem a necessidade de uma narrativa óbvia.

"Encontro e caça: um equilíbrio entre personagem e paisagem" 



Tekowe Nhepyrun: A Origem da Alma (Paraná, 2015, 49min) Direção: Alberto Tavares.

Corroborando a premissa da edição do festival em optar por exibir trabalhos cujo engajamento social e político é evidenciado no registro das lutas de minorias em sua auto-afirmação, Tekowe Nhepyrun, juntamente com Voz das Mulheres..., é outra produção realizada por índios a abordar o esforço pela continuidade de uma cultura que corre o risco de ser esquecida.

Diferente do outro curta citado, cujo viés tratava da luta pelos direitos e conquistas das mulheres indígenas, A Origem da Alma aborda a questão dos métodos medicinais realizados por membros da tribo, bem como o hábito da alimentação natural como pontos de comunhão mística em uma união indissociável entre a matéria e o espírito.

É um filme cujo impacto dos depoimentos dos mais velhos representantes da aldeia Yhowy, no Paraná, trazem a reflexão proposta pela obra. Algo que contexto do acompanhamento de uma grávida por uma parteira e um rezador acaba por ratificar em sua proposta reflexiva.

Um filme que acerta por apresentar a cultura de um povo sem a necessidade de confrontá-la em uma comparação para com a do povo opressor. Cabe ao espectador criar qualquer relação, sendo conveniente salientar o quão isso seria desnecessário. 

Tradição e conhecimento em costumes indígenas 

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