segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Cachoeira Doc 2017


A oitava edição do já tradicional Cachoeira Doc, mostra de documentários que acontece na cidade do recôncavo baiano, começa hoje e segue até o próximo domingo, dia 10 de setembro. Trazendo uma leva de 65 produções (cinco delas inéditas), entre curtas e longas metragens, o festival contará com sessões gratuitas de mostras competitivas, retrospectivas, homenagens, colóquios, oficinas, além de diversas outras atividades. Mais uma vez, o evento confirma sua postura questionadora através de filmes que possuem uma reflexão social e política, travando um diálogo direto com o espectador e estendendo esse mesmo diálogo para além do cinema.

Desde seu longa de abertura, o impactante Quilombo Rio dos Macacos, do cineasta baiano Josias Pires, que será exibido amanhã, terça, às 19h30, passando pelo petardo dirigido por Marcelo Pedroso, Por Trás da Linha de Escudos; Escolas em Luta, de Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques e Tiago Tambelli, além de curtas como Na Missão, com Kadu, de Aiano Bemfica, Kadu Freitas e Pedro Maia de Brito, o Cachoeira Doc desse ano buscou em sua seleção de filmes trazer ao público a imprescindível ação de não passividade diante de um Estado tirânico e opressor.

 “A História esta sempre nos demandando uma reflexão instantânea e ao mesmo tempo uma ação. Essa é uma consciência que a gente desenvolveu. E os filmes escolhidos dizem respeito a essa consciência,” afirma a pesquisadora Amaranta Cesar, uma das curadoras e coordenadora do evento. Através de obras que desafiam um preconceito crítico e buscam enfrentar um déficit histórico aos cinemas militantes, o festival traz mostras como a Cinemas de Lutas, que, segundo a própria Amaranta, intenciona mostrar ao público um tipo de cinema que diverge de padrões formais do fazer fílmico. Padrões nos quais muitos dos trabalhos que estão sendo feitos não se encaixam. “No filme do Josias Pires, por exemplo, temos imagens feitas por quilombolas que registram a brutalidade das autoridades naquele lugar. São pessoas filmando com celular, câmeras portáteis, mas que acreditam na força daquelas imagens. É preciso entender de onde vem essa crença e dar lugar a elas. E nós, como realizadores, curadores e críticos de cinema, precisamos acompanhar e rever nossos padrões formais sob pena de apagar da História trabalhos importantíssimos ”, complementa Amaranta.


O filme de Josias Pires representa muito bem esse formato de cinema. O documentário abrange seis anos (de 2011 a 2017) da saga dos moradores do Quilombo Rio dos Macacos, localizado na Região Metropolitana de Salvador, na luta contra a ganância da Marinha do Brasil que, com truculência e brutalidade, tenta desalojar diversas famílias que vivem há décadas no lugar. O cineasta e sua equipe acompanharam audiências de representantes da comunidade com autoridades da Marinha; registraram manifestações públicas de protesto pela ação de despejo; conviveram no local, observando os meios rurais de sustento dos quilombolas; trouxe falas de procuradores da República, deputados e senadores, tudo reunido em mais de 150 horas de imagens brutas. Com a montagem de Cristina Amaral, tal material resultou em 120 minutos angustiantes, mas, acima de tudo, reveladores, de como a ação mesquinha e autoritária do Estado Brasileiro não visa o bem estar de seu cidadão, mas, sim a cessão de direitos adquiridos. 

“De certo modo, o desenrolar do filme no período de 2011 a 2017 abrange exatamente o período que nos leva à atual crise de identidade política que vivemos. Quilombo Rio dos Macacos é uma grande metáfora do Brasil atual. Principalmente no momento em que o filme mostra a aliança perversa do Estado com o Poder Judiciário,” explica o diretor Josias Pires. O realizador se refere ao momento do longa em que, durante uma audiência pública, uma procuradora da República se impressiona ao saber da ação arbitrária e parcial de um juiz, que definiu ações sem consultar a comunidade, agindo em prol unicamente da Marinha. “Curiosamente, vivemos no âmbito nacional essa evidência de algo histórico: de que o judiciário no Brasil não é parcial, que sempre teve um lado, que sempre teve partido. A justiça no Brasil tem classe. E não é a dos menos privilegiados como os quilombolas,” completa Josias Pires.

O saudoso Luiz Paulino em momento de reencontro

Homenagem à Luiz Paulino

Já estabelecida como parte importante do festival, a mostra Clássicos do Real relembra mestres do cinema documental. Esse ano, o veterano cineasta Luiz Paulino dos Santos, falecido em maio, será homenageado com a exibição de Índios Zoró: antes, agora e depois, último filme do diretor. O longa, de 2016, mostra o retorno de Paulino ao local onde, há trinta anos, filmou um curta sobre os costumes e práticas dos indígenas que dão título a este que viria a se tornar seu último trabalho. Neste reencontro, o baiano nascido no povoado de Altamira, traz ao público uma reflexão acerca da identidade indígena, apresentando uma comunidade modificada pela presença perniciosa da catequização cristã, pelo acesso dos nativos à bens de consumo e pela tecnologia que os descaracterizou. Uma bela homenagem a Luiz Paulino, um dos pilares do cinema baiano, o homem responsável pelo roteiro de Barravento e pela ascensão de Glauber Rocha.

Colóquio Cinema, Estética e Política

Reafirmando sua função de fomentador do pensamento cinematográfico e de atividades educacionais no âmbito acadêmico da Sétima Arte, o Cachoeira Doc traz para essa edição o VI Colóquio Cinema, Estética e Política, que é organizado pelo Grupo Poéticas da Experiência, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Amaranta Cesar explica que “o evento reúne os pesquisadores mais importantes e atuais do cinema e das artes no Brasil. O grupo da UFMG nos convidou a abrigar o colóquio e a realizar a edição 2017 junto com eles. Isso nos alegra muito, pois é um sinal de que o que estamos fazendo está sendo ouvido fora daqui.” A coordenadora salienta que, desde a sua criação, em 2010, a intenção do festival era de criar um pensamento cinematográfico constante na então recém instalada Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). “O Cachoeira Doc foi pensado e construído dentro do curso de cinema da UFRB. Durante os governos Lula, o projeto de interiorização das universidades nos deu essa possibilidade. Com a criação do festival, a ideia era fazer chegar a Cachoeira e àquele curso que estava nascendo, o pensamento e os filmes que estavam sendo produzidos no Brasil. Além disso, trazer pessoas para conversar com os alunos, para intensificar, ali, um lugar de encontro. Ver esse convite do grupo de Minas Gerais me alegra muito, também, pois demonstra que conseguimos, hoje, fazer o fluxo inverso,” completa.




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