sábado, 30 de janeiro de 2016

Spotlight

(EUA, 2015) Direção: Tom McCarthy. Com Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Stanley Tucci, Liev Schreiber. 


Por João Paulo Barreto

A partir de um extenuante trabalho de apuração, um grupo de jornalistas do caderno Spotlight, encartado ao jornal Boston Globe, decide investigar as denúncias de pedofilia contra padres da igreja católica sediada na cidade. O que poderia cair em um entediante documentário disfarçado de filme de ficção que só teria vazão para desesperados estudantes do primeiro semestre de Jornalismo, acaba por se tornar uma brilhante peça cinematográfica a registrar um não menos brilhante foco de apuro e excelência da imprensa (aquela que vale a pena se levar a sério, friso).

Spotlight, novo trabalho do diretor Tom McCarthy (que entregou em 2007 o delicado O Visitante, e se recupera com êxito de Trocando os Pés, com Adam Sandler), consegue captar toda a tensão inserida em uma investigação cuidadosa, realizada por repórteres dedicados e comprometidos com aquilo que os colocou naquela profissão: a verdade. Pode parecer dramático e ostentoso, mas como parte deste grupo de profissionais, eu posso afirmar que o que se aprende na faculdade no quesito ética e compromisso com a veracidade nem sempre é o que vemos no meio. A investigação realizada contra padres pedófilos na Boston do começo do século é algo que se coloca em um patamar superior da labuta jornalística.


Robby e Mike: dedicação e compromisso
Inseridos meio que de forma marginal na redação do jornal, a equipe liderada Walter “Robby” Robinson (Keaton) parece um grupo de excluídos da rotina do veículo. Desde a sua posição geográfica na sede do periódico, algo brilhantemente ilustrado por McCarthy ao utilizar a câmera a seguir os personagens pelos corredores e escadas do local (sempre os direcionando para níveis inferiores), passando pelo modo como o grupo parece se abster de uma vida social em prol do trabalho, todos as características daquelas pessoas representam seu compromisso irremediável com a profissão.

Quando vemos o personagem de Mark Ruffalo, Mike Rezendes (em uma atuação incrível, com as mãos nos bolsos, sempre curvado como a tentar levantar o peso de uma timidez disfarçada), fazer seu jogging dominical, mas correndo em direção ao prédio do Globe, percebe-se que é justamente dessa dedicação que beira ao infame que o filme trata, também. Não que para eles isso seja um problema. Talvez caiba ao público (ou a jornalistas não atuantes como repórteres, como meu caso) observar esse comportamento com uma curiosidade mórbida. O rapaz parece não ter uma vida social; sua namorada é citada como alguém com quem tem problemas; ele mora em um apartamento quase sem móveis e se alimenta de salsichas. É uma opção de comprometimento louvável, mas que poucos nessa área têm a vocação para seguir.

Uma das vitimas compartilha seu drama com a equipe de repórteres 
Na investigação, são os depoimentos das vitimas que mais chamam a atenção. O momento em que uma delas descreve-se como um garoto de 12 anos que tem na presença física de um padre a autoridade do próprio Deus católico, é um dos mais reflexivos de toda obra. “Quando ele lhe pede um favor, é como se Deus estivesse pedindo. Para um garoto que não tem nada, isso é muito”, diz ele perante a equipe. A quebra da confiança que aqueles agora adultos atormentados pelo passado sofreram é o que causa mais asco. Completo e total asco ao imaginarmos que um grupo de homens que supostamente deveria lhes trazer conforto social e moral só lhes trouxe sofrimento e tragédia psicológica.

O filme acaba por registrar a luta não somente do grupo de repórteres, mas de outros profissionais que ousam desafiar um gigante como a igreja, uma entidade que, comprovadamente, acobertou seus criminosos representantes transferindo-os para outras paróquias a cada abuso cometido e descoberto.

Profissionais como o advogado Mitchell Garabedin (Tucci), que traz no mar de processos no qual se vê afundado em seu escritório (em um incrível trabalho da direção de arte, curiosamente não reconhecido com uma indicação ao Oscar) o comprometimento com uma causa na qual acredita, que não cansa de lutar.

Trata-se de um filme sobre o drama de vida tanto das vitimas dos crimes horrendos cometidos pelos supostos homens santos, quanto das pessoas que decidiram ajudá-las a agir contra a podre instituição religiosa que os acobertou. No entanto, claro, o drama deste primeiro grupo nunca terá fim. Eles não têm esta opção, infelizmente.



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