sexta-feira, 22 de junho de 2012

Depois da Chuva - Visita ao set do filme de Cláudio Marques e Marília Hughes



O blog Película Virtual visitou o set de Depois da Chuva, filme dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes. Experientes no âmbito de curtas (os diretores foram agraciados na 38ª edição do Festival de Gramado com os prêmios de Melhor Filme e Melhor Roteiro pelo curta Carreto, lançado em 2009), eles têm em Depois da Chuva seu primeiro longa metragem. Com um roteiro em parte autobiográfico, o filme se passa em 1984, período final da ditadura militar, e coloca em foco a Salvador daquela fase. 

Através da óptica de Caio (Pedro Maia), um adolescente com tendências anarquistas cujas ideias são reprimidas por professores, mas incentivadas por amigos, Depois da Chuva traz, nas palavras do co-diretor Cláudio Marques, “uma relação sutil entre os acontecimentos da vida de Caio e o momento político pelo qual o país ultrapassa. Deve-se dizer que o cinema brasileiro de ficção produziu muitos e importantes filmes sobre a ditadura (1964-1984), mas nada sobre o turbulento período de transição para a democracia (1984). Para o cineasta, o filme tem uma função específica: “passados vinte e cinco anos desse período que forjou as lideranças e o país em que vivemos hoje, é chegada a hora do cinema evocar a atmosfera daquele período para que uma reflexão mais profunda aconteça”, complementa.
Cláudio Marques e Marília Hughes estudam as imagens captadas
Para a co-diretora Marília Hughes, o filme possui um tema que extrapola o período no qual se passa a história. "Apesar do momento histórico particular do filme, Depois da Chuva também trata de questões universais, pertinentes a adolescentes de qualquer época e lugar. É um filme sobre transição e amadurecimento”, afirma a cineasta. Além do jovem estreante Pedro Maia, o filme conta os atores Talis Castro, Paula Carneiro, Bertho Filho, Sophia Corral, Carlos Betão, Aícha Marques, dentre outros.

Confira abaixo como foi a visita às gravações.

Em um set de cinema, as engrenagens devem estar sempre lubrificadas. O ambiente pede concentração, apuro técnico, preparo prático e, o mais importante, vontade de fazer bem feito. Para quem não tem a experiência de ter estado em um local assim, claro, tudo soa como novidade. Há aquele receio de estar no lugar errado, de acabar invadindo algum ambiente onde não deveria haver mais ninguém a não ser os que já estão presentes. Ao chegar no set de gravações de Depois da Chuva, primeiro longa metragem dos cineastas Cláudio Marques e Marília Hughes, todas essas minhas preocupações caíram por terra. Com isso, claro, não estou dizendo que não havia ordem ou que tudo era como “chegue mais, sinta-se em casa”. Não, as coisas não funcionam assim. Em uma agradável tarde, numa das ruas do convidativo bairro do Garcia, centro de Salvador, um isolamento com cones de trânsito e um senhor para quem eu precisei acenar com a cabeça e mostrar uma câmera fotográfica para dar a entender que também fazia parte dos envolvidos naquele trabalho. O convencimento de que todo aquele processo segue uma regra restrita, bem engendrada, é fato. Logo ao passar, percebo que o isolamento é para evitar que o som dos carros atrapalhem as cenas que eram gravadas lá dentro. Cláudio e Marília estão no lugar desde as cinco horas da manhã, junto com a equipe e parte dos atores. Primeira semana de filmagem. Gás total.
O diretor de fotografia Ivo Lopes (e) ao lado de Cláudio Marques


Logo ao entrar, dou de cara com o diretor de fotografia Ivo Lopes, responsável pela fotografia em filmes como Avenida Brasília Formosa, O Céu Sobre os Ombros e pelo recente Girimunho, longa de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr. Ivo, experiente na área, tem aquele ar tranquilo. Mexe na barba enquanto fala comigo e parece pensativo ao responder minha pergunta sobre o formato optado no trabalho e em como isso vai refletir na época em que se passa o filme. “A gente optou por fazer o filme no formato 16mm para, de alguma forma, fazer uma ligação com aquele tempo, o ano de 1984. No entanto, 1984 foi um dia desses. É um filme de época, mas sobre algo que aconteceu a menos de 30 anos. Então, eu acabo pensando nisso. Em usar esse formato para reviver aquele período”, afirma. Para Ivo, o roteiro trabalha passando ao espectador a vida do personagem principal nos locais da sua rotina. A escola, seu quarto, as ruas por onde ele passa diariamente junto com amigos. “Na fotografia, eu acabo por buscar trazer ao ambiente um olhar que seja único para aquele personagem passando por todos esses lugares”. No entanto, há um detalhe que Ivo faz questão de frisar que é o risco de parecer didático. “Não é necessário representar fisicamente na câmera aquilo que o personagem está sentindo”, explica. “Há um acordo entre a câmera e os personagens, entre a câmera e o roteiro que não é simples. É um acordo que você vai criando intuitivamente de uma forma delicada. Para mim, o grande desafio em fotografar um filme é esse. O de alcançar essa unidade”, conclui. 


Captando o som e criando o ambiente

Enquanto Ivo cumpre seu papel na captação de imagem, o responsável pelo som de Depois da Chuva, Guile Martins, que também é cineasta (dirigiu o curta Canoa Quebrada, premiado no Curta Cinema - Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro, em 2010, e exibido no Panorama Coisa de Cinema no ano passado), apresenta uma comparação interessante sobre o modo de captação em ambientes internos e externos. Guile acaba de trabalhar no departamento de som do longa Ao Relento, de Júlia Zakia, um longa que se passa no sertão. Em Depois da Chuva, um filme mais urbano e com muitas locações internas, as dificuldades parecem ser maiores. “No sertão, a gente tem muito menos sons que incomodam do que em uma cidade como Salvador. Por exemplo, às vezes passa um carro de som no meio de uma cena e temos que refazer. Afinal, não dá para manter um barulho como esse em um filme de época. Aqui, nós temos que ficar muito atentos aos ruídos do entorno. Já em uma gravação no meio do mato, os sons ao redor são um pouco mais bem vindos ”, explica. No entanto, não é sempre que os sons de passarinhos ou algo oriundo da natureza devem permanecer. Guile justifica que muitas vezes esses sons da natureza não são bem vindos: “Muito passarinho pode acabar atrapalhando. Em algumas situações, a gente solta bombas para espantá-los”. Em Depois da Chuva, esse artifício não foi necessário. Guile explica que a frequência do som que o pássaro emite é parecida com a da voz. Então, há o risco de, na cena, perder-se o foco do espectador na fala do personagem por conta do som emitido pela ave. Nas cenas gravadas no começo da manhã, esse som foi até bem recebido, é o que afirma o profissional. “Hoje, por exemplo, houve um plano em que um personagem estava na janela. No quadro, podíamos ver uma árvore lá fora e o som dos pássaros foi muito bem aproveitado. Não há porque não incorporar esse som”, salienta.

Guile Martins, responsável pelo som de Depois da Chuva
Nesse momento, Guile precisou voltar para a última cena do dia, que se passaria no quarto do personagem principal, Caio (Pedro Maia). O quarto, por sinal, é como uma volta no tempo. Genius, antigo brinquedo da Estrela em um canto, recortes de revistas em quadrinhos e fotos de bandas setentistas na parede. Algo bem relacionado à personalidade do adolescente. A diretora de arte, Anita Dominoni, explica que a criação do ambiente onde vive Caio se relaciona diretamente com sua personalidade. “Ele está em uma fase de transição, essa fase da adolescência. E ele mora com a mãe. Ou seja, o que deve ser levado em consideração é que ele está morando desde que nasceu na mesma casa. Então, o que tem que ser demonstrado pela direção de arte nesse sentido são os estágios da vida desse menino”, observa.
A diretora de arte Anita Dominoni 
O que se percebe é, justamente, uma forma de usar o ambiente para passar ao espectador uma mensagem sobre o personagem. “Caio vai crescendo e começa a passar por uma transição de sua ideologia. Quando vamos ficando adultos, nossa personalidade e hábitos acabam ficando presentes em objetos do nosso ambiente. No caso dele, há um modo de demonstrar sua "pseudoindependência" com suas roupas pretas e sua relação com o punk rock. No entanto, conhecemos um pouco mais dele ao vermos seu quarto”, explica a diretora. “Você acaba por demonstrar mais de você através de suas coisas, do seu ambiente”, completa. Anita foi diretora de arte em dois filmes do diretor Geraldo Sarno: Tudo me Parece um Sonho (2008) e O Último Romance de Balzac (2010). Ambos filmes de época nos quais a direção de arte é um elemento imprescindível. A partir desses filmes, surgiu o convite de Cláudio Marques e Marília Hughes para que ela fizesse a direção em Depois da Chuva. Para Anita, é acertada a decisão de se filmar em 16mm uma vez que o formato torna a imagem captada mais real para a época em que se passa o roteiro.

Ao final das doze horas de trabalho, os sons de palmas brindam o final do primeiro dia de trabalho. Uma longa caminhada a se seguir, mas que está começando muito bem.

Fotos gentilmente cedidas por Anouk Degen.

João Paulo Barreto é jornalista e foi convidado pelos diretores a visitar o set de gravações.



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